Capítulo 1
Cristiana Araújo
Muita coisa aconteceu depois do acampamento que mudou a minha vida. Mudou para melhor, é claro. E bota melhor nisso.Bernardo e eu assumimos nosso namoro assim que voltamos do acampamento. As pessoas ficaram muito surpresas em nos ver juntos. Quando atravessei o pátio da escola de mãos dadas com o Bernardo pela primeira vez, a escola inteira parou para ficar de boca aberta nos olhando.
Mas nada disso importava para mim. Porque quando eu olhava para o menino lindo que segurava minha mão, e a cada vez que Bernardo me beijava, tudo á minha volta desaparecia. E é assim que continua sendo.
Até o ódio que minha irmã decidiu destinar a mim não era suficiente para me desanimar. Resolvi seguir minha vida, ser feliz com o garoto que eu amo, quer ela queira ou não. Ela está se tornando cada vez mais insuportável, mas isso nem me incomoda mais, acho que já me acostumei.
A cada dia, fico mais apaixonada pelo Bernardo. E como não ficar? Ele pediu minha mão em namoro ao meu pai, me dando um colar lindo em seguida. Colar que eu não tiro do pescoço por nada. No festival de música do Rocket, que ocorreu alguns dias depois que voltamos do “acampamento” ele compôs a música mais maravilhosa de todo o mundo especialmente para mim. Então, como eu não ficaria perdidamente apaixonada pelo Bernardo? Simplesmente impossível.
Bernardo Oliveira
- E aí maninho, como é que está indo o namoro? – Clarinha me perguntou, enquanto a família almoçava na sala de jantar. Ignorei a cara feia que minha mãe fez.
- Melhor impossível! Nossa, tô adorando namorar a Cristiana. – respondi, mas aquela frase não era nem metade do que eu sentia. Cara, “adorando namorar a Cristiana” é muito pouco perto do que eu sentia por ela! Tipo, sinistro o que essa menina faz comigo! Nunca pensei que fosse capaz de passar as 24 horas do meu dia pensando em uma só garota. Mas é isso o que acontece, a Cristiana não sai da minha cabeça!
- Eu sabia que um dia vocês iam dar um casal super bonitinho. - disse Clarinha, rindo.
- Pois é, mas por falar nisso, tenho que ir. Marquei de me encontrar com a Cristiana no Rocket. Beijo, família, tchaaaau. – peguei a chave do meu carro e fui direto para o Rocket, encontrar o amor da minha vida. Enquanto dirigia pelo trânsito um pouco congestionado, pensei em como a minha vida era perfeita agora que eu tinha Cristiana.
Fala sério, não dava pra ser melhor: estava namorando a menina mais linda do mundo, os Vikings Bronzeados estavam vencendo todos os jogos, havia ganho o primeiro lugar do festival de música do Rocket, e ia gravar meu próprio CD. Impossível um cara mais feliz que eu. Estacionei meu carro e entrei no Rocket Stone. Então eu encontrei Cristiana, sentada com a Zuleide em uma das mesas.
- Oi, Bernardo! – ela sorriu e se levantou pra me beijar. E eu pude ter de novo a sensação maravilhosa de beijá-la.
- Oi, Cris, tudo bem?
- Ahã. – ela respondeu, só que eu a conhecia muito bem: sabia que ela estava chateada por algum motivo, por mais que tentasse disfarçar.
Nos sentamos, e a Zuleide me cumprimentou, como sempre. Ela também não parecia muito animada. Curioso para saber o que era, refiz a pergunta:
- Nossa, gente, aconteceu alguma coisa?
- Não Bernardo, é que você sabe, falta pouco mais de um mês pro Campeonato Brasileiro de Patinação... – começou a explicar Cristiana – e o Léo quebrou o braço.
- Mas vocês não acharam ninguém para substituir ele?
Foi a Zuleide quem respondeu a minha pergunta:
- Já, mas é que ninguém está disponível, e... – o telefone celular dela tocou, a interrompendo. - Alô. Ahã, sou eu sim. Sim. Ah, oi, prazer. Sério? Mas você não morava na Itália? Ahã. Claro, vai ser um prazer. Ah, que isso. Então amanhã? Tá bom, vou estar te esperando. – Zuleide terminou de falar com não sei quem, toda feliz. Feliz até demais.
-Genteeeeee!!! Não dá pra acreditar nisso!!! – ela estava dando o maior espetáculo de empolgação.
- Que foi, Zuleide? – perguntou Cris.
- Cristiana Araújo, nossos problemas acabaram!!!
- Você conseguiu um patinador substituto?
- Não é só um substituto, Cristiana, acredite ou não, você vai patinar com VOCÊ VAI PATINAR COM FELLIPE RODRIGUES!!!!!! - Fiquei olhando pra Zuleide com uma cara super empolgada de “quem é essa criatura?”.
- Você ta brincando né, Zuleide? Fala sério, aquele cara é uma lenda! – Cristiana estava toda felizinha, e eu resolvi perguntar:
- De quem vocês estão falando, pelo amor de Deus?
- Como assim, Bernardo, nunca ouviu falar do Fellipe Rodrigues? – ela perguntou como se todas as pessoas do planeta conhecessem o cara, menos eu.
- Nunca vi mais gordo. – respondi. Cristiana riu.
- Ele não é gordo, mesmo. Bernardo, Fellipe é um patinador brasileiro super talentoso. Começou a patinar aos três anos de idade, e aos quatorze se mudou para a Itália estudar em uma das escolas de patinação mais famosas do mundo. Já participou até das olimpíadas! – Cristiana estava quase tão empolgada quanto a Zuleide.
- Nossa, posso saber por que você sabe a biografia inteira do cara?
Ela riu de novo, achando graça da pergunta.
- Ah, é bonitinho você com ciúmes de um cara que nem conhece. Mas, voltando ao assunto, Zuleide, como isso foi acontecer?
Elas ficaram conversando em uma empolgação impressionante, falando desse tal de Fellipe. Ciúmes, até parece. Bem, se a Cris estava feliz, eu estava também. Afinal, agora ela tinha uma excelente oportunidade de ganhar a competição.
Muita coisa aconteceu depois do acampamento que mudou a minha vida. Mudou para melhor, é claro. E bota melhor nisso.Bernardo e eu assumimos nosso namoro assim que voltamos do acampamento. As pessoas ficaram muito surpresas em nos ver juntos. Quando atravessei o pátio da escola de mãos dadas com o Bernardo pela primeira vez, a escola inteira parou para ficar de boca aberta nos olhando.
Mas nada disso importava para mim. Porque quando eu olhava para o menino lindo que segurava minha mão, e a cada vez que Bernardo me beijava, tudo á minha volta desaparecia. E é assim que continua sendo.
Até o ódio que minha irmã decidiu destinar a mim não era suficiente para me desanimar. Resolvi seguir minha vida, ser feliz com o garoto que eu amo, quer ela queira ou não. Ela está se tornando cada vez mais insuportável, mas isso nem me incomoda mais, acho que já me acostumei.
A cada dia, fico mais apaixonada pelo Bernardo. E como não ficar? Ele pediu minha mão em namoro ao meu pai, me dando um colar lindo em seguida. Colar que eu não tiro do pescoço por nada. No festival de música do Rocket, que ocorreu alguns dias depois que voltamos do “acampamento” ele compôs a música mais maravilhosa de todo o mundo especialmente para mim. Então, como eu não ficaria perdidamente apaixonada pelo Bernardo? Simplesmente impossível.
Bernardo Oliveira
- E aí maninho, como é que está indo o namoro? – Clarinha me perguntou, enquanto a família almoçava na sala de jantar. Ignorei a cara feia que minha mãe fez.
- Melhor impossível! Nossa, tô adorando namorar a Cristiana. – respondi, mas aquela frase não era nem metade do que eu sentia. Cara, “adorando namorar a Cristiana” é muito pouco perto do que eu sentia por ela! Tipo, sinistro o que essa menina faz comigo! Nunca pensei que fosse capaz de passar as 24 horas do meu dia pensando em uma só garota. Mas é isso o que acontece, a Cristiana não sai da minha cabeça!
- Eu sabia que um dia vocês iam dar um casal super bonitinho. - disse Clarinha, rindo.
- Pois é, mas por falar nisso, tenho que ir. Marquei de me encontrar com a Cristiana no Rocket. Beijo, família, tchaaaau. – peguei a chave do meu carro e fui direto para o Rocket, encontrar o amor da minha vida. Enquanto dirigia pelo trânsito um pouco congestionado, pensei em como a minha vida era perfeita agora que eu tinha Cristiana.
Fala sério, não dava pra ser melhor: estava namorando a menina mais linda do mundo, os Vikings Bronzeados estavam vencendo todos os jogos, havia ganho o primeiro lugar do festival de música do Rocket, e ia gravar meu próprio CD. Impossível um cara mais feliz que eu. Estacionei meu carro e entrei no Rocket Stone. Então eu encontrei Cristiana, sentada com a Zuleide em uma das mesas.
- Oi, Bernardo! – ela sorriu e se levantou pra me beijar. E eu pude ter de novo a sensação maravilhosa de beijá-la.
- Oi, Cris, tudo bem?
- Ahã. – ela respondeu, só que eu a conhecia muito bem: sabia que ela estava chateada por algum motivo, por mais que tentasse disfarçar.
Nos sentamos, e a Zuleide me cumprimentou, como sempre. Ela também não parecia muito animada. Curioso para saber o que era, refiz a pergunta:
- Nossa, gente, aconteceu alguma coisa?
- Não Bernardo, é que você sabe, falta pouco mais de um mês pro Campeonato Brasileiro de Patinação... – começou a explicar Cristiana – e o Léo quebrou o braço.
- Mas vocês não acharam ninguém para substituir ele?
Foi a Zuleide quem respondeu a minha pergunta:
- Já, mas é que ninguém está disponível, e... – o telefone celular dela tocou, a interrompendo. - Alô. Ahã, sou eu sim. Sim. Ah, oi, prazer. Sério? Mas você não morava na Itália? Ahã. Claro, vai ser um prazer. Ah, que isso. Então amanhã? Tá bom, vou estar te esperando. – Zuleide terminou de falar com não sei quem, toda feliz. Feliz até demais.
-Genteeeeee!!! Não dá pra acreditar nisso!!! – ela estava dando o maior espetáculo de empolgação.
- Que foi, Zuleide? – perguntou Cris.
- Cristiana Araújo, nossos problemas acabaram!!!
- Você conseguiu um patinador substituto?
- Não é só um substituto, Cristiana, acredite ou não, você vai patinar com VOCÊ VAI PATINAR COM FELLIPE RODRIGUES!!!!!! - Fiquei olhando pra Zuleide com uma cara super empolgada de “quem é essa criatura?”.
- Você ta brincando né, Zuleide? Fala sério, aquele cara é uma lenda! – Cristiana estava toda felizinha, e eu resolvi perguntar:
- De quem vocês estão falando, pelo amor de Deus?
- Como assim, Bernardo, nunca ouviu falar do Fellipe Rodrigues? – ela perguntou como se todas as pessoas do planeta conhecessem o cara, menos eu.
- Nunca vi mais gordo. – respondi. Cristiana riu.
- Ele não é gordo, mesmo. Bernardo, Fellipe é um patinador brasileiro super talentoso. Começou a patinar aos três anos de idade, e aos quatorze se mudou para a Itália estudar em uma das escolas de patinação mais famosas do mundo. Já participou até das olimpíadas! – Cristiana estava quase tão empolgada quanto a Zuleide.
- Nossa, posso saber por que você sabe a biografia inteira do cara?
Ela riu de novo, achando graça da pergunta.
- Ah, é bonitinho você com ciúmes de um cara que nem conhece. Mas, voltando ao assunto, Zuleide, como isso foi acontecer?
Elas ficaram conversando em uma empolgação impressionante, falando desse tal de Fellipe. Ciúmes, até parece. Bem, se a Cris estava feliz, eu estava também. Afinal, agora ela tinha uma excelente oportunidade de ganhar a competição.
Capítulo 2
Cristiana Araújo
Entrei no Rocket, ansiosa. Bem que eu queria que o Bernardo fosse comigo, mas ele disse que tinha que sair com o pai e só voltaria no final da tarde, e que, se desse, daria uma passadinha no Rocket para me ver. Droga. Eu não sabia bem o porquê de estar ansiosa, afinal, eu só estava prestes a conhecer meu futuro parceiro de patinação artística. O problema era que o cara era uma lenda da patinação. Fiquei chocada quando descobri que ele iria treinar no Rocket comigo, por vários motivos. Ele morava na Itália, estudando na escola de patinação artística mais famosa do mundo, por que raios iria querer vir patinar aqui no Brasil?
Tá certo que a Zuleide havia me explicado que ele só ia passar um tempinho no Brasil, matar a saudade da família, que mora aqui, e voltar. Mas será que EU iria conseguir patinar com ele? Duvidava disso.
Respirei fundo, e vi que ele e Zuleide conversavam. Me aproximei para cumprimentá-los.
- Cristiana! - Zuleide gritou meu nome - que bom que você chegou! Deixa eu apresentar vocês... Cristiana, esse é o Felipe Rodrigues. Felipe, Cristiana Araújo.
- É um prazer conhecê-la. - ele apertou minha mão.
- Pra mim também. - respondi. Ele não era diferente do que eu já sabia, pela televisão e internet: porte atlético, cabelo curto e preto, e olhos verdes.
- Tudo bem, já se conheceram, legal. Cristiana, acabei de falar com ele e descobri que ele vai ficar no Brasil até o dia do Campeonato Brasileiro de Patinação. Então, vocês dois vão patinar juntos e ganhar esse Campeonato, na certa! Por isso, nada de perda de tempo. Pra pista de patinação, agora!
Com a ajuda de uma treinadora que mais parece uma general de exército, começamos a patinar. Fellipe tinha uma agilidade incrível nos patins, mas por sorte eu estava conseguindo acompanhá-lo direitinho. Até deu para trocar algumas palavras durante o treino.
- Você tem quantos anos, Felipe?
- Dezoito. E você?
- Dezessete. Você ainda estuda?
- Até hoje não terminei o ensino médio.
- Você está em que ano na escola? - perguntei, impressionada em como um patinador tão novo podia ser tão talentoso.
- Segundo ano. É que eu reprovei um ano. Não dá pra ser bom em tudo, né...Fazer o quê. - explicou ele, rindo. - Você estuda onde?
- No Primeira Opção.
- Hum, falam que é um bom colégio.
- Você mora sozinho na Itália, Fellipe?
- É, por isso que eu sempre venho ao Brasil visitar minha família.
Bem, nossa conversa ficou nisso, e no final do treino, o meu amor apareceu.
- Bernardo! Que bom que você veio! - nos beijamos, é claro, eu já estava sentindo falta de beijá-lo.
- Deixa eu te apresentar: Bernardo, Fellipe. Fellipe, esse é o meu namorado, Bernardo.
Capítulo 3
Bernardo Oliveira
Em nome da educação, apertei a mão do sujeito, com ar de poucos amigos. É claro que eu percebi muito bem o quanto ele ficou decepcionado quando Cris disse "meu namorado". E adorei ela ter dito isso.
Mas conhecer esse tal Felipe me surpreendeu um pouco. Eu imaginava que ele fosse, sei lá, um tio de 30 anos. Mas não era. Deveria ter a minha idade.
- Bem, acho que já terminamos por hoje, né Zuleide? - perguntou Cristiana.
- Tudo bem, vocês estão liberados. Mas amanhã quero os dois aqui de novo, hein?
- Sim, general Zuleide! - Cristiana e Felipe disseram ao mesmo tempo, e depois riram da coincidência.
- Tchau, Felipe, até amanhã.
- Até amanhã, Cris. - ele abraçou a MINHA NAMORADA e depois foi embora.
- Agora ele já está até te chamando de Cris, é?
Ela riu, e como sempre, o sorriso dela me contagiou. Essa menina é um perigo.
- Para de implicância, tá, seu ciumento.
- Claro. Ter a namorada mais linda do mundo tem lá suas desvantagens. Não se pode confiar em ninguém. Principalmente em certos patinadores metidos a italianos.
- Hahahaha. Engraçadinho.
- E aí, Cris, que tal a gente pegar um cineminha hoje?
- Hum, adorei a ideia.
- Tá bom, então te pego às sete.
Maravilha. Eu e a Cris no escurinho do cinema.
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Eu tinha acabado de comprar a pipoca, e nós estávamos quase entrando na sala do cinema em que se passaria o filme de suspense que resolvemos assistir. Estávamos quase entrando, quando subitamente, ouvi uma voz nada agradável.
- Cristiana! Eu não acredito! Você por aqui? - Droga. Mil vezes droga.
- Oi, Fellipe! Que coincidência a gente se encontrar aqui. - disse Cristiana, e eu envolvi a cintura dela com meu braço direito.
- E aí Bernardo, beleza? - perguntou Fellipe.
- Claro. Tudo ótimo. - Ou pelo menos estava antes dele chegar.
- Você veio com alguém? - perguntou Cris.
- Não, na verdade, eu ia assistir um filme com um amigo meu, mas ele não veio.
- Pois, é né. Vamos Cris, o filme já está começando. - eu falei.
- Que filme vocês vão assistir? - perguntou Fellipe. Quase disse "não interessa", mas Cristiana respondeu primeiro.
- Perigo fatal 3.
- Sério? Ah, que massa! Eu também! Então vamos nessa que o filme já deve estar começando.
Olhei para Cris, indignado. E ela olhou para mim, também nada feliz com o fato.
- Ah, gente, captei. - disse Fellipe, ao observar nossa reação feliz. Pois é, ainda bem que o cara se tocou que programa a dois é para ser só entre duas pessoas: Eu e a Cris. Pensei que ia ter que desenhar.
- Vocês estavam naquele típico programinha de namorados. Sei. - continuou ele, com sua descoberta brilhante. - Mas relaxem, galera! Vocês nem vão perceber que eu vou estar lá. - A expressão dele, feliz e tranquila, me deixava ainda mais irritado. Que merda, tinha que ser logo o mesmo filme que EU e a MINHA NAMORADA íamos assistir? Por que que ele não ia assistir um outro filme em outra sala, tipo "O fantástico mundo dos pôneis" ?
- Calma, Bernardo. - cochichou Cris, enquanto entrávamos na sala. - Ele não vai estragar nossa noite, tá amor? - ela me beijou, e então eu relaxei um pouco. É, ele não poderia atrapalhar tanto assim.
Eu e Cris escolhemos um lugar para sentar, e o enturmão chato sentou do lado dela. Então, eu fiquei no canto direito, ao lado da Cris, ela no meio e Fellipe do lado dela também. Argh. O filme começou, e Felipe permaneceu quietinho no lugar dele. Ótimo.
Eu e Cris assistíamos ao filme de mãos dadas, e eu a beijei. Engana-se quem pensou que eu queria ir ao cinema para assistir o filme. Tá certo que quando eu beijo a Cris, nada ao meu redor parece ter importância, mas eu senti muito bem quando alguém jogou uma pipoca na minha cabeça. Olhei desconfiado para a poltrona do Fellipe, e ele comia pipoca compulsivamente, com um sorrisinho divertido. E com certeza, não era do filme que ele estava achando graça.
- Posso saber que ideia foi essa? - reclamei.
- Não sei do que você está falando - disse ele, mostrando ser um péssimo ator.
- O que foi, Bernardo? - perguntou Cris.
- Nada. É que essa criatura aí do seu lado jogou uma pipoca em mim.
Cristiana riu.
- Que isso, Bernardo, deve ter sido alguma criança lá de trás.
- Não tem criança nessa sala. Censura 16 anos, lembra?
- Vocês podem fazer silêncio, por favor? - o cara da lanterninha que trabalha no cinema perguntou.
- Ah, claro. Desculpa.
Acreditem ou não, na próxima vez em que beijei Cris, o idiota jogou uma pipoca em mim de novo! Eu revidei com um amendoim, e ele jogou outra pipoca. Eu joguei outro amendoim, e ele...
- Gente, vocês nunca tiveram infância não? - reclamou Cris.
- É que minha mãe nunca me deixou brincar disso no cinema - respondeu Felipe, rindo.
- Então por que você não vai jogar pipoca nas menininhas que estão assistindo " O Fantástico mundo dos Pôneis" em outra sala? - retruquei.
- Nem vem com essa, porque você também estava se divertindo tacando amendoim na minha cabeça. - respondeu ele.
- É a segunda vez que estou pedindo silêncio - reclamou o carinha do cinema.
- Foi mal. - disse Fellipe.
Se ele achava que ia me impedir de beijar a Cris no cinema, estava muito enganado.
- Gente, eu vou ali comprar um refrigerante e já volto. - Fellipe levantou da poltrona e saiu da sala de cinema. Graças. Bem que ele podia ficar por lá mesmo. Infelizmente, minutos depois ele voltou com um copo contendo meio litro de refrigerante de laranja. Então ele entrou no corredor, supostamente em direção à sua poltrona.
Mas vocês não vão acreditar no que ele fez. Enquanto passava pelo corredor, ele
"acidentalmente" se desequilibrou, e o refrigerante de laranja caiu adivinha em cima de quem?
Em segundos, eu estava ensopado de refrigerante. Agora ele apelou.
- Ih, foi mal mesmo. Bernardo, é melhor você ir pra casa tomar um banho, não acha?
Por uma questão de honra, peguei minha Coca-Cola e derramei nele também.
- Não acredito que você fez isso. - disse Fellipe, com uma cara irritada simplesmente hilária.
Eu estava achando tão boa a sensação de derramar refrigerante nele, que peguei o refrigerante da Cristiana e derramei o copo inteiro na cabeça dele pela segunda vez.
- E agora, você acredita? - perguntei, enquanto Cristiana morria de rir.
- Vocês três. Pra fora do cinema. AGORA. - dessa vez, o lanterninha tinha perdido a paciência.
Maravilha. Fomos expulsos do cinema antes de chegar na metade do filme. Isso é que eu chamo de passeio romântico.
Capítulo 4
Cristiana Araújo
Eu estava pronta para ir à escola, e Bernardo apareceu, quando eu estava saindo de casa.
- Bom dia, amor! - falei, o beijando em seguida.
- Bom dia. Você vai ir pra escola comigo, no meu carro, tá?
- Tudo bem.
Enquanto ele me levava pra escola, conversamos sobre nosso passeio super romântico no cinema.
- Tudo culpa daquele Fellipe. Moleque insuportável - reclamou Bernardo.
Eu ri. Aliás, não conseguia fazer outra coisa ao lembrar do que acontecera naquele cinema, além de achar graça.
- Nunca assisti a um filme de suspense mais engraçado.
- Não sei porque você achou tanta graça assim.
- Bernardo, foi a coisa mais hilária dos últimos tempos! Vocês dois se comportaram como criancinhas de jardim de infância!
- ELE se comportou como criancinha de jardim de infância.
- Tudo bem, vamos esquecer esse assunto, tá? - eu propus.
- Melhor.
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Quase chegamos atrasados, mas conseguimos entrar nas nossas salas a tempo. Era aula de química, e eu estava pensando se tinha dever de casa. Distraída, sentei na carteira da frente, como sempre. O professor entrou na sala de aula, e informou a presença de um aluno novo. Ele pediu ao aluno que se levantasse e o apresentou para a turma.
- Galera, este é Fellipe Rodrigues, que veio da Itália, se não me engano. Bem vindo á nossa turma, Fellipe.
Perplexa e completamente surpresa, notei a presença do meu parceiro de patinação na carteira ao meu lado. Como pode uma coisa dessas? O cara tinha 18 anos e futuro garantido na patinação, porque raios ia querer voltar a estudar, ainda mais no segundo ano?
- Oi, Fellipe! O que está fazendo aqui?
- Estudando, ué.
- Mas porque você decidiu voltar a estudar?
- Minha mãe quer que eu termine o ensino médio. Fazer o quê?
- Bem, de qualquer forma... Seja bem vindo à turma, então. Você vai gostar daqui, é uma boa escola.
- Obrigado. - ele agradeceu, e depois o professor Casca começou sua aula sobre ligações covalentes.
Ih... Algo me diz que o Bernardo não vai ficar nada feliz em saber que o Fellipe está estudando no Primeira Opção.
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- Você tá de brincadeira, né, Cris? - disse Bernardo.
- Tá bom, então veja você mesmo. - nós fomos à cantina e Fellipe estava na fila do lanche.
- O que esse moleque está fazendo na nossa escola?
- A mãe dele quer que ele termine o ensino médio.
- Tá, mas tinha que ser aqui? E outra, Cris, você não disse que ele só ia ficar um tempinho aqui no Brasil e depois voltar pra Itália?
- Pois é, também não entendi direito. De qualquer forma, ele está estudando na minha sala. Vamos lá falar com ele?
- O quê?
- Ah, qual é, Bernardo, o cara é novato na escola. Vamos ser pessoas gentis e bem educadas, tá bem?
- Ele não foi gentil e bem educado com a gente, ontem no cinema. Por que eu seria com ele?
Eu sorri e abracei o Bernardo, explicando em voz baixa:
- Amor, não tem motivo nenhum para vocês ficarem se olhando de cara feia. Só porque vocês ficaram brincando de guerra de comida no meio do cinema não quer dizer que sejam inimigos. Não estou dizendo que o Fellipe precisa ser seu "BFF", tá? Você só precisa tratá-lo como uma colega normal. Afinal, ele vai me ajudar a ganhar esse campeonato de patinação, lembra? - eu falei com jeitinho, pra fazê-lo concordar comigo. Acho que funcionou.
- Tá bom, que seja. Também, pedindo desse jeito, não dá pra negar nada pra você.
Fomos falar com o Fellipe, e deu tudo certo. Conversamos como pessoas normais, Fellipe pediu desculpas sobre o episódio do cinema, e no fim, parece que eles até se entenderam. Pelo menos na minha frente.
Capítulo 5
Cristiana Araújo
Quando o treino acabou, Fellipe e eu sentamos em uma das mesas do Rocket, e ele resolveu puxar papo:
- Você pratica patinação artística há quanto tempo? - ele perguntou.
- Comecei a patinar aos 8 anos.
- Sinceramente, acho que você nasceu pra isso. Não sou nenhum técnico, mas você tem um talento impressionante em cima dos patins. Muito melhor que muita patinadora italiana por aí.
- Nossa, obrigada. Vindo de você, é um elogio e tanto.
Ele riu, e olhou bem nos meus olhos.
- Sério mesmo. Você tem um potencial incrível como patinadora. Vamos ganhar esse campeonato com toda a certeza.
- É, espero que sim.
- Mas, você sabe - continuou Fellipe - como eu já disse, não dá pra ser bom em tudo. Quanto o assunto é patinação, eu arraso. Quando o assunto é números, eu sou péssimo. A gente podia fazer uma troca de favores: eu te ajudo a aprender coisas novas de patinação e você me ajuda com as matérias da escola. Sabe como é, se eu reprovar de novo minha mãe me mata.
- Tudo, bem, podemos fazer isso então. Quando quiser ajuda com alguma matéria, é só me falar, que estudamos depois dos treinos. Que tal?
- Ótimo. Obrigado.
- De nada, Fellipe.
Ele ficou me olhando durante vários segundos, em silêncio. Viajando na maionese. Era engraçada a expressão concentrada dele.
- No que está pensando, hein? - eu não resisti e perguntei.
- Nada, é só que... Você me lembra uma pessoa.
- Ah, é? Quem?
- Você é muito parecida com uma menina que conheci alguns anos atrás. Principalmente o olhar. Idêntico ao dela. Chega a ser assustador.
- Como assim? - eu não estava entendendo nada.
- Bem, vou te explicar. Há alguns anos, namorei uma menina que eu amava muito, Lucy. Ela era totalmente parecida com você.
Eu o interrompi com uma pergunta que me intrigou:
- Era? Por que, ela morreu?
- Ahã. Morreu. Eu sofri muito. Foi um período horrível da minha vida. Logo quando tudo parecia certo, nosso namoro estava ótimo. - ele deu um sorriso triste e continuou:
- Fiquei tão mal que minha mãe quase me colocou em uma clínica psiquiátrica. Ela achava que eu estava ficando louco, tendo comportamentos estranhos e anti-sociais, sei lá. Acho que foi só por causa da patinação que eu consegui esquecer Lucy. Então chego aqui no Brasil, depois de anos, e encontro você, que tem os mesmos olhos, o mesmo sorriso dela. Totalmente sinistro.
Eu nem sabia o que falar. Então agora, estava explicado porque, desde o primeiro dia que nos conhecemos, ele me olhava de modo estranho.
- Sinto muito. - o que mais eu poderia dizer, além de "sinto muito" ?
- Ah, tudo bem, sem problema. O mais incrível é que eu não sinto mais a dor. Mesmo estando com você, não sinto a dor pela morte de Lucy. Ao contrário, é ótimo olhar para você e ver os mesmo olhos dela.
Fiquei impressionada. Fellipe conseguia se abrir para mim e mostrar seus sentimentos de um modo admirável. Eu não teria a mesma coragem, de falar para uma pessoa quase estranha sobre coisas delicadas como essa. Agora, fala sério, essa parada de parecer com uma mulher morta é muito assustadora. Tive até vontade de perguntar como Lucy havia morrido, mas desisti. Se foi assim tão difícil para ele superar, eu não queria voltar no assunto, ficar fazendo-o se lembrar de coisas desagradáveis.
Terminamos nossa conversa e depois eu fui pra casa, ainda pensando na história triste que ele me contara.
Capítulo 6
Bernardo Oliveira
Eu estava no meu quarto, tocando violão e cantando a música que compus para a Cristiana, quando meu celular tocou.
- Alô.
- Olá, é o Bernardo Oliveira?
- Sim, sou eu.
- Bernardo, aqui é o seu produtor musical, o Roberto.
- E aí, Roberto, tudo bem?
- Tudo ótimo. Te liguei porque tenho um assunto bem importante para tratar com você.
- Fala.
- Bem, Bernardo, você sabe que vamos lançar seu CD em breve. E o videoclipe da sua música foi o maior sucesso, bombou pra caramba na internet. Queremos lançar seu CD em grande estilo, por isso precisamos que você faça uma turnê de lançamento. Mas, fique tranquilo, sabemos que você estuda e não queremos te prejudicar. Você só vai precisar passar uma semana fora, e durante essa semana, você vai fazer shows todos os dias, só pelas cidades do estado de São Paulo e Rio de Janeiro. Vai super tranquilo, e muito importante pro início da sua carreira. E aí, o que me diz?
- Caramba. Não sei nem o que te falar - respondi, surpreso com a proposta dele - Eu nem lancei o CD e você está querendo que eu faça uma turnê?
- Não é bem uma turnê, Bernardo. Vai ser só uma semana fora, vai ser rapidinho.
- Tá Ok, eu te ligo ainda hoje te dando a resposta tá?
- Tudo bem, Bernardo, vou aguardar sua ligação. Obrigado, Tchau.
- Tchau. - desliguei o telefone, de boca aberta.
Caramba! Eu, fazendo uma turnê! Dá pra acreditar numa coisa dessas?
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- Maninho, quem diria, hein? Ainda nem lançaram seu CD e você já vai sair por aí, fazendo um monte de shows! - disse Clarinha, impressionada.
- Filho, eu aprovo que você faça essa turnê, já que vai ser só uma semana. Mas só se você não se esquecer de estudar pra ficar tocando violão por aí. - disse meu pai.
Minha mãe também pareceu se empolgar um pouco com a minha notícia.
- É verdade, filho, acho que você deve aproveitar essa oportunidade, desde que não deixe de estudar. Eu não sabia que você ia começar sua carreira de cantor assim tão rápido!
- Nem eu. Então quer dizer que vocês aprovam que eu vá pra essa turnê?
- Sim - meu pai, minha mãe e Clarinha responderam juntos.
- Mas vou te ligar cinco vezes por dia. - avisou minha mãe.
Agora, eu só precisava da aprovação de uma pessoa.
- Oi, amor! - eu disse, assim que entrei na casa de Cristiana.
- Oi, Bernardo! - eu a beijei.
- Amor, tenho uma notícia pra te contar.
- Hum, pela sua cara, deve ser uma notícia boa.
- Por um lado é ótima, por outro, nem tanto.
- Fala logo, estou curiosa!
- Tá bom. Hoje o cara da gravadora me ligou e pediu pra eu fazer uma turnê de lançamento do meu CD. Vai ser só uma semana, com shows todos os dias.
- Nossa, que incrível! Eu sabia que você ia fazer o maior sucesso no mundo da música! Parabéns, amor! - ela me abraçou, e depois olhou nos meus olhos.
- Mas você vai ficar uma semana fora, né?
- É. E uma semana é muito pra ficar longe de você.
- Eu também vou morrer de saudade. Eu não fico sem beijar você nem por um dia, quem dirá por uma semana? Mas, de qualquer forma, você não pode e não vai perder essa oportunidade. É o seu sonho, não é? - disse Cristiana.
Respirei fundo.
- Ahã. É o que eu sempre quis. Seria tão bom se eu pudesse ir, e ao mesmo tempo ficar com você... - e foi aí que eu tive uma ideia. Uma ótima ideia.
- Cris! Por que você não vem comigo?
- Como assim, Bernardo?
- Você poderia ir pra essa turnê comigo.
- Eu, ir com você? - ela sorriu, começando a gostar da ideia.
- É, Cris, isso seria perfeito.
- Bernardo, ir com você seria o máximo! Mas, será que ia dar certo?
- E por que não daria? - perguntei, ficando empolgado com a ideia. Resolveria todos os meus problemas. Não teria que me preocupar com um certo patinador chato dando em cima da minha namorada na minha ausência. Ia ser per-fei-to!
Capítulo 7
Cristiana Araújo
- Negativo. - pronunciou meu pai, para minha total decepção.
- Por que não? - perguntei.
- Filha, não tem nada a ver você ir com o Bernardo para essa turnê. Ficar uma semana longe de casa, faltando aula... Não é uma boa ideia. E isso sem contar que pode ser perigoso pra você viajar sozinha por um monte de cidades desconhecidas.
- Mas, pai ... - ele nem deixou eu terminar a frase.
- Querida, eu sei que você é super responsável e que eu posso confiar em você, mas a questão é que não tem a mínima necessidade de você ficar longe por uma semana só por causa do Bernardo. Eu sei o quanto você gosta dele e tudo mais, mas acredite, essa uma semana que vocês vão ficar sem se ver vai ser até saudável para o namoro de vocês. Não quero que você vá nessa turnê, tá bom?
Não. Não estava bom. Mas raramente meu pai me dizia não a alguma coisa, e quando ele fazia isso, era inútil discutir.
- Tá.
- Não fique chateada não, tá filha? Só estou fazendo o que acho que vai ser melhor pra você.
- Claro que eu não vou ficar chateada, pai, que isso. Tudo bem, é sua decisão.
Meu pai me abraçou e depois eu avisei:
- Então tô indo pro Rocket. Depois do treino vou falar com o Bernardo.
- Então tchau, até mais tarde.
- Tchau.
Cheguei ao Rocket e treinei patinação com o Fellipe, ao som de um monte de comandos da Zuleide, quando o treino finalmente acabou, Fellipe me perguntou:
- Cris, aconteceu alguma coisa hoje? Eu achei você meio dispersa no treino.
- Ah, não, nada demais. É que o Bernardo me convidou para ir com ele em sua primeira turnê... - Fellipe nem me deixou terminar de falar.
- Não! Você não pode ir. - ele falou de um jeito meio desesperado, sei lá.
Fiquei olhando para ele com uma cara de " qual é o seu problema?" Ele explicou depois, meio constrangido:
- Quer dizer... É que... Que você não pode ficar uma semana sem treinar. Vai atrapalhar nosso desempenho no campeonato de patinação.
- Ah, tá. Mas o que eu ia dizer, antes de você me interromper, é que meu pai não deixou, e por isso eu não vou com o Bernardo.
- Ah, que bom! - disse Fellipe. Esse garoto é meio estranho. Eu não sabia que ele dava tanta importância a treinar diariamente.
- Não sei, mas não consigo achar isso bom. Vai ter um monte de menininhas fãs do MEU NAMORADO dando em cima dele. Não é legal. Ah, e eu tenho que ir, Fellipe. Preciso dar a notícia pra ele.
- Tá bom. Tchau. Até amanhã.
Eu saí do Rocket, e quando cheguei em casa, Bernardo estava tocando violão, sentado na frente da piscina.
Eu cheguei em silêncio e dei um beijo nele.
- E aí, linda, falou com seu pai? - Bernardo acertou em cheio o assunto que eu queria falar.
- Ahã. Eu conversei com ele, sim.
- E aí?
- Ele não deixou eu ir com você.
- Ah, que saco, Cris, porque ele não deixou?
- Ele deu um monte de explicações, disse que não quer que eu falte aula, acha perigoso, acha que não tem necessidade de eu ir com você, e disse que a distância vai fazer bem pro nosso relacionamento.
- Ficar distante de você não faz bem pra nada.
- Eu também não estou gostando nada de ficar uma semana longe de você, mas ele não vai mudar de ideia. O jeito é você ir, e eu ficar aqui, te ligando de cinco vezes por dia.
Ele resmungou, decepcionado, algo como " você é a segunda pessoa que me fala isso."
- Eu vou sozinho pra essa turnê, mas quando eu chegar, prepare-se para me dar a quantidade de beijos que você me daria durante a semana inteira.
- Combinado. - concordei, rindo.
- Cris...
- Fala.
- Cuidado com esse Fellipe, tá?
- Cuidado? Por quê?
- Aposto que ele vai aproveitar que eu vou ficar fora durante uma semana e vai dar em cima de você descaradamente. Vai dizer que não percebeu que ele tá a fim de você?
- O Fellipe? A fim de mim? - eu ri - Quanta imaginação, hein, Bernardo.
- Você que não percebe o jeito que ele te olha. - Na verdade, ele olhava mesmo para mim de um jeito meio estranho, mas eu já sabia que o motivo era que eu me parecia com uma certa mulher morta, como ele me explicou, mas isso não vem ao caso. Desnecessário e esquisito explicar isso pro Bernardo.
- Amor. Relaxa. Eu te amo muito, você sabe que pode confiar em mim.
- É nele que eu não confio.
- Não se preocupe, Bernardo. Na verdade, eu que devia estar preocupada.
- Por quê?
- Você vai ter um monte de fãs que vão ter o atrevimento de ficar se atirando em cima de você. - Dessa vez, quem riu foi ele.
- Cris. As fãs vão ficar com inveja de você, porque vou dedicar todas as músicas para a minha namorada, mesmo você não estando lá.
Eu sorri e ele me beijou.
- Você é a melhor coisa que já me aconteceu. - ele sussurrou pra mim.
Capítulo 8
Bernardo Oliveira
- Filho, você vai perder o avião se ficar enrolando aí a vida toda. - minha mãe me apressou, olhando para o relógio.
- Estou indo - falei, assim que terminei de colocar na minha mala a foto da Cristiana, afinal, era só assim que eu iria vê-la durante uma semana. Um saco o Antônio não ter deixado a Cris ir comigo.
Minha mãe resolveu falar um de seus comentários sem-noção.
- Ainda bem que o Antônio não deixou aquela menina ir com você nessa turnê. Nossa, sinceramente meu filho, que namoro mais grudento. Você só vai passar uma semana fora e fica aí...
Eu a interrompi, revirando o olhos.
- Mãe, chega, tá bom, já entendi.
- Filho, vamos logo! Eu mesma vou te levar ao aeroporto.
- Tá, mas primeiro eu preciso fazer uma coisa.
- Ir ao banheiro? - ela perguntou.
- Não, mãe - respondi, entre risos. - Vou me despedir da minha gata.
- Eu mereço. Bernardo, vamos logo, depois você liga pra ela, sei lá.
- Eu não vou embora sem me despedir da Cris de jeito nenhum.
- Ai, meu São Crispim. Vai logo, menino, que eu te espero no carro.
Entrei na casa da Cris, e ela estava sozinha, no quarto.
- Oi amor!!! - ela me abraçou.
- Oi, Cris. Eu vim pra me despedir de você.
- É hoje que você vai viajar?
- Ahã.
- Já está até de mala pronta e tudo mais?
- É. Até escolhi uma mala grande pra você ir escondida dentro.
Ela riu, e eu olhei bem no fundo daqueles olhos azuis lindos.
- Vai ser só uma semana, Cris. Vai passar rápido, eu espero.
- Eu também. Bernardo, só quero te pedir uma coisinha.
- O que você quiser.
- Vê se não fica dando mole pra essas menininhas que com toda a certeza, vão ficar se atirando pra cima de você.
Eu sorri.
- Você sabe que meu coração só tem uma dona.
- É bom mesmo.
- Ah, e falando nisso, senhorita Cristiana, faça o favor de não ficar de muito de papinho com esse Fellipe, tá, porque...
Cris não deixou eu terminar a frase.
- Você sabe que meu coração só tem um dono. - respondeu ela, copiando a minha frase.
- É bom mesmo. - respondi.
Minha mãe apertou a buzina do carro sem dó nem piedade. Estraga prazeres.
- Acho melhor você ir, Bernardo.
- Não antes de te dar um beijo de, no mínimo, trinta segundos.
Eu envolvi a cintura dela e a beijei pela última vez antes de ingressar na primeira turnê da minha carreira.
- Boa sorte com sua turnê, amor. Espero que ela seja maravilhosa e inesquecível, e que você faça todo o sucesso que merece.E que volte logo. - desejou ela, sorrindo para mim.
Capítulo 9
Cristiana Araújo
- Cris, sua animação está me dando inveja, sabia? - ironizou Fellipe, durante o intervalo na escola.
- Você está assim só porque o Bernardo viajou?
- É, acho que sim. - eu realmente não estava muito animada.
Ele resmungou alguma coisa, enquanto Valentina se aproximava.
- Oi Cris! Oi Fellipe!
- Oi amiga.
- Credo, Cris, que desânimo, hein? Você tá assim porque o Bernardo viajou?
- É a segunda vez em menos de um minuto que me perguntam isso. - respondi.
Ela riu, e o Fellipe também.
- Cris, é só uma semana. Sabe do que você precisa? Se divertir, se distrair. O Bernardo deve estar se divertindo muito nessa turnê, então você deveria fazer o mesmo, não acha?
- Ahã.
- As The Lícias vão fazer o primeiro show profissional hoje, vai ser o máximo. A galera toda vai, vocês podiam ir também!
- Sério, amiga? Parabéns, o primeiro show de vocês! E vai ser onde?
- Vai ser em uma casa noturna, lá em Nova Guadalupe.
- Nossa, Nova Guadalupe é longe pra caramba, hein?
- Ah, não tem problema - disse Fellipe. - Nós vamos sim, er... Qual é o seu nome mesmo?
- Valentina.
- Valentina, eu e a Cris vamos.
- Vamos? - perguntei, um pouco incomodada de ele tomar as decisões por mim.
- É, Cris, vai ser legal. - ele respondeu.
- Vai mesmo! - concordou Valentina. - Então vejo vocês no show. - ela me entregou um folheto com o endereço do lugar e o horário do show, e depois foi embora.
- Até que enfim arranjei alguma coisa para fazer, ninguém merece ficar em casa sexta-feira á noite - comemorou Fellipe.
- É, eu acho que vai ser divertido. A banda das meninas é muito boa. Só vai ser difícil conseguir pegar um ônibus para Nova Guadalupe...
- Que pegar pegar ônibus o quê. Você vai comigo de carro.
- Você dirige?
- Claro que sim, eu te dou uma carona.
- Valeu, mas acho que...
- É só uma carona, Cris, você vai aceitar e ponto final.
- Tá bom. Só uma carona.
- Não sei se alguém já te disse isso, mas você é estranha, sabia? - disse ele, rindo.
- Ah tá. Eu, estranha?
- Só um pouquinho.
- Engraçadinho sem graça.
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O sol estava quase se pondo, quando Fellipe apareceu em um conversível amarelo, usando óculos escuros imensos, uma jaqueta que parecia de pele de jacaré e com o cabelo todo espetado pra cima. Mais chamativo, só se ele pendurasse um outdoor piscante em cima da cabeça escrito "olhem pra mim." Não consegui deixar de rir.
- Nossa Cris, você está linda. - elogiou ele, no mesmo momento que eu estava comparando o cabelo dele com um porco-espinho.
- Ahnn... Obrigada.
Ele desceu e abriu a porta do carro pra mim, e depois exibiu um sorriso daquele de propaganda de creme dental, quando eu entrei.
- Vamos nessa, gata. - Opa. Aí também já é demais. Me dar carona, dizer que eu estou linda, abrir a porta do carro pra mim e depois ainda me chamar de gata? Se o Bernardo visse isso iria enfartar.
- Fellipe, não é nada pessoal, mas só o meu namorado me chama assim.
- Tudo bem, foi mal, não tá mais aqui quem falou. - ele arrancou o carro se sentindo um piloto de fórmula 1.
Coloquei o cinto, para minha segurança. Mas do jeito que ele dirigia, nem o cinto seria capaz de salvar minha vida.
- Fellipe, o limite de velocidade da via é 60!
- Relaxa aí, Cris, só curta o vento no seu cabelo. - ele deu um sorriso despreocupado e continuou:
- Você não disse que o lugar é longe pra caramba? Se a gente for nessa lerdeza não chegamos nunca.
- Você sabe pelo menos onde é essa tal casa noturna?
- Acho que sim, eu dei uma olhada em um mapa e tenho uma noção de onde é.
- Fellipe, você está na contra-mão! - falei, enquanto os outros motoristas buzinavam furiosamente.
- Nossa, que povinho estressado, viu?
- Para de falar besteira e sai da contra-mão.
- Tá bom, tá bom.
Não estávamos nem na metade da "viagem" até nova Guadalupe e eu já estava desesperada para chegar. E não era pra menos. Fellipe entrou três vezes na contra-mão, avançou em cinco sinais vermelhos, invadiu a calçada, ignorou todas os limites de velocidade e quase atropelou um velhinho. Eu não parava de mandar ele dirigir direito.
Finalmente, eu consegui respirar um pouco, quando estávamos na metade da viagem e passamos por uma estrada sem quase nenhum trânsito. Era uma estrada reta e sem postes de luz, bem rústica. Em volta da pista, só se via mato, mato e mais mato. A sensação era de estar realmente viajando. E a uma velocidade alta demais.
- Quando você me disse que Nova Guadalupe era longe, eu não imaginei que fosse realmente longe. Olha só esse lugar! É uma auto estrada deserta sem o mínimo sinal de civilização. - reclamou Fellipe. Você tem certeza de que a gente está no caminho certo?
- Tenho, eu já fui a Nova Guadalupe algumas vezes. É realmente uma viagem. E, Fellipe, pelo amor de Deus, tente ir só um pouquinho mais devagar. Você está dirigindo com o dobro de velocidade do que é permitido.
- Ai, Cris, credo, você é muito certinha. Qual é a emoção de viajar no dentro do limite de velocidade?
- Se a polícia te pegar, vamos passar a noite na cadeia. Aí sim vai ser emocionante. Aliás, não sei como ainda não fomos parados pela polícia. Você vem fazendo todo o tipo de maluquices deste que eu entrei neste carro. Estou até em dúvida se você tem carteira de motorista.
Ele riu, com o mesmo sorriso desprocupado e divertido de sempre. Ele não respondeu, e nem diminuiu a velocidade. Ficou cantarolando uma música animada em italiano, enquanto eu observava um lindo gatinho peludo atravessar a rua. Foi tarde demais quando eu me toquei que o gatinho corria um grande perigo perto de um motorista barbeiro como o Fellipe.
- Fellipe, cuidado com o... - eu tentei avisar, mas só senti o impacto, e ouvi o som nada agradável de um gato sendo atropelado. - gato. - completei, baixinho, chocada com a cena. Será que ele havia sobrevivido? O Fellipe TINHA que fazer alguma coisa para ajudá-lo.
- Meu Deus, Fellipe, você atropelou o gato!
- Droga. - disse ele, e parou o carro. Ele desceu do carro, e eu fui atrás dele, na esperança de encontrar o gatinho vivo.
- Oh meu Deus! - exclamou ele, e eu até tive medo de perguntar:
- Ele está morto mesmo?
- Cristiana, estou falando do meu carro! Olha só o estrago que esse gato idiota causou. - ele apontou para um arranhãozinho de três centímetros na pintura amarela do carro dele. E então eu realmente fiquei nervosa.
- Quem liga pro seu carro, seu estúpido? Tem um ser vivo morrendo, e você só consegue olhar para a pintura do seu carro?
Ele parou de olhar para o carro e olhou para mim, surpreso com o meu tom de voz furioso.
- Nossa, Cris, quanto estresse, hein? É só um gato. - Respirei fundo, tentando me controlar para não dar um tapa na cara dele.
- É UM SER VIVO COMO TODOS OS OUTROS! VOCÊ VAI AJUDAR ESSE GATO AGORA.
- Ah, tá. Ajudar o gato. - replicou ele, com aquele sorrisinho atrevido que nunca abandonava seu rosto. - Cristiana, você pelo menos já olhou pra ele?
- Er... Não... Eu não tive coragem. - respondi. Eu tinha medo de olhar pro gato atropelado, sabe-se lá o que eu poderia ver.
- Se você olhasse pro gato, veria que ele está morto. Morreu. Foi pro céu, sacou?
- Você é um idiota insensível, assassino de gatos!
- Ah, Cristiana, tem dó, né. Eu o atropelei sem querer, e...
- E nem se importou com isso. - completei.
- O que você queria que eu fizesse? Que eu fizesse respiração boca-a -boca, masagem cardíaca, na esperança de ressuscitar um gato atropelado? Quer que eu compre um caixão pro gato, faça um velório e chame um padre pra consolar a família dele?
Eu não respondi. Fiquei olhando pra ele, com uma expressão furiosa.
- Cris. - agora ele falava em um tom meloso, na tentativa de me tranquilizar. - Não fique tão chateada. Foi sem querer, tá bom, juro que não quis matar esse gato. Eu sinto muito, não sabia que você se importava tanto com o bem estar felino. Me desculpe, tá? Você tem razão, sou um estúpido, idiota, insensível e assassino de gatos. Nunca mais vou atropelar nenhum adorável bichinho da natureza.
Agora entra no carro, que precisamos chegar a Nova Gudalupe.
Entrei no carro, mas de mau humor. Ele pisou com força no acelerador e o carro arrancou na mesma velocidade exageradamente alta.
Capítulo 10
Cristiana Araújo
Alguns segundos depois que arrancou, o carro parou repentinamente, no meio da pista. Isso não podia estar acontecendo. Não podia mesmo.
- O que foi, Fellipe?
- Ué, não faço ideia. Será que meu carro estragou?
- Isso é uma pegadinha, né?
Ele riu, e depois disse pra mim:
- É melhor você ir empurar o carro pra ver se ele pega.
Ridículo. Simplesmente ridículo. Não o fato de um carro estragar e precisar ser empurrado, e sim o fato de eu ter que empurrar um conversível caríssimo, enquanto um playboyzinho usando uma jaqueta de pele de jacaré tenta dar partida no carro. Eu mereço.
- Mais rápido, Cristiana! - ordenou ele, enquanto eu tentava mover o carro enorme. Calma, Cris, não perca a cabeça. Foi o que eu pensei comigo mesma, enquanto empurrava o carro pela estrada deserta e cercada de árvores. Definitivamente, aceitar carona desse moleque foi a pior coisa que eu já fiz na minha vida.
- Tudo bem, pode parar. Acho que já descobri porque o carro não quer andar. - eu parei de empurrar, e perguntei:
- E por quê?
- Está sem combustível.
Eu ainda ataco esse garoto.
- Fellipe, caso não tenha percebido, não tem nenhum posto de gasolina por aqui.
- Que droga, hein Cris? Bem, acabei de ter uma ótima ideia pra gente conseguir chegar até o próximo posto de gasolina, que deve ser bem longe daqui.
- Fala.
- É simples. Eu fico aqui sentado e você empurra o carro até chegar lá. - ele começou a gargalhar, achando graça da piada boba que fez. Cavalheirismo mil.
- Ha. Ha. Ha. Olha pra minha cara de quem está achando graça. - ironizei, entrando no carro.
- Brincadeirinha, Cris. Bem, o que temos que fazer é uma bela caminhada até o próximo posto de gasolina, comprar o combustível, colocar em um saquinho, voltar e abastecer aqui. Daí o carro volta a funcionar, e pegamos a estrada, direto para o show das The Lícias! - ele falava na maior animação, como se estivéssemos em uma situação muito divertida. Haja paciência.
Respirei fundo.
- Tudo bem, nenhum problema. Você vai lá, compra o combustível e eu fico aqui te esperando.
- Nada disso! - protestou ele. - Você vem comigo. Estamos juntos nessa.
- Estamos juntos nessa - eu repeti, numa imitação ruim da voz dele.
- Ah, Cristiana, qual é? Animação!
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- Lá estávamos nós, caminhando por uma estrada praticamente deserta, em direção a um posto de gasolina que nem sequer sabíamos onde era, e muito menos quanto tempo demoraria para chegar lá. E como se não bastasse, Fellipe tinha uma estranha incapacidade de ficar calado.
- Poxa, Cris, que cara é essa? Não precisa ficar tão mal humorada assim. Um dia você vai lembrar disso e vai rir muito. Vai dizer que nossa viagem à Nova Guadalupe não está sendo divertida?
- Divertida? - eu ri do absurdo que ele disse. - Só se você considerar "divertido" correr risco de vida, entrar na contra-mão, ignorar completamente todas as sinalizações de trânsito, quase atropelar um velhinho, matar um gato, me obrigar a empurrar um carro sem gasolina, e caminhar durante horas pra comprar um saquinho de combustível. Sinceramente, não dava pra ser pior.
- Cristiana, eu não diria isso.
- Por quê?
- Você já reparou que toda a vez que alguém diz "não dá pra ser pior" sempre acontece alguma coisa pra piorar mais ainda a situação? - Ah, fala sério, isso é superstição sua. - Assim que terminei de pronunciar a última palavra da frase, um trovão fez um barulho ensurdecedor. Como se discordasse de mim. Imediatamente, começou a chover. Agora isso já é sacanagem.
- Retiro o que disse. - falei, e Fellipe começou a rir.
- Bem que eu te avisei. Nunca duvide da palavra de Fellipe Rodrigues - disse ele, ainda rindo.
- Era só o que faltava. Além de me molhar toda, ainda tenho que ficar ouvindo você se gabar. Maravilha.
- Pessoas como eu têm mais é que se gabar, mesmo.
- Ah, claro. Por culpa sua eu estou aqui, andando em uma auto estrada deserta, à procura de um posto de gasolina que eu nem sei se existe, tomando chuva ao mesmo tempo. Se eu ficar resfriada, a culpa também será exclusivamente sua.
- Tem uma coisa que me impressiona em você, Cris. - disse ele, e fiquei curiosa.
- O quê?
- Mesmo molhada, mal-humorada e com vontade de me matar, você continua linda. - disse Fellipe, e eu não sabia ao certo se poderia considerar aquilo como um elogio. Bem, provavelmente sim, mas em circunstâncias com essas, eu não iria agradecer. Não mesmo.
- Não muda de assunto, tá Fellipe? Você tem que admitir que eu vou perder o primeiro show das minhas amigas por sua culpa.
- Relaxa, Cris. Te garanto que você chega a tempo de ver o show delas. Esses shows demoram a começar.
- Espero que sim. Não é possível que eu corri risco de morte á toa.
- Que risco de morte?
- Com você dirigindo aquele carro, eu tenho a sensação que vou morrer a qualquer minuto. Você dirige feito um louco.
- Nossa, Cristiana, que exagero.
- Exagero nada. Não tem aquele ditado machista "Mulher no volante perigo constante" ? Essa frase seria muito mais verdadeira se fosse "Fellipe no volante perigo constante".
- Eu sou tão ruim assim?
- Ahã. Péssimo.
- Tudo bem, agora que você disse isso, vou até tirar carteira de motorista um dia, pra aprender a dirigir. - falou Fellipe.
- VOCÊ NÃO TEM CARTEIRA DE MOTORISTA?
- Ou, Cris, é claro que eu tenho. Só tava brincando. - disse ele, entre risos.
Demoramos minutos intermináveis para chegar ao posto de gasolina. Mas finalmente chegamos.
- Espera aí que eu vou lá comprar combustível. - disse Fellipe, e poucos minutos depois, voltou com um saco de plástico grande, com a gasolina dentro.
Tivemos que voltar todo o percurso, e eu estava exausta. Quando finalmente chegamos ao carro, Fellipe falou:
- Agora é só eu abastecer o carro com o diesel que eu comprei e...
- Peraí. Você disse diesel?
- É. Eu comprei diesel, algum problema?
- Por acaso esse conversível é movido á diesel, Fellipe? - falei, sem querer acreditar que ele seria tão burro assim.
- Bem, acho que sim. Diesel não é um jeito chique de dizer gasolina?
Respirei fundo.
- Fellipe, eu vou te explicar a diferença entre diesel e gasolina. Os dois são combustíveis.... Mas o diesel serve para abastecer caminhões, ônibus e caminhonetes, enquanto a gasolina abastece carros. POR ACASO VOCÊ ESTÁ VENDO ALGUM CAMINHÃO POR AQUI?
- Que coisa, não? Então eu acho que comprei o combustível errado.
- É CLARO QUE COMPROU O COMBÚSTIVEL ERRADO!
- Nossa, Cris, relaxa, não precisa gritar comigo. É só a gente voltar lá e trocar.
- Parabéns, Fellipe. Temos um novo campeão em burrice. Você ganhou até do Rodrigo agora.
- Não acredito que você está me comparando com aquele menino burro da nossa sala que disse pra professora de geografia que o Everest é o rio mais importante do México.
- Com a diferença de que o Rodrigo salva gatinhos de telhados, em vez atropelá-los.
- Agora você me magoou. - disse ele, com um ressentimento fingido.
- Escuta aqui, garoto: Se você acha que eu vou voltar com você lá pra aquele fim de mundo pra trocar o combústível que VOCÊ fez o favor de comprar errado, está redondamente enganado. Você vai abrir o carro e eu vou ficar aqui esperando enquanto você vai lá desfazer a burrice que fez. Entendeu?
- Eu nem me atreveria a dizer que não. Mas posso perguntar uma coisa?
- QUE É?
- Você está de TPM?
Eu juro que vou matar esse garoto.
Capítulo 11
Cristiana Araújo
Depois de lançar um olhar fuzilador para Fellipe e mandar ele sair da minha frente, ele finalmente foi trocar o combústivel, enquanto eu fiquei no carro esperando. Esperei durante vários minutos, minutos suficientes para que eu me acalmasse um pouco. Fellipe voltou, e eu perguntei prontamente:
- Dessa vez é gasolina, né?
- Com certeza. - ele abasteceu o carro, enquanto eu pensava no lado bom e no lado ruim disso. O lado bom era que finalmente poderíamos seguir a viagem e quem sabe, chegar a tempo para o show das The Lícias. O lado ruim é que eu voltaria a correr risco de morte, com o louco do Fellipe dirigindo.
- Vamos nessa! - ele arrancou o carro e eu coloquei o cinto de segurança, para tentar sobreviver até o final da viagem. Cruzei os dedos e torci pra que chegássemos logo, a tempo de ver o show. Estava ansiosa para que aquele tormento acabasse.
Por sorte, e apesar de todas as maluquices de Fellipe no trânsito, conseguimos chegar vivos ao show.
Entramos na casa noturna, e no palco, Rita cantava: " Não vou deixar barato... E te mostrar que o seu prazo já venceu!"
- Obrigada!!! Boa Noite, galera, até a próxima! - despediu-se Rita de seu público, enquanto eu observava aquela cena decepcionada. Ou melhor, indignada. Ou melhor ainda, a fim de matar uma certa pessoa que estragou a minha noite.
- É, Fellipe, como você disse, chegamos bem na hora. Bem na hora de acabar!
- Não reclama, que pelo menos ouvimos a última frase da música.
- Ah, claro. A última frase. Maravilha.
- Bem, então acho que podemos voltar pra casa, já que o show acabou.
- NÃO! - gritei, desesperada. Eu havia mesmo ficado traumatizada em pegar carona com o Fellipe. - Bem, quer dizer, eu tenho que ir falar com a Valentina. - deixei Fellipe sozinho e fui falar com a Valentina, ou qualquer outra pessoa que eu encontrasse.
- Cris! - disse Valentina, enquanto tentava tirar aquela peruca enorme.
- Oi, amiga!
- Não vem com essa, tá? Eu percebi que você perdeu todo o nosso show. Poxa, que falta de consideração, hein Cris? Nosso primeiro show profissional e você só chega nos últimos cinco segundos.
- Pelo amor de Deus, Valentina, não briga comigo agora. Você não tem noção do que eu passei pra chegar aqui.
- O que aconteceu, Cris? Nossa, você está completamente molhada! - disse Valentina, assim que me observou melhor.
- Eu vim de carona com o doido do Fellipe. Valentina, você não vai acreditar no que aquele menino aparentemente inocente me fez passar.
- O que ele fez?
- Ele dirige feito um bêbado, atropelou um gato, não respeitou nenhuma sinalização de trânsito, entrou na contra-mão várias vezes, e no meio do caminho, acabou a gasolina do carro dele, e nós tivemos que ir na chuva comprar combustivel, e o idiota comprou diesel ao invés de gasolina, e depois teve que voltar todo o caminho para ir lá trocar. Você quer mais ou isso basta?
- Nossa, Cris, que barra. Foi mal, eu não sabia que você tinha passado por tudo isso só pra chegar aqui.
- Tudo bem, Valentina.
- Você vai voltar pra casa com ele? - a pergunta de Valentina me fez ficar à beira de um ataque.
- NÃO! NÃO, DEUS QUE ME LIVRE! EU VOLTO PRA CASA DE TÁXI, DE ÔNIBUS, ATÉ DE CARROÇA, MAS NÃO ENTRO DE NOVO NO CARRO DAQUELE GAROTO!
- Nossa. Você ficou traumatizada, hein?
- Você não imagina o quanto.
- Calma, Cris, você volta pra casa no carro da Rita! Ele é bem grande, com certeza tem um lugar pra você. E a Rita dirige super direitinho.
- Sério?
- Claro, Cris.
- Nossa, que alívio! Valeu amiga, você salvou minha vida.
Depois, avisei a Fellipe que não voltaria pra casa com ele, e Fellipe apenas riu.
- Tudo bem, Cris. Até amanhã na escola. - Ele me puxou e beijou minha bochecha. Já estava ficando com muitas liberdades.
- Tchau. - respondi, e depois acrescentei - Que Deus te proteja! - Só a proteção divina mesmo para que ele sobrevivesse ás imprudencias no trânsito que cometia.
Rita me levou para casa, e eu agradeci muito a gentileza dela em me dar carona naquele carro que eles insistiam em chamar de "micomóvel". Não sei porque, um carro tão bonitinho que me levou em perfeita segurança até a minha casa. Mico mesmo havia sido a viagem até Nova Guadalupe com o maluco do Fellipe.
Mais tarde, pronta para dormir, deitei em minha cama e não pude deixar de pensar no Bernardo. Onde ele estaria agora?
Capítulo 12
Bernardo Oliveira
- " É tudo o que eu sempre quis..." - Cantei a última frase da música olhando para a platéia que gritava e aplaudia. Sentir a energia de subir no palco e cantar para centenas de pessoas era uma coisa não dava pra explicar com palavras. Simplesmente maravilhoso. Eu só não sabia que tudo pudesse ser tão rápido, tão repentino. Isso sem falar no quanto a banda que o Renato havia montado pra mim era profissional.
Depois do show, no camarim, Renato me parabenizou:
- É isso aí, garoto, foi perfeito!
- Valeu, Renato.
- Bernardo...
- Fala.
- Nós fizemos um sorteio entre as suas fãs, e bem, como você sabe, elas te adoram...
- Renato, fala logo.
- Tá bom, tá bom. Vou ir direto ao ponto. Eu sei que devia ter te perguntado antes de fazer esse sorteio, mas eu imaginei que não haveria problemas, afinal, todo grande cantor gosta de ser valorizado pelas fãs...
- Sorteio de quê, Renato?
- Bem, eu usei uma ótima estratégia para vender mais ingressos, prometendo que a fã que fosse sorteada ganharia um jantar especial com você.
- Não seria mais normal sortear um poster autografado, ao invés de ME sortear?
- É por isso que estamos bombando. Porque em vez de fazer uma coisa normal, estamos sorteando um cantor. Você vai ser da fã que ganhar por uma noite.
- Poxa, Renato, maior sacanagem. Você sabe que eu tenho namorada.
- E daí? Não estou pedindo pra você casar com sua fã. Vocês só vão a um restaurante bem requintado, comer, conversar e acabou. E se rolar, você dá um selinho nela, pra ela ficar feliz.
- Você inventa cada uma, hein, Renato?
- Ah, Bernardo, por favor, diga que sim.
- E eu lá tenho escolha?
- Ótimo. Vou aceitar isso como um sim. O jantar vai ser amanhã. Até compramos um terno pra você.
Tentei pensar mais positivamente. Era só um jantar com uma fã que admira muito o meu trabalho. E, de fato, era muito legal pensar que centenas de garotas estavam ansiosas, torcendo para ganharem uma noite comigo. Não imaginava que eu iria ganhar fãs tão rapidamente.
É claro que sabia que a Cris não ia ficar feliz com o fato, mas eu estava decidido a não fazer nada de errado. Iria cumprir meu trabalho e pronto. Além disso, todas as fãs sabem que eu tenho namorada, e sabem inclusive que minhas músicas tiveram uma única musa inspiradora chamada Cristiana. Essa fã sorteada não poderia ser assim tão sem noção. Ou poderia?
Capítulo 13
Bernardo Oliveira
Entrei no restaurante chique e requintado que Renato escolhera para o meu encontro com a fã. Eu havia chegado um pouco mais cedo que o horário combinado, curioso para saber como seria o tal jantar. A única coisa que eu sabia da garota que ganhou o sorteio era que o nome dela era Brenda Gonçalves e que tinha 16 anos.
- Bernardo Oliveira, sua convidada já está te aguardando na mesa 8. - avisou a recepcionista do restaurante.
Procurei pela mesa 8 e lá estava minha fã, esperando por mim. Eu não tive chance de dizer nada, porque antes que eu dissesse qualquer coisa, ela começou a berrar.
- AI MEU DEUS! EU NÃO ACREDITO! AI CARAMBA, ACHO QUE EU VOU DAR UM TRECO! - ela praticamente pulou em cima de mim, me dando um abraço tão apertado que eu fiquei na dúvida se ela estava a fim de me matar asfixiado. Depois de longos segundos sem ar, ela me soltou e eu finalmente pude respirar.
- Oi, Brenda. - falei. E logo me arrependi.
- AI MEU DEUS, ELE SABE O MEU NOME!!! - gritou ela, em uma voz ridiculamente aguda.
- É, eu sei, o Renato me falou. Senta aí, vamos conversar.
- Claro, Bernardo, vamos começar logo a nossa noite dos sonhos! - Pois pra mim aquilo parecia mais a noite do terror. Brenda tinha uma nojenta mania de falar cuspindo. Não era legal.
- Bernardinho do meu coração, antes de qualquer coisa você vai autografar todos os meus pôsteres, meus ingressos, tudinho!
- Tudo bem. Vamos lá. - pelo jeito, esse jantar seria muuuito divertido.
- Primeiro, esse aqui. - autografei o pôster.
- Agora, esses aqui - autografei os ingressos que ela comprou para o show e umas fotos minhas.
- Agora, autografe isso aqui - Ela tirou da bolsa um sutiã vermelho.
- Peraí. Quer que eu autografe o seu...
- Ah, seu bobinho, é claro. Assim eu posso literalmente dizer que você está no meu peito. - ela começou a gargalhar compulsivamente, enquanto eu olhava pra ela, assustado. Caramba. Isso me dá medo.
Constrangedor ver as dezenas de pessoas no restaurante me observarem escrevendo meu nome em um sutiã.
- Se você quiser, pode ficar com ele. Eu não me importo. - sugeriu ela.
- Errr, não é uma boa ideia. Você vai precisar dele. - devolvi o sutiã para ela, e ela guardou na bolsa, toda feliz.
- Vou mesmo, meu pãozinho.
- Por falar em pão, que tal você pedir alguma coisa? - mostrei o cardápio, doido pra esse jantar acabar logo.
- Ótima ideia. Será que não tem Bernardo à milanesa? - Caramba. A garota é maluquinha de tudo.
Resolvi ignorar. Peguei o cardápio e observei o que se tinha pra comer naquele lugar.
Estavam cobrando um absurdo pra comer lesma. Eca.
Ela arrancou o cardápio das minhas mãos e jogou no chão.
- Por que não continuamos conversando... Sobre nós?
- O que vão querer? - perguntou o garçom. Bendito seja o garçom.
Brenda escolheu o que queria comer e eu escolhi qualquer coisa do cardápio. Afinal, não importa o que fosse, eu não ia ter coragem de comer, com aquela garota cuspindo na minha comida.
- Ai, Bernardo, estou tão emocionada! Sou sua maior fã, sei todas as suas músicas, fui a todos os seus shows!
- Mas ontem foi o meu primeiro show. - lembrei a ela, que estava se empolgando demais.
- Ah, é. Esqueci desse detalhe. MAS NÃO IMPORTA, VOCÊ É TUDO DE BOM! - gritou Brenda, com sua mania de falar cuspindo. Será que alguém tinha um guarda chuva pra me emprestar?
- Valeu, Brenda, que isso. É muito bom saber que você admira meu trabalho.
- Não só o seu trabalho, mas seu bumbum também. - OK. Isso foi constrangedor. Por que essa maldita comida não chega logo pra eu vazar daqui?
- O jantar está servido. - Estava começando a achar esse garçom um cara muito legal.
Como eu havia previsto, não consegui comer nada porque ela não calava a boca um segundo, e eu via chuviscos de baba espirrarem no meu prato. Nada mais nojento.
- Bebê... Você não vai comer? - perguntou Brenda.
Comer peixe grelhado com molho de cuspe? Acho que não. Infelizmente, não foi isso que eu respondi pra ela.
- Não estou com fome.
- Ai, é por isso que o meu lindo tá tão magrelinho. - Magrelinho??????
- Come só um pouquinho, bebê! Olha o aviãozinho! - ela queria me dar a comida na boca, como se eu fosse uma criancinha.
Essa já foi demais.
- Não, Brenda. Tem dó, né? Nem minha vó fazia aviãozinho pra mim.
Ela riu, e abaixou a colher. Nem preciso falar no mico que eu estava pagando no meio do restaurante.
- Você é tão engraçadinho! - disse ela, em seguida tomando um copo de suco inteiro em um único gole.
- Engraçadinho, magrelinho, pãozinho. São os adjetivos que eu sempre sonhei em receber. - falei, irônico. E então percebi que foi um grande erro fazer uma piadinha quando ela estava com a boca cheia.
Sim, acredite ou não, ela riu com a boca cheia. O resultado foi que eu tomei um maravilhoso banho de suco + baba.
- Ops. Foi mal! - disse ela, ainda rindo nervosamente.
Juro que foi a coisa mais nojenta da minha vida.
- É melhor eu ir ao banheiro. - falei, observando a mancha de baba na minha camisa. "Controle-se, Bernardo, não perca a cabeça. Esse jantar das trevas já está quase acabando." , falei pra mim mesmo.
Fui até o banheiro morrendo de nojo daquela menina, mas ao mesmo tempo aliviado em sair de perto dela.
- Eca. - foi o que eu falei ao me observar no espelho. Eu iria passar um dia inteiro me desinfetando daquilo. Minha camisa já era. Depois de alguns minutos tentando me livrar daquela mistura nojenta, resolvi que iria voltar lá e pedir a conta, me despedir a longa distância daquela fã maluca e vazar. Já chega dessa palhaçada.
Infelizmente, quando uma situação está ruim, ela tende a ficar pior ainda. Coitado de mim. Falo isso porque quando eu ia sair do banheiro, adivinha só quem entrou?
- Manchou muito a sua roupa, Bernardinho?
- Brenda, isso é um banheiro masculino.
- Quem disse? - disse ela, com um sorrisinho.
- A placa. Caso não saiba, os bonequinhos azuis sem saia significam que o banheiro é masculino.
- Ahã. - com o mesmo sorrisinho, ela fechou a porta do banheiro. E então eu vi refletir em sua mão uma chave. Para a minha completa surpresa, ela trancou a porta do banheiro!
- Agora somos só eu e você no banheiro, gatinho. - Caramba. Agora lascou.
Entrei no restaurante chique e requintado que Renato escolhera para o meu encontro com a fã. Eu havia chegado um pouco mais cedo que o horário combinado, curioso para saber como seria o tal jantar. A única coisa que eu sabia da garota que ganhou o sorteio era que o nome dela era Brenda Gonçalves e que tinha 16 anos.
- Bernardo Oliveira, sua convidada já está te aguardando na mesa 8. - avisou a recepcionista do restaurante.
Procurei pela mesa 8 e lá estava minha fã, esperando por mim. Eu não tive chance de dizer nada, porque antes que eu dissesse qualquer coisa, ela começou a berrar.
- AI MEU DEUS! EU NÃO ACREDITO! AI CARAMBA, ACHO QUE EU VOU DAR UM TRECO! - ela praticamente pulou em cima de mim, me dando um abraço tão apertado que eu fiquei na dúvida se ela estava a fim de me matar asfixiado. Depois de longos segundos sem ar, ela me soltou e eu finalmente pude respirar.
- Oi, Brenda. - falei. E logo me arrependi.
- AI MEU DEUS, ELE SABE O MEU NOME!!! - gritou ela, em uma voz ridiculamente aguda.
- É, eu sei, o Renato me falou. Senta aí, vamos conversar.
- Claro, Bernardo, vamos começar logo a nossa noite dos sonhos! - Pois pra mim aquilo parecia mais a noite do terror. Brenda tinha uma nojenta mania de falar cuspindo. Não era legal.
- Bernardinho do meu coração, antes de qualquer coisa você vai autografar todos os meus pôsteres, meus ingressos, tudinho!
- Tudo bem. Vamos lá. - pelo jeito, esse jantar seria muuuito divertido.
- Primeiro, esse aqui. - autografei o pôster.
- Agora, esses aqui - autografei os ingressos que ela comprou para o show e umas fotos minhas.
- Agora, autografe isso aqui - Ela tirou da bolsa um sutiã vermelho.
- Peraí. Quer que eu autografe o seu...
- Ah, seu bobinho, é claro. Assim eu posso literalmente dizer que você está no meu peito. - ela começou a gargalhar compulsivamente, enquanto eu olhava pra ela, assustado. Caramba. Isso me dá medo.
Constrangedor ver as dezenas de pessoas no restaurante me observarem escrevendo meu nome em um sutiã.
- Se você quiser, pode ficar com ele. Eu não me importo. - sugeriu ela.
- Errr, não é uma boa ideia. Você vai precisar dele. - devolvi o sutiã para ela, e ela guardou na bolsa, toda feliz.
- Vou mesmo, meu pãozinho.
- Por falar em pão, que tal você pedir alguma coisa? - mostrei o cardápio, doido pra esse jantar acabar logo.
- Ótima ideia. Será que não tem Bernardo à milanesa? - Caramba. A garota é maluquinha de tudo.
Resolvi ignorar. Peguei o cardápio e observei o que se tinha pra comer naquele lugar.
Estavam cobrando um absurdo pra comer lesma. Eca.
Ela arrancou o cardápio das minhas mãos e jogou no chão.
- Por que não continuamos conversando... Sobre nós?
- O que vão querer? - perguntou o garçom. Bendito seja o garçom.
Brenda escolheu o que queria comer e eu escolhi qualquer coisa do cardápio. Afinal, não importa o que fosse, eu não ia ter coragem de comer, com aquela garota cuspindo na minha comida.
- Ai, Bernardo, estou tão emocionada! Sou sua maior fã, sei todas as suas músicas, fui a todos os seus shows!
- Mas ontem foi o meu primeiro show. - lembrei a ela, que estava se empolgando demais.
- Ah, é. Esqueci desse detalhe. MAS NÃO IMPORTA, VOCÊ É TUDO DE BOM! - gritou Brenda, com sua mania de falar cuspindo. Será que alguém tinha um guarda chuva pra me emprestar?
- Valeu, Brenda, que isso. É muito bom saber que você admira meu trabalho.
- Não só o seu trabalho, mas seu bumbum também. - OK. Isso foi constrangedor. Por que essa maldita comida não chega logo pra eu vazar daqui?
- O jantar está servido. - Estava começando a achar esse garçom um cara muito legal.
Como eu havia previsto, não consegui comer nada porque ela não calava a boca um segundo, e eu via chuviscos de baba espirrarem no meu prato. Nada mais nojento.
- Bebê... Você não vai comer? - perguntou Brenda.
Comer peixe grelhado com molho de cuspe? Acho que não. Infelizmente, não foi isso que eu respondi pra ela.
- Não estou com fome.
- Ai, é por isso que o meu lindo tá tão magrelinho. - Magrelinho??????
- Come só um pouquinho, bebê! Olha o aviãozinho! - ela queria me dar a comida na boca, como se eu fosse uma criancinha.
Essa já foi demais.
- Não, Brenda. Tem dó, né? Nem minha vó fazia aviãozinho pra mim.
Ela riu, e abaixou a colher. Nem preciso falar no mico que eu estava pagando no meio do restaurante.
- Você é tão engraçadinho! - disse ela, em seguida tomando um copo de suco inteiro em um único gole.
- Engraçadinho, magrelinho, pãozinho. São os adjetivos que eu sempre sonhei em receber. - falei, irônico. E então percebi que foi um grande erro fazer uma piadinha quando ela estava com a boca cheia.
Sim, acredite ou não, ela riu com a boca cheia. O resultado foi que eu tomei um maravilhoso banho de suco + baba.
- Ops. Foi mal! - disse ela, ainda rindo nervosamente.
Juro que foi a coisa mais nojenta da minha vida.
- É melhor eu ir ao banheiro. - falei, observando a mancha de baba na minha camisa. "Controle-se, Bernardo, não perca a cabeça. Esse jantar das trevas já está quase acabando." , falei pra mim mesmo.
Fui até o banheiro morrendo de nojo daquela menina, mas ao mesmo tempo aliviado em sair de perto dela.
- Eca. - foi o que eu falei ao me observar no espelho. Eu iria passar um dia inteiro me desinfetando daquilo. Minha camisa já era. Depois de alguns minutos tentando me livrar daquela mistura nojenta, resolvi que iria voltar lá e pedir a conta, me despedir a longa distância daquela fã maluca e vazar. Já chega dessa palhaçada.
Infelizmente, quando uma situação está ruim, ela tende a ficar pior ainda. Coitado de mim. Falo isso porque quando eu ia sair do banheiro, adivinha só quem entrou?
- Manchou muito a sua roupa, Bernardinho?
- Brenda, isso é um banheiro masculino.
- Quem disse? - disse ela, com um sorrisinho.
- A placa. Caso não saiba, os bonequinhos azuis sem saia significam que o banheiro é masculino.
- Ahã. - com o mesmo sorrisinho, ela fechou a porta do banheiro. E então eu vi refletir em sua mão uma chave. Para a minha completa surpresa, ela trancou a porta do banheiro!
- Agora somos só eu e você no banheiro, gatinho. - Caramba. Agora lascou.
Capítulo 14
Bernardo Oliveira
- Brenda, abre essa porta. - falei, começando a perder minha preciosa paciência.
- Nada disso, benzinho. Eu sei muito bem que nossa noite dos sonhos já está acabando, e daqui a pouco você vai embora. E eu não vou ser uma pessoa feliz se você sair daqui sem me dar um beijo.
- Acho que aquela lesma que você comeu no jantar fez mal pra sua cabeça. Eu tenho namorada, e você sabe muito bem disso.
- Ela não vai nem ficar sabendo. Além disso, todo homem que se preze tem que trair a namorada pelo menos uma vez na vida.
- Brenda, abre essa porta que eu vou embora daqui agora.
- Bebê... Só um selinho. Só um selinho e eu deixo você ir embora.
Eca. Beijar um canhão daqueles era uma ideia assustadora.
- POR FAVOR, POR FAVOR, POR FAVOR POR FAVOOOOOOOOOOOR!!!! - implorou ela, entrando em mais uma de suas crises histéricas. Eu mereço.
- Se eu te der um selinho... Você me deixa ir embora?
- Deixo, Bernardinho, o nosso jantar acaba e todo mundo volta pra casa feliz.
- Argh. Tá, que seja. - não acreditei que estava concordando em beijar aquele tremendo canhão.
- AHHHHHH! ESSE É O DIA MAIS FELIZ DA MINHA VIDA, EU VOU CONTAR PRA TODAS AS MINHAS AMIGAS E ELAS VÃO MORRER DE INVEJA! - e eu não vou contar pros meus amigos, se não minha reputação vai pro buraco.
Ela fez um biquinho e fechou os olhos, e eu olhei pra aquela cena, duvidando se eu teria mesmo coragem de beijar aquilo... quer dizer, ela. Blergh. Isso sem falar que a Cristiana poderia ficar muito chateada comigo.
Mas eu não tinha escolha. Se eu beijasse aquela menina, poderia ir embora e aquele jantar insuportável acabaria. Tomei coragem, e beijei Brenda. Apenas um pensamento veio na minha cabeça: ECAAAAAA! DEPOIS DESSA, APOSTO QUE PEGUEI GENGIVITE, CÁRIE, HERPES, MENINGITE, ATÉ ESCORBUTO!
Tudo bem, eu posso ter exagerado um pouco, mas é que foi realmente nojento. Prometi a mim mesmo que ia passar a noite inteira escovando os dentes pra tirar aquele gosto de Brenda da minha boca, porque sinceramente, foi o pior beijo da minha vida.
Eu não entendi porque Brenda ficou tão feliz com o nosso jantar, que foi a maior furada do início ao fim. Ela abriu a porta, conforme prometera, e fui pra casa, ou melhor, pro hotel onde eu estava hospedado, comemorando por aquilo ter acabado. No dia seguinte, quando eu e a banda estávamos viajando para outra cidade, o Renato ainda fez o favor de comentar:
- Nossa Bernardo, o jantar foi o máximo, hein? A Brenda me disse que foi a melhor noite da vida dela.
- Olha, Renato, eu só vou te dizer uma coisa: NUNCA MAIS MESMO INVENTE OUTRA MALUQUICE COMO ESSA, ENTENDEU?
- Ah, só porque eu estava pensando em fazer outro sorteio no show de hoje...
- Só se o sorteado for você, porque eu estou fora.
- Nossa, tá bom, Bernardo, eu só tava brincando. - ele riu, e aposto que ele fazia ideia do que eu havia passado com aquela louca.
Faziam alguns dias que eu estava na turnê, mas eles pareciam demorar séculos. Provavelmente por que eu estava morrendo de saudades da Cristiana. Eu havia ligado para ela algumas vezes, e ela também havia me telefonado. Mas por mais que ela dissesse que estava tudo bem com ela, e por mais que eu dissesse que a turnê etava sendo ótima, isso não era o suficiente.
Da mesma forma que ela não sabia do meu jantar com a Brenda, eu também não sabia de várias coisas que poderiam estar acontecendo na vida dela. A coisa boa disso é que eu confiava nela e sabia que ela também confiava em mim, e talvez essa distância servisse para aumentar essa confiança. Mas mesmo assim, eu não gostava nem um pouco dessa distância, e estava ansioso pra ela acabar.
- Brenda, abre essa porta. - falei, começando a perder minha preciosa paciência.
- Nada disso, benzinho. Eu sei muito bem que nossa noite dos sonhos já está acabando, e daqui a pouco você vai embora. E eu não vou ser uma pessoa feliz se você sair daqui sem me dar um beijo.
- Acho que aquela lesma que você comeu no jantar fez mal pra sua cabeça. Eu tenho namorada, e você sabe muito bem disso.
- Ela não vai nem ficar sabendo. Além disso, todo homem que se preze tem que trair a namorada pelo menos uma vez na vida.
- Brenda, abre essa porta que eu vou embora daqui agora.
- Bebê... Só um selinho. Só um selinho e eu deixo você ir embora.
Eca. Beijar um canhão daqueles era uma ideia assustadora.
- POR FAVOR, POR FAVOR, POR FAVOR POR FAVOOOOOOOOOOOR!!!! - implorou ela, entrando em mais uma de suas crises histéricas. Eu mereço.
- Se eu te der um selinho... Você me deixa ir embora?
- Deixo, Bernardinho, o nosso jantar acaba e todo mundo volta pra casa feliz.
- Argh. Tá, que seja. - não acreditei que estava concordando em beijar aquele tremendo canhão.
- AHHHHHH! ESSE É O DIA MAIS FELIZ DA MINHA VIDA, EU VOU CONTAR PRA TODAS AS MINHAS AMIGAS E ELAS VÃO MORRER DE INVEJA! - e eu não vou contar pros meus amigos, se não minha reputação vai pro buraco.
Ela fez um biquinho e fechou os olhos, e eu olhei pra aquela cena, duvidando se eu teria mesmo coragem de beijar aquilo... quer dizer, ela. Blergh. Isso sem falar que a Cristiana poderia ficar muito chateada comigo.
Mas eu não tinha escolha. Se eu beijasse aquela menina, poderia ir embora e aquele jantar insuportável acabaria. Tomei coragem, e beijei Brenda. Apenas um pensamento veio na minha cabeça: ECAAAAAA! DEPOIS DESSA, APOSTO QUE PEGUEI GENGIVITE, CÁRIE, HERPES, MENINGITE, ATÉ ESCORBUTO!
Tudo bem, eu posso ter exagerado um pouco, mas é que foi realmente nojento. Prometi a mim mesmo que ia passar a noite inteira escovando os dentes pra tirar aquele gosto de Brenda da minha boca, porque sinceramente, foi o pior beijo da minha vida.
Eu não entendi porque Brenda ficou tão feliz com o nosso jantar, que foi a maior furada do início ao fim. Ela abriu a porta, conforme prometera, e fui pra casa, ou melhor, pro hotel onde eu estava hospedado, comemorando por aquilo ter acabado. No dia seguinte, quando eu e a banda estávamos viajando para outra cidade, o Renato ainda fez o favor de comentar:
- Nossa Bernardo, o jantar foi o máximo, hein? A Brenda me disse que foi a melhor noite da vida dela.
- Olha, Renato, eu só vou te dizer uma coisa: NUNCA MAIS MESMO INVENTE OUTRA MALUQUICE COMO ESSA, ENTENDEU?
- Ah, só porque eu estava pensando em fazer outro sorteio no show de hoje...
- Só se o sorteado for você, porque eu estou fora.
- Nossa, tá bom, Bernardo, eu só tava brincando. - ele riu, e aposto que ele fazia ideia do que eu havia passado com aquela louca.
Faziam alguns dias que eu estava na turnê, mas eles pareciam demorar séculos. Provavelmente por que eu estava morrendo de saudades da Cristiana. Eu havia ligado para ela algumas vezes, e ela também havia me telefonado. Mas por mais que ela dissesse que estava tudo bem com ela, e por mais que eu dissesse que a turnê etava sendo ótima, isso não era o suficiente.
Da mesma forma que ela não sabia do meu jantar com a Brenda, eu também não sabia de várias coisas que poderiam estar acontecendo na vida dela. A coisa boa disso é que eu confiava nela e sabia que ela também confiava em mim, e talvez essa distância servisse para aumentar essa confiança. Mas mesmo assim, eu não gostava nem um pouco dessa distância, e estava ansioso pra ela acabar.
Capítulo 15
Cristiana Araújo
Era mais um dia de treino no Rocket, e eu e Fellipe estávamos aprendendo a coreografia. Faltava pouco para o tão esperado Campeonato Brasileiro de Patinação, onde, provavelmente, todos os nossos esforços seriam compensados. Sim, essa era a minha expectativa, ganhar o campeonato, e também a expectativa de Fellipe. Sempre imaginei que para algum atleta como ele, ganhar mais um campeonato, entre tantos que já havia ganho, não fazia tanta diferença assim. Mas Fellipe levava muito a sério. Apesar de meio doidinho da cabeça, era impossível negar que ele era um garoto determinado. E essa era uma de suas maiores qualidades.
- Cris... - disse ele quanto o treino terminou - você pode me ajudar com o dever de matemática? Eu não entendi bulhufas do que o professor explicou ontem.
- Claro, te ajudo numa boa. - respondi.
- Obrigada, Cris! Já trouxe todo o material, e tudo mais, professorinha.
- Tá bom, tá bom. Vamos estudar aqui no Rocket, mesmo?
- Não, aqui não. Muito barulho.
- Então onde você quer estudar?
- Na biblioteca da escola. - ele respondeu prontamente.
- Tudo bem, então.
- E aí, Cris, aceita uma carona até lá?
- NEM MORTA!
Estava claro que na verdade, ele só estava zoando da minha cara. Só podia ser. Com aquela carinha falsamente inocente, ele perguntou:
- Credo, Cris, por que tanta grosseria? Eu só estava tentando ser gentil.
- E foi "tentando ser gentil" que você me obrigou a empurrar seu carro da última vez que eu aceitei sua "gentileza". Pode deixar que eu vou pra escola do meu jeito.
- Do seu jeito. Só se for de carroça.
- Pois eu prefiro mil vezes ir pra escola montada em um jumento do que pegar carona com você! Mas ainda bem que existe transporte público.
- Credo, Cris, Deus que me livre de você. Não dá pra esquecer aquela história não? - até quando ele parecia falar alguma coisa séria, as palavras saíam em tom de brincadeira. Resolvi ignorar.
- Tudo bem, Fellipe, você tem razão. Vou esquecer essa história. Mas também você pode esquecer de me oferecer carona, combinado?
- OK. Que seja. Então vai pegar o seu busão que eu vou pra escola com meu conversível turbinado. Bye bye. - Ninguém merece, essa criatura se acha a última coca-cola do deserto.
Quando cheguei, ele já estava na biblioteca, me esperando. Antes de me sentar com ele, fui até a seção de livros didáticos, escolhi alguns, e depois coloquei a pilha de livros sobre a mesa.
- Uau. - disse Fellipe. - Pelo visto, você está bem inspirada para me ensinar matemática.
- Se é pra estudar, vamos estudar direito. A matéria que o professor explicou ontem é um pouquinho complicada, por isso você deve prestar atenção, tudo bem?
- É você quem manda.
Comecei a explicar, fiz os exercícios, exemplifiquei, ensinei a matéria bem direitinho. Fellipe não tirava os ohos de mim enqunto eu explicava, sinal que ele devia estar prestando atenção. Assim que terminei, fiz a esperada pergunta:
- E então, Fellipe, conseguiu entender?
- Bem, dependendo do ponto de vista, sim... Prestei bastante atenção.
- Ué, como assim, "dependendo do ponto de vista"?
- Bem, eu prestei bastante atenção em você. No jeito que você falou, na sua expressão concentrada enquanto calculava, nos seus olhinhos azuis brilhando... Só não ouvi uma palavra do que você disse. - Era só o que me faltava mesmo.
- Quer dizer que eu fiquei esse tempo todo te explicando e você nem ao menos ouviu o que eu disse???
- É, Cris. Difícil prestar atenção nos números quando você está do meu lado.
- Então acho que você escolheu a professora errada. Vou guardar esses livros. - Me levantei da mesa e entrei no labirinto de estantes, frustrada. O pior é que Fellipe resolveu ir atrás de mim. Eu estava guardando os livros na prateleira, na estante do fundo.
- Você não ficou chateada comigo, né, Cris?
- Não, imagina. Eu só fiquei o maior tempão explicando a matéria na maior boa vontade, e você nem se interessou em aprender.
Fellipe respirou fundo, como se estivesse tomando coragem para dizer alguma coisa. E quando eu olhei pra ele, vi pela primeira vez uma expressão séria em seu rosto.
- Na verdade, Cristiana, eu sei aquela matéria de cor.
- Peraí. Se você sabe a matéria, por que raios pediu pra eu te ensinar?
- Foi só uma desculpa pra eu passar mais tempo com você.
Eu franzi as sobrancelhas, sem entender direito.
- Mas nós passamos praticamente o dia todo juntos. Estamos estudando na mesma sala, treinando patinação juntos todos os dias... Por que você mentiria sobre não saber a matéria? Qual o seu problema, Fellipe?
- Meu problema, Cristiana... é você! - disse ele, enquanto se aproximava de mim. E quando percebi o que ele estava fazendo, era tarde demais.
Ele pegou o meu rosto e me beijou, enquanto eu estava completamente chocada. O modo como ele me beijou, tão intenso, tão apaixonado, me deixou com medo. Eu não sabia o que fazer, e estava tão surpresa e chocada, que na hora, não tive nenhuma reação. Nenhuma. Apenas esperei que o beijo acabasse, e que ele me soltasse. Mas então, finalmente o choque inicial passou, e eu me dei conta do eu que estava fazendo. Do que ele estava fazendo. E do que aquilo significava. E então ao perceber isso, fiquei com raiva. E quase inconsientemente, dei um tapa na cara dele. Um sonoro tapa. E só depois que eu vi o olhar de Fellipe. Os olhos cor de esmeralda dele mostravam ódio, de um jeito que eu nunca tinha visto antes. Mas foi por pouco tempo, porque rapidamente, ele recompôs a expressão. E voltou com aquele sorrisinho que eu já conhecia bem.
- Não adianta dar uma de difícil, Cristiana. Eu sei que você adorou. Pode até dizer que não, mas não pode mentir para si mesma. Você adorou me beijar.
Estava tão revoltada com aquele atrevimento que nem soube o que responder. E aquele também não era o lugar onde eu lhe diria umas boas verdades. Saí da biblioteca, ainda sem acreditar no que estava acontecendo. Fellipe me seguiu, e eu resolvi que iria conversar com ele no escondidinho. Fellipe precisava se tocar do que havia feito.
Subi as escadas do escondidinho, e foi o próprio Fellipe que trancou a porta.
- Adorei o lugar que você escolheu para a gente conversar. Vamos precisar de privacidade. - ele continuava falando com aquele sorrisinho detestável.
- Que foi, Cris? - continuou ele. - Gostou tanto do beijo que está a fim de me dar uns amassos aqui no escondidinho? - com esse comentário ridículo, ele me deixou mais furiosa ainda.
- Se você chegar perto de mim, dessa vez você não vai levar só um tapa. Vai levar um soco, entendeu?
- Ui. Que meda. Garota perigosa, hein? - Ódio. Agora era ódio o que eu sentia.
Respirei fundo para conseguir falar.
- Vê se te enxerga, garoto. O único motivo pelo qual eu te trouxe aqui foi por que achei que você precisava saber de umas verdades.
- Pode falar á vontade.
- A primeira coisa que você precisa saber é que a sua atitude foi ridícula e desprezível, Fellipe. Que tipo de garota você acha que eu sou? Pensei que fosse meu amigo, imaginei que você tivesse pelo menos um mínimo de respeito por mim. Você sabe que eu tenho namorado, e eu AMO o Bernardo. Eu amo o Bernardo e não vou nunca deixar que você estrague meu namoro com ele, entendeu?
Fellipe não estava mais sorrindo. Estava sério, magoado, talvez com raiva. E dessa vez eu vi muito bem que seus sentimentos não eram superficiais.
- Cris, eu sei que você está chateada. Mas você precisa ouvir o que eu tenho pra te falar. Eu não te beijei querendo deixar você mal, Cris. Não tive nenhuma má intenção, eu juro. Eu agi por impulso, um impulso mais forte que eu. A verdade é que eu sou apaixonado por você desde a primeira vez que olhei nos seus olhos. E não há como controlar isso, por mais que eu tente. Eu tentei disfarçar, tentei esconder isso de você, do seu namorado, até de mim mesmo. Mas agora, Cris, eu não consigo mais mentir pra mim mesmo. É um sentimento muito forte, muito intenso. Você é um vício, minha mais nova necessidade. Eu preciso ter você, e eu fazer o que for preciso pra isso.
Eu estava completamente chocada com o que ouvia, e olhando no fundo daqueles olhos verdes, não pude encontrar mentira nenhuma. Ele estava sendo sincero, eu sabia disso. Mas não importava se ele estava sendo sincero ou não, o que importava era que não havia a mínima possibilidade de ele conseguir o que queria. Era muito difícil acreditar que o que ele estava falando era mesmo verdade, porque eu nunca havia percebido, eu nem sequer imaginava que Fellipe poderia sentir alguma coisa por mim. Eu fiquei tão surpresa com o que ele disse, e com o jeito sincero como ele disse, que a raiva que eu sentia antes se dissipou completamente.
- Por quê, Fellipe? Por que logo eu? Você sabe que não tem a menor chance de ficar comigo. Eu tenho namorado, Fellipe, e amo o meu namorado. Nada do que você fizer vai mudar isso. Olha, você é um garoto muito legal, e um ótimo amigo, não quero que você fique sofrendo por isso. Eu tenho certeza que um dia você vai encontrar a garota certa pra você, mas essa garota não sou eu.
Nada do que eu falei foi suficiente para que ele se sentisse melhor.
- Cristiana, será que você não entendeu o que acabei de te falar? Eu amo você, e não consigo controlar isso.
- Não, Fellipe, você não me ama. Talvez você seja até apaixonado por mim, mas é só uma paixão. Vai passar, vai passar rápido.
Ele bufou.
- Tá, Cris, que seja. Você não vai entender mesmo. Podemos continuar sendo amigos, então. Melhor ter sua amizade que nada, fazer o quê.
- Tudo bem então. Só amizade, tá? Não se empolgue.
Ele riu. E de novo era o Fellipe brincalhão e despreocupado que eu conhecia. E desaforado, também.
- Vamos ser só amigos, mas eu já vou avisando: todas minhas amigas acabaram se apaixonando por mim.
- Não corro esse risco - respondi, rindo.
- Sei. Todas falam o mesmo, até descobrirem o quanto eu sou irresistível.
- E modesto. Escuta aqui, senhor irresistível, o Bernardo vai ficar sabendo disso. Eu odeio esconder as coisas dele.
- Pirou, Cris? Vai contar pro seu namorado que beijou outro cara?
- Eu não beijei você coisa nenhuma. Foi você que me beijou.
- Tá, tanto faz, Cris, o que importa é que você não pode contar pra ele! Sério mesmo, você conhece o Bernardo, se ele souber disso, vai armar o maior barraco, nunca mais vai deixar você ficar perto de mim. E aposto que ele não vai nem deixar a gente treinar patinação juntos.
Sim, era provável que o Bernardo fizesse isso. Mas ele confiava em mim e eu não queria esconder isso dele.
- Mas Fellipe...
- Cris, se você contar, ele vai estragar nosso campeonato de patinação. Por favor, não faça isso. Eu juro que esse assunto acaba aqui, nem ele nem ninguém vai ficar sabendo do que aconteceu hoje. Por favor.
- Ah, não sei. - E agora? Conto ou não?
- Você sabe que é a maior besteira contar pra ele.
- Vou pensar no seu caso.
- E pensa direito pra não fazer burrice.
- Tá bom, agora eu vou pra minha casa. Esse dia foi cheio demais.
- Tchau. Amigos? - ele estendeu a mão.
- Amigos. - eu apertei a mão dele e fui embora, um pouco indecisa com o dilema: O Bernardo deve ou não saber que o Fellipe me beijou?
Era mais um dia de treino no Rocket, e eu e Fellipe estávamos aprendendo a coreografia. Faltava pouco para o tão esperado Campeonato Brasileiro de Patinação, onde, provavelmente, todos os nossos esforços seriam compensados. Sim, essa era a minha expectativa, ganhar o campeonato, e também a expectativa de Fellipe. Sempre imaginei que para algum atleta como ele, ganhar mais um campeonato, entre tantos que já havia ganho, não fazia tanta diferença assim. Mas Fellipe levava muito a sério. Apesar de meio doidinho da cabeça, era impossível negar que ele era um garoto determinado. E essa era uma de suas maiores qualidades.
- Cris... - disse ele quanto o treino terminou - você pode me ajudar com o dever de matemática? Eu não entendi bulhufas do que o professor explicou ontem.
- Claro, te ajudo numa boa. - respondi.
- Obrigada, Cris! Já trouxe todo o material, e tudo mais, professorinha.
- Tá bom, tá bom. Vamos estudar aqui no Rocket, mesmo?
- Não, aqui não. Muito barulho.
- Então onde você quer estudar?
- Na biblioteca da escola. - ele respondeu prontamente.
- Tudo bem, então.
- E aí, Cris, aceita uma carona até lá?
- NEM MORTA!
Estava claro que na verdade, ele só estava zoando da minha cara. Só podia ser. Com aquela carinha falsamente inocente, ele perguntou:
- Credo, Cris, por que tanta grosseria? Eu só estava tentando ser gentil.
- E foi "tentando ser gentil" que você me obrigou a empurrar seu carro da última vez que eu aceitei sua "gentileza". Pode deixar que eu vou pra escola do meu jeito.
- Do seu jeito. Só se for de carroça.
- Pois eu prefiro mil vezes ir pra escola montada em um jumento do que pegar carona com você! Mas ainda bem que existe transporte público.
- Credo, Cris, Deus que me livre de você. Não dá pra esquecer aquela história não? - até quando ele parecia falar alguma coisa séria, as palavras saíam em tom de brincadeira. Resolvi ignorar.
- Tudo bem, Fellipe, você tem razão. Vou esquecer essa história. Mas também você pode esquecer de me oferecer carona, combinado?
- OK. Que seja. Então vai pegar o seu busão que eu vou pra escola com meu conversível turbinado. Bye bye. - Ninguém merece, essa criatura se acha a última coca-cola do deserto.
Quando cheguei, ele já estava na biblioteca, me esperando. Antes de me sentar com ele, fui até a seção de livros didáticos, escolhi alguns, e depois coloquei a pilha de livros sobre a mesa.
- Uau. - disse Fellipe. - Pelo visto, você está bem inspirada para me ensinar matemática.
- Se é pra estudar, vamos estudar direito. A matéria que o professor explicou ontem é um pouquinho complicada, por isso você deve prestar atenção, tudo bem?
- É você quem manda.
Comecei a explicar, fiz os exercícios, exemplifiquei, ensinei a matéria bem direitinho. Fellipe não tirava os ohos de mim enqunto eu explicava, sinal que ele devia estar prestando atenção. Assim que terminei, fiz a esperada pergunta:
- E então, Fellipe, conseguiu entender?
- Bem, dependendo do ponto de vista, sim... Prestei bastante atenção.
- Ué, como assim, "dependendo do ponto de vista"?
- Bem, eu prestei bastante atenção em você. No jeito que você falou, na sua expressão concentrada enquanto calculava, nos seus olhinhos azuis brilhando... Só não ouvi uma palavra do que você disse. - Era só o que me faltava mesmo.
- Quer dizer que eu fiquei esse tempo todo te explicando e você nem ao menos ouviu o que eu disse???
- É, Cris. Difícil prestar atenção nos números quando você está do meu lado.
- Então acho que você escolheu a professora errada. Vou guardar esses livros. - Me levantei da mesa e entrei no labirinto de estantes, frustrada. O pior é que Fellipe resolveu ir atrás de mim. Eu estava guardando os livros na prateleira, na estante do fundo.
- Você não ficou chateada comigo, né, Cris?
- Não, imagina. Eu só fiquei o maior tempão explicando a matéria na maior boa vontade, e você nem se interessou em aprender.
Fellipe respirou fundo, como se estivesse tomando coragem para dizer alguma coisa. E quando eu olhei pra ele, vi pela primeira vez uma expressão séria em seu rosto.
- Na verdade, Cristiana, eu sei aquela matéria de cor.
- Peraí. Se você sabe a matéria, por que raios pediu pra eu te ensinar?
- Foi só uma desculpa pra eu passar mais tempo com você.
Eu franzi as sobrancelhas, sem entender direito.
- Mas nós passamos praticamente o dia todo juntos. Estamos estudando na mesma sala, treinando patinação juntos todos os dias... Por que você mentiria sobre não saber a matéria? Qual o seu problema, Fellipe?
- Meu problema, Cristiana... é você! - disse ele, enquanto se aproximava de mim. E quando percebi o que ele estava fazendo, era tarde demais.
Ele pegou o meu rosto e me beijou, enquanto eu estava completamente chocada. O modo como ele me beijou, tão intenso, tão apaixonado, me deixou com medo. Eu não sabia o que fazer, e estava tão surpresa e chocada, que na hora, não tive nenhuma reação. Nenhuma. Apenas esperei que o beijo acabasse, e que ele me soltasse. Mas então, finalmente o choque inicial passou, e eu me dei conta do eu que estava fazendo. Do que ele estava fazendo. E do que aquilo significava. E então ao perceber isso, fiquei com raiva. E quase inconsientemente, dei um tapa na cara dele. Um sonoro tapa. E só depois que eu vi o olhar de Fellipe. Os olhos cor de esmeralda dele mostravam ódio, de um jeito que eu nunca tinha visto antes. Mas foi por pouco tempo, porque rapidamente, ele recompôs a expressão. E voltou com aquele sorrisinho que eu já conhecia bem.
- Não adianta dar uma de difícil, Cristiana. Eu sei que você adorou. Pode até dizer que não, mas não pode mentir para si mesma. Você adorou me beijar.
Estava tão revoltada com aquele atrevimento que nem soube o que responder. E aquele também não era o lugar onde eu lhe diria umas boas verdades. Saí da biblioteca, ainda sem acreditar no que estava acontecendo. Fellipe me seguiu, e eu resolvi que iria conversar com ele no escondidinho. Fellipe precisava se tocar do que havia feito.
Subi as escadas do escondidinho, e foi o próprio Fellipe que trancou a porta.
- Adorei o lugar que você escolheu para a gente conversar. Vamos precisar de privacidade. - ele continuava falando com aquele sorrisinho detestável.
- Que foi, Cris? - continuou ele. - Gostou tanto do beijo que está a fim de me dar uns amassos aqui no escondidinho? - com esse comentário ridículo, ele me deixou mais furiosa ainda.
- Se você chegar perto de mim, dessa vez você não vai levar só um tapa. Vai levar um soco, entendeu?
- Ui. Que meda. Garota perigosa, hein? - Ódio. Agora era ódio o que eu sentia.
Respirei fundo para conseguir falar.
- Vê se te enxerga, garoto. O único motivo pelo qual eu te trouxe aqui foi por que achei que você precisava saber de umas verdades.
- Pode falar á vontade.
- A primeira coisa que você precisa saber é que a sua atitude foi ridícula e desprezível, Fellipe. Que tipo de garota você acha que eu sou? Pensei que fosse meu amigo, imaginei que você tivesse pelo menos um mínimo de respeito por mim. Você sabe que eu tenho namorado, e eu AMO o Bernardo. Eu amo o Bernardo e não vou nunca deixar que você estrague meu namoro com ele, entendeu?
Fellipe não estava mais sorrindo. Estava sério, magoado, talvez com raiva. E dessa vez eu vi muito bem que seus sentimentos não eram superficiais.
- Cris, eu sei que você está chateada. Mas você precisa ouvir o que eu tenho pra te falar. Eu não te beijei querendo deixar você mal, Cris. Não tive nenhuma má intenção, eu juro. Eu agi por impulso, um impulso mais forte que eu. A verdade é que eu sou apaixonado por você desde a primeira vez que olhei nos seus olhos. E não há como controlar isso, por mais que eu tente. Eu tentei disfarçar, tentei esconder isso de você, do seu namorado, até de mim mesmo. Mas agora, Cris, eu não consigo mais mentir pra mim mesmo. É um sentimento muito forte, muito intenso. Você é um vício, minha mais nova necessidade. Eu preciso ter você, e eu fazer o que for preciso pra isso.
Eu estava completamente chocada com o que ouvia, e olhando no fundo daqueles olhos verdes, não pude encontrar mentira nenhuma. Ele estava sendo sincero, eu sabia disso. Mas não importava se ele estava sendo sincero ou não, o que importava era que não havia a mínima possibilidade de ele conseguir o que queria. Era muito difícil acreditar que o que ele estava falando era mesmo verdade, porque eu nunca havia percebido, eu nem sequer imaginava que Fellipe poderia sentir alguma coisa por mim. Eu fiquei tão surpresa com o que ele disse, e com o jeito sincero como ele disse, que a raiva que eu sentia antes se dissipou completamente.
- Por quê, Fellipe? Por que logo eu? Você sabe que não tem a menor chance de ficar comigo. Eu tenho namorado, Fellipe, e amo o meu namorado. Nada do que você fizer vai mudar isso. Olha, você é um garoto muito legal, e um ótimo amigo, não quero que você fique sofrendo por isso. Eu tenho certeza que um dia você vai encontrar a garota certa pra você, mas essa garota não sou eu.
Nada do que eu falei foi suficiente para que ele se sentisse melhor.
- Cristiana, será que você não entendeu o que acabei de te falar? Eu amo você, e não consigo controlar isso.
- Não, Fellipe, você não me ama. Talvez você seja até apaixonado por mim, mas é só uma paixão. Vai passar, vai passar rápido.
Ele bufou.
- Tá, Cris, que seja. Você não vai entender mesmo. Podemos continuar sendo amigos, então. Melhor ter sua amizade que nada, fazer o quê.
- Tudo bem então. Só amizade, tá? Não se empolgue.
Ele riu. E de novo era o Fellipe brincalhão e despreocupado que eu conhecia. E desaforado, também.
- Vamos ser só amigos, mas eu já vou avisando: todas minhas amigas acabaram se apaixonando por mim.
- Não corro esse risco - respondi, rindo.
- Sei. Todas falam o mesmo, até descobrirem o quanto eu sou irresistível.
- E modesto. Escuta aqui, senhor irresistível, o Bernardo vai ficar sabendo disso. Eu odeio esconder as coisas dele.
- Pirou, Cris? Vai contar pro seu namorado que beijou outro cara?
- Eu não beijei você coisa nenhuma. Foi você que me beijou.
- Tá, tanto faz, Cris, o que importa é que você não pode contar pra ele! Sério mesmo, você conhece o Bernardo, se ele souber disso, vai armar o maior barraco, nunca mais vai deixar você ficar perto de mim. E aposto que ele não vai nem deixar a gente treinar patinação juntos.
Sim, era provável que o Bernardo fizesse isso. Mas ele confiava em mim e eu não queria esconder isso dele.
- Mas Fellipe...
- Cris, se você contar, ele vai estragar nosso campeonato de patinação. Por favor, não faça isso. Eu juro que esse assunto acaba aqui, nem ele nem ninguém vai ficar sabendo do que aconteceu hoje. Por favor.
- Ah, não sei. - E agora? Conto ou não?
- Você sabe que é a maior besteira contar pra ele.
- Vou pensar no seu caso.
- E pensa direito pra não fazer burrice.
- Tá bom, agora eu vou pra minha casa. Esse dia foi cheio demais.
- Tchau. Amigos? - ele estendeu a mão.
- Amigos. - eu apertei a mão dele e fui embora, um pouco indecisa com o dilema: O Bernardo deve ou não saber que o Fellipe me beijou?
Capítulo 16
Bernardo Oliveira
Depois de sete dias fazendo shows com a banda em várias cidades diferentes, era hora de voltar pra casa. A turnê havia sido o máximo, o maior sucesso. Agora, tinha certeza absoluta que seria músico. Sério mesmo, nenhuma outra profissão no mundo me deixava tão animado, tão feliz. Sem dúvida, era exatamente isso o que eu queria pra mim. A viagem foi tudo de bom, mas mesmo assim, eu estava ansioso para voltar. Eu sabia bem o porquê. Não estava sentindo a mínima falta da escola, daqueles professores e também não estava com tanta saudade da minha família. A Cristiana era, basicamente, o motivo de eu estar ansioso para voltar.
Quando vi o carro se aproximando da minha casa, fiquei mais ansioso ainda.
- De volta ao lar, Bernardo! - disse Renato, do banco da frente. - Eu posso conversar com seus pais?
- Pode, pode. Você vai na frente que eu vou depois.
- Como assim, não vai pra casa?
- Vou, claro. Mas antes vou passar na casa da Cristiana, óbvio.
Desci do carro, sem me preocupar em pegar mala nenhuma. Passei pela piscina e nem foi preciso entrar na casa da Cristiana, porque ela estava me esperando na porta! Ela deu aquele sorriso lindo quando meu viu, e caramba, era muito bom estar de volta.
- Bernardo! - disse ela, e não teve tempo de dizer mais nada, porque eu envolvi a cintura dela e dei um beijo que valeu pelos sete dias que eu fiquei sem beijá-la.
- Nossa, eu estava morrendo de saudades! - ela me abraçou.
- Eu também, princesa. Você não tem a menor noção de como eu senti a sua falta.
- Você não vai fazer isso de novo, né? Foi horrível passar uma semana inteira sem você! - disse ela.
- Não, claro que não. Da próxima vez, você vai comigo de qualquer jeito.
- Tá bom, então. Mas é aí, amor? Me conta, como é que foi a turnê?
Bem nessa hora, minha mãe chegou, me gritando. Saco.
- Bernardo, meu filho! Que saudade!!!!!
- Oi, mãe. - Ela me abraçou, propositalmente fazendo eu me virar de costas para a Cris.
- Vamos pra casa, filho, a Nancy fez um lanche especial pra você! - Minha mãe olhou atravessado para a minha namorada.
- Primeiro a família - completou ela - Depois você fala com a Cristiana.
- Ah, mãe... - reclamei.
- Vamos logo, seu pai também quer falar com você, a Clarinha está com saudade e... - ela pegou o meu braço e me puxou, sem parar de tagarelar.
- Cris, eu te encontro no Rocket, ás sete. - Cristiana assentiu e eu a beijei de novo, sem nem me importar com a cara emburrada da minha mãe ao observar a cena.
Em casa, minha mãe, meu pai e Clarinha me paparicavam. Queriam saber de tudo sobre a turnê, o que eu havia achado da experiência, se o Renato havia me feito trabalhar demais, enfim. Expliquei pra todo mundo que foi uma ótima turnê, que tudo saiu perfeito, etc e tal. Estavam todos tranquilos, até que eu inocentemente comentei:
- Caramba, depois dessa, eu tenho certeza absoluta que quero mesmo ser músico.
A cara de desânimo da minha minha mãe e do meu pai me surpreendeu.
- Poxa. Lindo o apoio paternal de vocês. Valeu mesmo. - ironizei.
Meu pai respirou fundo.
- Bernardo, não é que nós não apoiemos sua carreira, mas é que... você sabe, vida de músico é complicada, e eu sempre quis que você fizesse engenharia civil na faculdade, ter alguma estabilidade financeira...
- Ah, pai, sem essa. Eu quero fazer o que eu gosto, algum problema nisso? Ainda mais agora, que o Renato tá investindo pra caramba em mim. E eu ganhei a maior grana nessa turnê, você não tem noção.
- Tá, tudo bem, filho. Você tem que fazer o que gosta, mas se vai escolher uma profissão como essa, vai assumir riscos. Carreira de músico é cheia altos e baixos, você vai ter que se sustentar com isso. - minha mãe disse.
- Isso não é problema, tá tudo certo.
- Tudo bem, se é isso que você quer, nós vamos te apoiar.
- Valeu, era isso o que eu queria ouvir!
- Mas, filho, só não deixe de estudar... E pense com muito carinho em ir pra faculdade. - ela pediu.
- Beleza. Então dá licença que eu vou pro meu quarto. - subi as escadas, olhando meu relógio de pulso. Ainda faltava algum tempo para meu encontro com a Cris no Rocket. Depois de uma semana longe, tínhamos muito o que "conversar". E eu havia resolvido fazer uma surpresinha para a minha princesa, para comemorar que estávamos juntos de novo.
Capítulo 17
Bernardo Oliveira
- Olha só que ma-ra-vi-lho-so esse vestido preto. Tenho certeza que sua namorada vai adorar. - Opinou a mulher da loja de vestidos.
- Não, eu dei um vestido preto pra ela, da última vez.
- Vermelho? - a atendente mostrou outro vestido.
- Decotado demais.
- Rosa pink, a cor da moda?
- Não combina com o estilo dela, parece coisa de patricinha.
A mulher revirou os olhos, depois da décima primeira tentativa de me fazer gostar de um vestido, começando a perder a paciência. E eu estava pouco me importando com isso. Se era a melhor loja de vestidos de festa da cidade, como ela dizia, ela que tratasse de arranjar O VESTIDO digno de uma garota tão linda quanto a Cris.
- Marrom?
- Cor de burro-quando-foge.
- Laranja?
Eu ergui uma sobrancelha.
- Anhh... Não.
- Escuta aqui, garoto, se quer comprar um vestido pra tua namoradinha, por que não a trouxe aqui pra escolher? Sem ofensa, os homens têm um péssimo gosto pra moda.
- A única coisa em que eu não tive bom gosto foi em escolher essa loja, com atendentes chatinhas como você.
Ela respirou fundo, com uma cara de raiva hilária. Tão hilária que eu tive que rir.
- Foi mal. Brincadeirinha. - Me desculpei, antes que ela me atacasse. Lojas como essa não deveriam escolher para atendentes pessoas tão estressadinhas.
- Tem um vestido que eu ainda não te mostrei e ele é maravilhoso, quer você ache ou não. - disse ela, em tom mal-humorado.
- Tá, então me mostra, por favor, senhora atendente.
- Senhorita. - corrigiu ela, procurando pelo vestido.
- Pois não parece.
- Eu ouvi, isso, moleque!
- Maravilhoso o tratamento que vocês dão aos clientes nessa loja.
- Sinto muito, prezado cliente. - disse ela, em tom sínico. Ao encontrar o vestido, ela esqueceu que estava mal-humorada e se empolgou.
- Tcharam! Esse maravilhoso vestido azul claro parece ter saído de um encantador e cândido conto de fadas. - ela me mostrou o vestido, e finalmente havia achado o vestido perfeito para a Cristiana.
Antes que eu pudesse dizer que finalmente havia escolhido o vestido certo, ela continuou a descrevê-lo, empolgada:
- Esse maravilhoso modelito longo é feito de um tecido leve e esvoaçante, finamente decorado com minúsculas gotas de cristal durante toda a sua extensão, e...
- Tá bom, tá bom, eu vou levar esse. Eu adorei, ele é perfeito. Até que enfim você deu uma dentro, hein?
- Graças a Deus. - comemorou ela, e eu ri.
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Eu estava dirigindo em direção ao Rocket, local do encontro com a Cris. Mas obviamente, não era lá que nós iríamos jantar. Depois daquele jantar desastroso no restaurante chique com a Brenda, eu me toquei que nunca havia levado minha namorada para jantar fora, em um lugar lindo como aquele. E foi aí que eu resolvi fazer essa surpresa para a minha gata. Fiz uma reserva no restaurante mais badalado do Rio de Janeiro, esses restaurantes chiquérrimos onde a galera vai vestida de Black Tie, e comprei o sapato e o vestido para ela se sentir a princesa que ela é.
É claro que eu lembro muito bem que o único jantar assim a que ela já havia ido era aquele que minha mãe deu na minha casa, mas não preciso nem dizer que foi um saco e que ela não se divertiu nem um pouquinho. Agora seria diferente, só nós dois e nenhuma mulher de senador chata para atrapalhar.
Estacionei no Rocket, pensando em como eu e a Cris íamos trocar de roupa. eu ainda não estava de smoking, é claro, imagina o mico entrar no Rocket de smoking. Marcar de encontrar com ela no Rocket não havia sido uma boa ideia.
Desci do carro e entrei no Rocket. Por sorte, o lugar estava vazio. Não tinha quase ninguém, e a Zuleide lia uma revista no balcão com cara de entediada. Fui falar com a Cristiana, e adivinha a criatura que estava sentada ao lado dela?
- E aí, Bernardo, beleza? - falou o Fellipe, em um tom despreocupado.
- Uhum.
- Oi, amor! - disse Cris, e me beijou.
- Bem, vou nessa. Tchau. - despediu-se Fellipe.
- Gente, que maravilha. Esse menino está aprendendo a se tocar, finalmente.
- Er... O que vamos comer? - disse Cris, colocando o cardápio na frente do rosto.
- Não vamos comer aqui. - falei, e ela abaixou o cardápio.
- Não?
- Não, Cris. Depois de uma semana, finalmente estamos juntos. Isso merece uma comemoração melhor do que comer pizza na mesma lanchonete de sempre.
Ela sorriu, curiosa.
- O que você inventou desta vez, Bernardo?
- Vamos jantar em lugar muito maneiro, você vai adorar.
- Com "maneiro" você quer dizer aqueles restaurante mega chiques cheios de gente rica usando Black Tie?
- Você é tão esperta. - brinquei.
- Ai, Bernardo, não lembra da última vez que eu fui em um jantar desses, lá sua casa? E além disso, nada a ver você ficar gastando seu dinheiro com isso...
Eu sorri ao ouvir a resposta extremamente previsível da Cristiana. Antes de ela falar, eu já sabia o que ela responderia.
- Cris. Aquele jantar na minha casa não foi nada divertido pra você, eu sei. Mas resolvi levar você para jantar fora justamente para compensar aquela chatice total. Dessa vez, vai ser só nós dois, ninguém para atrapalhar, pra ficar vigiando, pra fazer comentários ridículos que nem aquela mulher do senador. Eu e você, vivendo um momento especial.
Ela sorriu.
- Bernardo, você é a melhor coisa que já me aconteceu, sabia?
- Claro. - eu ri e nós nos beijamos.
- E também é o cara mais modesto que eu conheço. - completou ela, rindo.
- Então tá, eu vou lá em casa rapidinho trocar de roupa, e...
- Negativo. - falei.
- Você não quer que eu vá assim, quer?
- Não, princesa. - eu a levei até o carro e dei a caixa de presente pra ela.
- Presentinho. - falei.
- Não acredito, Bernardo.
- Abre logo e me fala o que achou.
- Não precisava mesmo, amor. - ela tirou a fita da caixa e puxou a tampa.
- E aí? Que tal? - perguntei, enquanto ela olhava pro vestido impressionada, sem saber o que dizer.
- É o vestido mais lindo que eu já vi, Bernardo! - disse ela, e me beijou.
- Um vestido lindo para uma garota maravilhosa, nada mais justo. Agora vamos logo trocar de roupa. - eu peguei meu smoking.
- Tá bom. No banheiro do Rocket, né?
- A não ser que você queira trocar aqui dentro do carro. Eu fico olhando pra não deixar ninguém chegar perto.
Ela riu.
- Sei. Olhando até demais. Acho que não, hein? - ela saiu do carro.
- Vou ir lá trocar de roupa, então. Não vou demorar muito.
Eu também saí do carro e fui vestir meu smoking no banheiro do Rocket.
Capítulo 18
Cristiana Araújo
Olhei mais uma vez pra aquele vestido lindo, pensando em como eu era uma garota de sorte, por ter um namorado como o Bernardo. Simplesmente inacreditável em como um garoto poderia ser tão perfeito.
Entrei no banheiro, e tinha um espelho enorme, torneiras, e cinco cabines. Entrei em uma cabine, e depois ouvi o barulho de uma porta batendo. Alguém devia ter entrado no banheiro, mas eu achei estranho, porque o Rocket estava vazio.
- Quem está aí? - perguntei, esperando a menina se manifestar. Talvez eu a conhecesse.
- Deixei a porta da minha cabine entreaberta, para ver quem tinha chegado. Mas não tinha ninguém.
- Oi? - perguntei de novo, sem resposta. Não tinha ninguém além de mim no banheiro, imaginação minha. Era apenas uma porta batendo, por causa do vento. A cabine era muito apertada, e eu resolvi trocar de roupa do lado de fora da cabine. Mas para isso eu tranquei a porta do banheiro, é claro.
Eu estava de frente ao espelho, cantarolando com minha péssima voz minha música favorita. "Linda, tão lindaaaaa pra mim"
Eu podia estar destraída tirando a roupa e cantando ao mesmo tempo, mas eu percebi muito bem que a porta da última cabine se mexeu. Estava entreaberta e bateu.
- Tem alguém aí? - perguntei, mas nenhuma resposta, silêncio absoluto. Acho que eu estava ficando meio maluca.
Mas da terceira vez que tive a impressão de que estava sendo vigiada, eu vi um olho. Definitivamente, eu estava sendo espionada. Quase morri de vergonha ao pensar que tinha alguém me olhando trocar de roupa todo esse tempo. Fechei logo o zíper do vestido, vermelha. E fui até a última cabine descobrir que tipo de menina esquisita estava me observando.
Quando me aproximei, a menina fechou a porta da cabine em que estava e trancou. Droga. Eu estava muito curiosa para saber quem era.
- Vamos lá, fale o seu nome. - pedi. Ela ficou em silêncio. E, provavelmente, subiu em cima do vaso, para eu não ver os pés dela por debaixo da porta.
- Eu sei que você está aí. Porque ficou escondida me olhando trocar de roupa?
Tentei abrir a porta, mas estava trancada.
- Não precisa ficar com medo, não vou brigar com você. Só quero saber quem você é. - ela permaneceu em silêncio, ainda tentando me convencer de que não havia ninguém além de mim no banheiro. Mas eu não estava ficando louca, tinha certeza absoluta de que alguém esteve me observando o tempo todo.
- Ah, por favor! Prometo que não vou ficar brigar com você. Vamos, abra a porta... Não vou sair daqui enquanto você não abrir.
Meu último argumento deve ter convencido-a de que não adiantava nada ela ficar se escondendo, e ela decidiu abrir a porta. A tranca foi se abrindo bem devagar, como se ela estivesse com muito medo de abrir a porta. Então finalmente, a porta de abriu.
Eu gritei ao ver que a pessoa que havia me visto só de calcinha e sutiã não era uma menina, e sim um menino. Mas não era um menino qualquer. Era o doido Fellipe!
- SEU MALUCO, TARADO, PERTURBADO, VOCÊ TEM ALGUM TIPO DE PROBLEMA PSICOLÓGICO???
- Você prometeu que não ia brigar. - disse ele, com um sorrisinho.
- Cristiana! - uma voz me chamou do lado de fora do banheiro. Era o Bernardo.
- Cristiana, você está bem? - o Bernardo provavelmente, me ouvira gritando. Agora o Fellipe estava lascado.
- Cris, abre a porta. - pediu ele, e eu fui abrir, enquanto o Fellipe estava estático, provavelmente pensando que a coisa ia pegar pro lado dele. E ia mesmo.
Eu abri a porta, e Bernardo me olhou preocupado.
- Você está bem?
- Estou... eu acho.
- O que está acontecendo, Cris? Por que você gritou?
Ele entrou no banheiro, e a coisa ia ficar feia assim que ele visse Fellipe. Mas ele não viu. Eu também não vi, porque ele havia se escondido na cabine de novo.
Bernardo olhou pra mim com cara de ponto de interrogação.
- Cris, o que aconteceu?
- É... eu... na verdade...
- Fala logo, Cris!
- Er... Barata! É isso. Apareceu uma barata mega grande, e por isso eu gritei.
- E desde quando você tem tanto medo de barata?
- Bem, eu não tenho muito medo de barata, mas é porque essa era muito, muito gigante.
- Uma barata gigante. Tá. - Provavelmente ele sabia que eu estava mentindo, porque eu mentia muito mal. Mas também não fazia ideia de que o Fellipe estava escondido na última cabine. Acho que o Bernardo resolveu engolir.
- Tá bom, então. Depois eu falo com a Zuleide sobre isso. Baratas gigantes no banheiro feminino.
- É. Não é nada higiênico.
- Com certeza, eu vou falar com ela.
- É... Bernardo, eu vou arrumar meu cabelo e já estou indo, tá?
- Tá bom. Vou estar te esperando lá fora, amor. - ele saiu do banheiro e logo em seguida o Fellipe saiu da cabine.
- Valeu, Cris, você é um anjo. - agradeceu ele.
- E você é um maluco! Posso saber QUE IDEIA RIDÍCULA FOI ESSA?????
- Ah, Cris... é que... você sabe...
- Desembucha.
- É que eu errei a porta, e acidentalmente entrei no banheiro feminino.
- Ah, tá. Errou a porta. - eu ri. É impressionante a cara-de-pau de certas pessoas.
- Garoto, eu não nasci ontem.
- Tá bom, tá bom. - disse Fellipe. - Eu admito, fiquei te espionando e me escondi no banheiro feminino. Mas valeu muito a pena - ele deu um sorriso safado - Você de calcinha e sutiã, uau.
Olhei pra ele morrendo de vontade de afogá-lo no vaso sanitário.
- Se você é um perturbado, tarado por mulheres seminuas, deveria comprar uma revista playboy ao invés de se esconder no banheiro feminino.
- Ah, Cris, você é a melhor coelhinha de todas.
- Escuta aqui, garoto. Desta vez eu quebrei o seu galho não contando nada pro Bernardo, mas da próxima vez que você fizer outra palhaçada como essa...
- Calma, Cris - ele me interrompeu. - não vou mais fazer isso. Mas, poxa, você também faz o maior drama. Eu não sou o único garoto da terra a fazer isso. E aposto que você também já deve ter dado uma espiadinha no vestiário masculino alguma vez... Seja sincera, sua carinha de santa não me engana. - Mais uma vez, a vontade de enfiar a cara dele na privada.
- É claro que não, seu... Olha, some da minha frente.
Ele não saiu, e eu insisti novamente:
- Vai logo, garoto! Eu tenho que me arrumar para sair com o MEU NAMORADO. - E... Pra onde você vai assim, tão linda, com esse vestido?
- Não te interessa, tá? - Nem eu mesma sabia, mas jeito que ele era maluco, poderia até me seguir até o lugar. Aliás, acho que naquele dia do cinema, ele foi de propósito só pra atrapalhar. Eu não iria deixar que ele fizesse o mesmo desta vez.
- Vai logo, Fellipe! Tchau, adeus, vaza daqui!
- Tá bom, tô indo, docinho de pessoa. - disse ele, usando sua ironia irritante, e foi embora do banheiro.
Respirei aliviada, e fui dar um jeito de arrumar meu cabelo. Por sorte, eu tinha uns grampos e consegui fazer um penteado bem bonitinho. Dei uma última olhada no espelho, admirando o vestido lindo. Finalmente saí do banheiro, e ele estava me esperando andando de um lado para o outro.
- Cris! Você está linda!
- Obrigada, amor.
- Tá certo que você demorou um ano para ficar pronta, mas, meu Deus... Que namorada gata eu tenho.
Eu sorri.
- Você também está super elegante, lindo.
- Obrigado, vamos nessa, amor. - disse ele, e nós entramos no carro.
Capítulo 19
Cristiana Araújo
O carro estacionou na porta do restaurante, e eu me impressionei em quanto o lugar era bonito. Muito bem decorado, extremamente chique. Apesar do lugar estar cheio de pessoas ricas, não me senti assim tão deslocada quanto pensei que me sentiria. Era uma experiência diferente visitar um lugar como aquele, algo que eu nunca havia feito.
O manobrista estacionou o carro e eu e Bernardo entramos no restaurante de mãos dadas. O lugar era super romântico, e nossa mesa tinha velas em candelabros de prata, uma grande variedade de talheres de prata, taças de cristal, tudo a maior frescura. O restaurante também tinha uma área ao ar livre, que incluía um jardim.
No meio do jardim, músicos tocavam ao vivo, e casais dançavam músicas românticas á luz da lua. Nossa, só o Bernardo mesmo pra me levar a um lugar lindo como aquele.
Mal havíamos chegado e o Bernardo já me fez um convite:
- Me concederia a honra desta dança, princesa Cristiana? - disse ele, se achando o maior príncipe encantado do pedaço. E era mesmo.
- Claro - respondi, enquanto ele corria o risco de ter seu pé pisado por mim. Sim, existia esse risco, mas é claro que eu não poderia recusar, vendo-o pedir de um jeito tão bonitinho.
Nos juntamos aos outros casais que dançavam no jardim, eu perguntei, só por curiosidade:
- Desde quando você sabe dançar?
- Eu não sei, mas dou uma enroladinha.
- Acho que estamos na mesma situação - eu falei, rindo, enquanto ele envolvia minha cintura e nossas mãos se entrelaçavam.
Começamos a dançar, e até que estávamos indo bem.
- Nossa, pra quem só enrola, até que você dança bem. - elogiei.
- Valeu, Cris. - Ele estava olhando para o palco, onde os músicos tocavam, e fez um sinal para o cara que ficava perto dos equipamentos de som. O violinista parou de tocar, com uma cara de entediado. Os outros músicos também fizeram o mesmo, e o homem do equipamento de som pôs para tocar uma música que apesar de não estar sendo cantada ao vivo, era música mais linda do mundo, cantada pela voz mais linda do mundo.
" Não dá mais
Já não posso
Não consigo esconder
Impossível controlar
minha vontade de você
é maior que tudo e tudo bem
acredita em mim "
Juro que me arrepiei todinha e meu coração acelerou repentinamente enquanto eu dançava com o Bernardo a música que ele mesmo havia feito pra mim.
Alguns momentos na minha vida eu sabia que nunca poderia esquecer. E aquele momento era um desses, inesquecível e perfeito. Ele sorria pra mim, sabendo que eu havia adorado a surpresa. Eu não falei nada, porque palavras não seriam suficientes para dizer o que eu sentia. Apenas o beijei, e aquele beijo disse tudo por mim.
- Você é tudo o que eu sempre quis, Cris. - disse ele, colaborando para os meus batimentos cardíacos ficarem descontrolados. Como é que eu podia amar tanto esse garoto?
- Eu nunca vou me esquecer disso, Bernardo.
- Eu sei. Essa é a intenção. - ele riu.
Dançamos durante algum tempo, e depois voltamos para a nossa mesa, e fomos jantar.
Enquanto esperávamos a comida chegar, perguntei:
- Bernardo, me conta como foi a sua turnê, até agora não tivemos tempo para conversar nada. Quero saber as novidades.
- Cris, a turnê foi o máximo, muito perfeita. Você não tem noção do quanto os caras que o Renato escolheu para a banda tocam bem. Isso sem falar no quanto os shows foram bem produzidos, o Renato resolveu investir pra caramba em mim. E, Cris, é muito boa a sensação de estar em cima de um palco, cantar pra um monte de gente, sentir a vibração da platéia... Fiquei me achando o maior popstar.
- Faço ideia. - eu ri. - Quer dizer que a turnê foi o maior sucesso?
- Sucesso total.
- Ai, que bom, amor! Eu sabia que você ia se dar muito bem. E... suas fãs, você já tem muitas?
- É, tem uma galera aí querendo montar um fã clube.
- Sei. Aposto que ficaram dando em cima de você o tempo todo, não foi?
Ele me olhou meio estranho, como se quisesse dizer algo. Aí tem coisa.
- Er... - ele tentou disfarçar, mas é claro que não colou. - Não, até que a maioria das fãs são comportadas.
- A maioria? Ah, Bernardo, abre o jogo. Pode falar, eu não vou ficar chateada.
- Ah, Cris, não foi nada demais não... É que o Renato fez um sorteio entre as fãs, e quem ganhasse iria ter um jantar comigo. Aí eu fui jantar com a tal fã ganhadora...
- Ai meu Deus. - falei, imaginando uma piriguete loira de sainha curta se atirando pra cima do meu namorado. Ninguém merece, esse Renato é um sacana.
Ele riu da minha aflição, e não entendi qual era a graça.
- Calma Cris, deixa eu contar a história. Eu cheguei lá no restaurante, e a fã que ganhou se chamava Brenda. Só que ela era um canhão, pensa numa menina feia e multiplica por mil. - Menos mal, pelo menos isso.
- E ela falava cuspindo - completou ele. - O jantar foi horrível, fiquei o maior tempão autografando tudo que ela me colocava na frente, tive que ouvir ela me chamar de uma coisas bem ridículas, tipo: Magrelinho, pãozinho, Bebê, e por aí vai. Maa o pior foi que ela riu enquanto estava tomando suco, e cuspiu tudo em mim! Eca, não gosto nem de lembrar, foi o dia mais nojento da minha vida. - a história até que estava ficando engraçada, antes de ele contar o final nada agradável.
- Eu fui pro banheiro, e ela entrou no banheiro masculino, e nos trancou lá dentro, dizendo que se eu desse um selinho nela, eu poderia ir embora. Então eu beijei a menina, mas foi só porque se eu beijasse, eu ia me livrar daquele jantar horrível e nunca mais iria ver a cara dela. Mas foi o beijo mais nojento da minha vida.
- Ela te trancou no banheiro? Que menina perturbada!
- Pois é. Você não vai ficar chateada né, Cris, você sabe que eu não tive culpa.
- Hum... Vou pensar no seu caso.
- Poxa, Cris... - começou a protestar ele, mas eu o interrompi.
- Brincadeirinha, seu bobo. É claro que eu não vou ficar chateada, você não fez por mal. - falei, mas me senti mal assim que falei isso. Não por causa dele, mas por causa de mim. Ele fora tão sincero me contando isso. Podia simplesmente fingir que nada acontecera e eu nunca ficaria sabendo. Mas não, ele foi honesto, contou a verdade pra mim, e isso me deixava muito envergonhada. Eu deveria fazer o mesmo com relação ao Fellipe, e sabia que a coisa certa a fazer era contar o que havia acontecido na semana em que ele esteve fora.
É claro que eu sabia também que o meu caso era bem pior que o dele, e sabia que ele poderia dar o maior chilique se eu falasse que o Fellipe me beijou. Talvez brigasse com o Fellipe, talvez ficasse chateado comigo, apesar de não ser eu a culpada nessa história. Mas mesmo assim, eu sabia que devia contar.
- Ai, que bom Cris. Você é a melhor namorada do mundo. Mas e então, como é que foi a sua semana aqui?
- Ah, foi normal, meio entediante e longa. - falei, tomando coragem para falar sobre o Fellipe. Mas não tive oportunidade, por que bem na hora, o garçom serviu a comida e Bernardo começou a falar de outras coisas, sem pedir mais detalhes.
E eu também não queria estragar uma noite tão perfeita, tão linda como aquela. O Bernardo ficaria sabendo disso, mas não naquele momento. Não naquela noite tão maravilhosa.
Capítulo 20
Bernardo Oliveira
- Bom dia, Bernardo! - disse meu pai, quando eu desci para o café.
- Bom dia! - eu estava super de bem com a vida, de ótimo humor. E depois da noite que eu passei com a Cris, impossível não ficar.
Sentei á mesa com meu pai, minha mãe e a Clarinha, naquele velho ritual de "família unida pelo menos no café da manhã".
- Ontem você chegou tarde de mais em casa, filho. - disse Cissa.
Eu ergui uma sobrancelha. Até parece que ela se preocupava comigo. Só estava implicando por que eu havia saído com a Cris.
Antes que eu pudesse falar qualquer coisa, meu pai perguntou:
- E aí, filho, você nem me contou, como é que foi seu passeio ontem com a Cristiana?
Minha mãe torceu o nariz. Caramba, essa implicância já estava me irritando.
- Foi ótima, pai, impossível melhor. Foi um jantar perfeito do inicio ao fim.
- Ai, você e essa sua mania de ficar gastando seu dinheiro com aquela alpinista social. - minha mãe reclamou.
- O dinheiro é meu, não é? Gasto com o que eu quiser. E o nome da minha namorada é Cristiana.
Ela revirou os olhos e mordeu uma torrada.
- Gente, tô indo nessa. Depois de faltar uma semana de aula, não dá pra chegar atrasado, né? Tchau.
Cheguei na escola, depois de uma semana sem vê-la. Na verdade, eu não estava, digamos, morrendo de vontade de estudar. Uma sábia pessoa disse uma vez que o chato da vida não é a escola, e sim estudar. Ainda bem que eu ia ser músico! Não que eu tirasse umas notas tão horríveis assim. Eu até passava, mas cara, as aulas geralmente são bem chatinhas. E pior era que agora que eu tinha conteúdo de uma semana pra botar em dia. Afe.
Mas foi muito legal rever a galera, principalmente o Beto. O ogrão quis saber tudo sobre a turnê, e eu dei uma resumida. O sinal bateu e eu só vi a Cris um minuto antes de entrar na sala. Mas foi suficiente para um amasso de última hora. Caramba, eu era viciado naquela garota!
Tentei prestar atenção na aula, mas era difícil com a Bia retrucando no meu ouvido: " Ai, que bom que você voltou, eu tava morrendo de saudades. Que tipo de amigo você é, vai pra uma turnê e nem me leva junto."
Há. Essa é boa. Não falei nada, só dei uma risadinha e ficou por isso mesmo.
No intervalo, conversei rapidinho com uma galera que estava perguntando sobre a turnê, e depois fui procurar a Cris. Só achei a Valentina, mas como elas sempre ficam juntas no intervalo, achei estranho.
- Viu a Cris, Valentina? - perguntei.
- Não, ela deve estar por aí. - UAU. Por aí. Bem esclarecedor.
- Valeu - continuei procurando a Cris, e eu a achei em um corredor meio vazio. Mas ela não estava sozinha, isso é pior. Estava conversando com ELE. A criatura de cabelo espetado chamada Fellipe. Argh. Eles estavam discutindo algo quando eu cheguei, mas não deu pra saber o que era.
- Oi, Bernardo. - disse Cris.
- Oi, amor. - respondi, beijando-a bem na frente daquele menino. Ele precisava saber que minha namorada tinha dono.
Ele fez uma cara irritada, mas por pouco tempo. Ele sabia disfarçar muito bem.
- E aí, Bernardo, beleza, brother? - Brother. Ah, fala sério, esse guri faz o maior teatrinho.
- Beleza.
- Bernardo... Vamos lá na cantina? - convidou Cris. Ótimo.
- Claro, vamos nessa.
- Ah, eu também vou, sabe como é, estudar dá fome.
Caramba, esse menino não se toca mesmo! O pior é que se ele fosse calado, tudo bem, mas ele foi tagarelando sem parar. Ele estava decidido a não deixar eu e a Cris sozinhos nem por um minuto. Nossa, ninguém merece. Ele estava mais estranho que de costume. Sabe o que é ouvir um menino tagarelando sobre um monte de assuntos super nada a ver, sem parar nem para respirar? Pois é, o Fellipe estava assim. E seguindo eu e a Cris por onde quer que fosse.
Bateu o sinal, e tivemos que voltar pras nossas salas. Não conversei nada com a Cris e nem ela comigo, por culpa daquele moleque.
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A Nancy bateu na porta do meu quarto. Eu havia almoçado há pouco tempo, e estava pronto para ir ver o treino da Cris, e é claro, vigiar aquele menino que ia ficar patinando com ela. Não que eu não confiasse na Cris, eu não confiava era naquele sujeitinho insuportável chamado Fellipe.
- Bernardo!
- Peraí, tô indo. - eu fui abrir a porta.
- Correspondência pra você.
- Ué, de quem? Não está nem endereçado.
- Sei lá. - ela não estava de bom humor.
Fechei a porta e olhei para o envelope desconfiado. Não tinha remetente, nem endereço, nada. Só o meu nome escrito. Estranho, bem estranho. Movido pela curiosidade, abri o envelope... e não era uma carta. Era uma foto.
Mas não era qualquer foto. Era uma foto que me confundiu, fez meu estômago doer, e me deixou completamente arrasado. Na foto, Cristiana, minha namorada, e o Fellipe, o moleque mais insuportável do mundo. Se beijando.
Sentei na cama, e fiquei olhando horrorizado para aquela foto terrível. Depois da dor, senti raiva. Primeiro, daquele cretino inútil que beijava a minha namorada e depois dava uma de sínico. Mas isso já era esperado de alguém como ele. Agora... a Cristiana? Dela eu não esperava isso de jeito nenhum. Não esperava que ela pudesse se aproveitar da minha confiança nela e fazer uma coisa dessas comigo. E depois, fingir que estava tudo bem, ficar com papinho furado de "eu te amo". Sinceramente, nada poderia me deixar mais mal que isso. E era hora de tirar essa história a limpo.
- Bom dia, Bernardo! - disse meu pai, quando eu desci para o café.
- Bom dia! - eu estava super de bem com a vida, de ótimo humor. E depois da noite que eu passei com a Cris, impossível não ficar.
Sentei á mesa com meu pai, minha mãe e a Clarinha, naquele velho ritual de "família unida pelo menos no café da manhã".
- Ontem você chegou tarde de mais em casa, filho. - disse Cissa.
Eu ergui uma sobrancelha. Até parece que ela se preocupava comigo. Só estava implicando por que eu havia saído com a Cris.
Antes que eu pudesse falar qualquer coisa, meu pai perguntou:
- E aí, filho, você nem me contou, como é que foi seu passeio ontem com a Cristiana?
Minha mãe torceu o nariz. Caramba, essa implicância já estava me irritando.
- Foi ótima, pai, impossível melhor. Foi um jantar perfeito do inicio ao fim.
- Ai, você e essa sua mania de ficar gastando seu dinheiro com aquela alpinista social. - minha mãe reclamou.
- O dinheiro é meu, não é? Gasto com o que eu quiser. E o nome da minha namorada é Cristiana.
Ela revirou os olhos e mordeu uma torrada.
- Gente, tô indo nessa. Depois de faltar uma semana de aula, não dá pra chegar atrasado, né? Tchau.
Cheguei na escola, depois de uma semana sem vê-la. Na verdade, eu não estava, digamos, morrendo de vontade de estudar. Uma sábia pessoa disse uma vez que o chato da vida não é a escola, e sim estudar. Ainda bem que eu ia ser músico! Não que eu tirasse umas notas tão horríveis assim. Eu até passava, mas cara, as aulas geralmente são bem chatinhas. E pior era que agora que eu tinha conteúdo de uma semana pra botar em dia. Afe.
Mas foi muito legal rever a galera, principalmente o Beto. O ogrão quis saber tudo sobre a turnê, e eu dei uma resumida. O sinal bateu e eu só vi a Cris um minuto antes de entrar na sala. Mas foi suficiente para um amasso de última hora. Caramba, eu era viciado naquela garota!
Tentei prestar atenção na aula, mas era difícil com a Bia retrucando no meu ouvido: " Ai, que bom que você voltou, eu tava morrendo de saudades. Que tipo de amigo você é, vai pra uma turnê e nem me leva junto."
Há. Essa é boa. Não falei nada, só dei uma risadinha e ficou por isso mesmo.
No intervalo, conversei rapidinho com uma galera que estava perguntando sobre a turnê, e depois fui procurar a Cris. Só achei a Valentina, mas como elas sempre ficam juntas no intervalo, achei estranho.
- Viu a Cris, Valentina? - perguntei.
- Não, ela deve estar por aí. - UAU. Por aí. Bem esclarecedor.
- Valeu - continuei procurando a Cris, e eu a achei em um corredor meio vazio. Mas ela não estava sozinha, isso é pior. Estava conversando com ELE. A criatura de cabelo espetado chamada Fellipe. Argh. Eles estavam discutindo algo quando eu cheguei, mas não deu pra saber o que era.
- Oi, Bernardo. - disse Cris.
- Oi, amor. - respondi, beijando-a bem na frente daquele menino. Ele precisava saber que minha namorada tinha dono.
Ele fez uma cara irritada, mas por pouco tempo. Ele sabia disfarçar muito bem.
- E aí, Bernardo, beleza, brother? - Brother. Ah, fala sério, esse guri faz o maior teatrinho.
- Beleza.
- Bernardo... Vamos lá na cantina? - convidou Cris. Ótimo.
- Claro, vamos nessa.
- Ah, eu também vou, sabe como é, estudar dá fome.
Caramba, esse menino não se toca mesmo! O pior é que se ele fosse calado, tudo bem, mas ele foi tagarelando sem parar. Ele estava decidido a não deixar eu e a Cris sozinhos nem por um minuto. Nossa, ninguém merece. Ele estava mais estranho que de costume. Sabe o que é ouvir um menino tagarelando sobre um monte de assuntos super nada a ver, sem parar nem para respirar? Pois é, o Fellipe estava assim. E seguindo eu e a Cris por onde quer que fosse.
Bateu o sinal, e tivemos que voltar pras nossas salas. Não conversei nada com a Cris e nem ela comigo, por culpa daquele moleque.
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A Nancy bateu na porta do meu quarto. Eu havia almoçado há pouco tempo, e estava pronto para ir ver o treino da Cris, e é claro, vigiar aquele menino que ia ficar patinando com ela. Não que eu não confiasse na Cris, eu não confiava era naquele sujeitinho insuportável chamado Fellipe.
- Bernardo!
- Peraí, tô indo. - eu fui abrir a porta.
- Correspondência pra você.
- Ué, de quem? Não está nem endereçado.
- Sei lá. - ela não estava de bom humor.
Fechei a porta e olhei para o envelope desconfiado. Não tinha remetente, nem endereço, nada. Só o meu nome escrito. Estranho, bem estranho. Movido pela curiosidade, abri o envelope... e não era uma carta. Era uma foto.
Mas não era qualquer foto. Era uma foto que me confundiu, fez meu estômago doer, e me deixou completamente arrasado. Na foto, Cristiana, minha namorada, e o Fellipe, o moleque mais insuportável do mundo. Se beijando.
Sentei na cama, e fiquei olhando horrorizado para aquela foto terrível. Depois da dor, senti raiva. Primeiro, daquele cretino inútil que beijava a minha namorada e depois dava uma de sínico. Mas isso já era esperado de alguém como ele. Agora... a Cristiana? Dela eu não esperava isso de jeito nenhum. Não esperava que ela pudesse se aproveitar da minha confiança nela e fazer uma coisa dessas comigo. E depois, fingir que estava tudo bem, ficar com papinho furado de "eu te amo". Sinceramente, nada poderia me deixar mais mal que isso. E era hora de tirar essa história a limpo.
Capítulo 21
Cristiana Araújo
- Seu namoradinho esqueceu de você, Cristiana? - perguntou Fellipe, quando estávamos repassando a coreografia pela última vez. Ele tinha uma estranha felicidade em ser irritante.
- Não enche, menino.
- Você disse que hoje o Bernardo ia vir, assistir nosso treino... Já estamos no final e ele nem teve a consideração de aparecer por aqui.
- Vai cuidar da sua vida, Fellipe. Se o Bernardo não veio, foi porque ele não pôde vir. Ah, e o que te deu na cabeça hoje de manhã? Por que ficou nos seguindo?
- Eu não estava seguindo ninguém, Cris. Só estava conversando com vocês, por que, é proibido?
- Fellipe... Pra cima de mim com esse papo furado?
- Tá bom - ele riu - Você acha que eu seria bobo de deixar você sozinha com o Bernardo o intervalo inteiro? Principalmente depois de você ter me ameaçado a contar tudo pro Bernardo...
- Não foi ameaça. Só estava te falando que queria contar pra ele. Nada mais justo, ele conta tudo pra mim! Eu não deveria estar escondendo nada dele.
- Ah, assim é fácil, né, Cris? Você vai botar a culpa toda em mim, falar que eu que te beijei a força, que você é mocinha inocente e eu sou o vilão malvado...
- É claro que a culpa é toda sua. Sempre foi. Eu não vou estar mentindo.
- Aposto que você não vai ser sincera e contar pra ele a parte mais importante.
- O quê?
- A parte em que você adorou me beijar. - Esse Fellipe é o menino mais INSUPORTÁVEL desse planeta. Ninguém merece.
- Pra mim chega. Tchau, adeus, vai embora pra sua casa que já treinamos muito por hoje. E seu eu tiver que ficar mais meio segundo com você, eu vou me estressar.
- Uia. Então é melhor eu ir, porque se estando calma você é esse doce todo, imagina você estressada. - disse ele, irônico.
- Sinceramente, estou louca para esse campeonato chegar logo, e eu me livrar de ficar aqui no Rocket treinando com você todo santo dia.
- Depois do Campeonato, provavelmente, eu vou voltar para a Itália.
- De onde nunca deveria ter saído. - ele olhou para mim horrorizado com o meu comentário, sem achar nenhuma graça.
- É só brincadeirinha - expliquei.
- É claro que é. Você me ama.
- Não se empolga, garoto.
- Tchau, vou pra casa.
Quando cheguei em casa, percebi que estava sozinha. Não achava ruim ficar sozinha em casa. Tomei um banho, e depois fui fazer meu dever de casa, pensando em porque o Bernardo não tinha ido ao Rocket. Alguém bateu na porta, e eu fui atender, animada. Talvez fosse ele!
- Oi, Bernardo! - realmente era ele.
- Oi. - Dava pra ver que ele não estava muito bem.
- Entra aí, amor.
Ele entrou, silencioso. E segurando um envelope. Algo me dizia que não eram boas notícias.
- O que aconteceu, Bernardo?
- O que aconteceu???? - repetiu ele, irritado. - Eu vou te falar o que aconteceu, Cristiana. - Ele abriu o envelope, e deu uma olhada rápida e furiosa no papel antes de mostrar pra mim. E então, ele virou a foto pra mim.
A foto que mostrava o idiota do Fellipe me beijando na biblioteca. E uma explosão dos mais diversos sentimentos se manifestou dentro de mim. Vergonha, culpa, raiva do Fellipe por ter armado isso. Mas eu sabia que a culpa não era só dele. A culpa era minha também. E, sobretudo, senti um medo horrível de perder o amor da minha vida por causa disso.
- E então, Cristiana? Nada a declarar?
Eu queria falar alguma coisa. Mas estava tão chocada, que não consegui dizer absolutamente nada, e muito menos olhar nos olhos dele. Olhei pro chão, pensando no que iria dizer, e em como explicar a verdade. Mas ele não esperou que eu dissesse nada.
- Como você pôde fazer isso comigo, Cris? Eu confiei em você, eu fui sincero com você, eu nunca te escondi absolutamente nada! Se você está a fim de outro garoto, porque não termina logo o nosso namoro e acaba com isso de uma vez? Muito melhor do que ficar brincando comigo, me fazendo de idiota. Enquanto eu sentia falta de você de você em outro estado, você ficava com esse moleque. Sinceramente, eu não esperava isso de você.
Era hora de falar alguma coisa. Já que eu fora incapaz de dizer a verdade antes, era melhor dize-la agora.
- Bernardo... Ouça o que eu vou falar pra você agora, tá bom?
Ele não respondeu. Continuou olhando pra mim, sério.
- Eu nunca quis beijar esse garoto. Foi ele que me beijou, quando eu não fazia ideia do que ele estava tramando. Ele tinha pedido para que eu o ajudasse com o dever de casa, e do nada, deu a louca nesse menino e ele me beijou, no meio da biblioteca. É claro, ele levou um tapa na cara depois de fazer isso. Depois conversamos, eu briguei com ele, o Fellipe pediu desculpas, disse não faria isso mais, e implorou que eu não contasse isso pra você. Eu ia te contar, queria muito de contar, Bernardo... - eu falava descoordenadamente, tentando fazer um resumo do que acontecera.
- Olha, você tá viajando se acha que eu vou acreditar nessa baboseira toda. Quer dizer que você é a vítima pobre e indefesa dessa história? Tem dó, né? - ele estava realmente com raiva.
- Não, Bernardo. Eu sei que não sou a vítima. a culpa foi minha também. Eu sei que deveria ter te contado isso. Mas juro que nunca quis beijar aquele menino e muito menos magoar você!
- Pois não parece, não é, Cristiana? - disse ele, mostrando a foto mais uma vez, aproximando-a mais do meu rosto. - Fica com isso pra você guardar de recordação. - disse ele, me dando aquela maldita foto.
Ele virou as costas para ir embora. Mas eu o detive.
- Bernardo!
Ele apenas olhou para mim.
- Não percebe que o Fellipe está tentando separar a gente? - falei.
Ele não respondeu, e saiu da minha casa. Eu fiquei sozinha em casa, com lágrimas nos olhos, e pensando sobre o que eu mesma havia dito. Alguém estava destinado a nos separar. E essa pessoa se chamava Fellipe Rodrigues.
Capítulo 22
Cristiana Araújo
Eu estava me sentindo uma idiota. Como pude ser tão burra em cair nessa armaçãozinha ridícula do Fellipe? Ele me beijou, pediu para alguém tirar uma foto, implorou pra eu não contar nada pro Bernardo e por fim mandou a foto pra ele, tudo isso só pra tentar me separar do meu namorado!
Ele ia se ver comigo. Ia mesmo. Peguei a foto e liguei pro Fellipe.
- Alô.
- Fellipe, onde você está?
- Em casa. Estou mega entediado aqui. Vamos fazer alguma coisa?
Claro. Brincar de tiro ao alvo. E adivinha quem seria o alvo?
- Te encontro no Rocket. - falei, sem rodeios.
- Beleza. Vou estar lá em cinco minutos.
Eu estava nervosa. Talvez não devesse ficar marcando encontros com o ogro que estava tentando destruir o meu namoro. Imagina o que aconteceria se o Bernardo estivesse passando pelo Rocket e me visse conversando com o Fellipe?
Mas eu precisava correr o risco. Esse menino ia ouvir umas poucas e boas.
É claro que eu não queria que todos os clientes do Rocket me vissem armar um barraco. Por isso esperei pelo Fellipe na parte de trás do Rocket. Ele apareceu poucos segundos depois que eu estava esperando.
- Cristiana! Quem diria, hein? Primeiro diz que não me suporta, que quer que eu volte pra Itália, e depois fica marcando encontros no lugar mais reservado do Rocket.
- Cala a boca, menino.
- Nossa, Cris, porque tanta agressividade?
- Ah, tá bom, já que você quer saber porque, eu vou mostrar pra você.
Tirei a foto do envelope e dei pra ele.
- Isso apareceu magicamente na caixa de correio do Bernardo hoje. Surpreendente, não? - falei, com muita ironia na voz.
- Deve ter sido magicamente mesmo - disse ele, dando uma de sonso - porque eu não sei como isso foi parar lá.
- Olha aqui, Fellipe, eu sei que foi você e sei o que você está tentando fazer. E fique sabendo que é a coisa mais ridícula, mais desprezível, mais horrível do que eu poderia imaginar que você era capaz.
- Cristiana, eu não sei do que você está falando.
Eu ri, mas minha risada continha muito mais raiva do que graça.
- Coitadinho. Ele não sabe. Então deixa que eu te explico. - falei, com mais ironia ainda - Você, Fellipe Rodrigues, me beijou sem eu deixar, pediu para alguém tirar essa foto, me fez esconder isso do meu namorado, e depois mandou essa foto pra ele. Só para nos separar.
- Meu Deus, Cris. É claro que não fui eu que fiz isso. Eu nunca faria isso com você.
- Fala sério, né, Fellipe? Se não foi você, quem foi?
- Ué, Cris, não faço ideia. Admito, errei ao beijar você sem a sua permissão... Mas até parece que eu ia mandar alguém tirar uma foto. Pensa bem, porque eu faria isso?
- Porque você é um perturbado, desonesto e mentiroso.
Ele riu. Aquela risadinha tranquila, despreocupada e irritante dele.
- Antes de me me xingar de todos os xingamentos que constam no dicionário, porque você não para pra pensar que está acusando uma pessoa sem provas?
Respirei fundo, e ele continuou:
- A verdade é que eu não fiz isso. Pode haver uma outra pessoa que estivesse na biblioteca naquele momento e resolveu tirar uma foto. Vai dizer que eu sou a única pessoa que não gosta do seu namoro com o Bernardo?
Nisso ele tinha razão. Existiam muitas outras pessoas, ou melhor, muitas meninas apaixonadas pelo Bernardo que estavam a fim de nos ver separados. Bia, Tati, até a minha própria irmã... Isso sem contar com a meia dúzia de piriguetes que sempre foram a fim dele.
- Ah, tá. Quer dizer que alguém que é contra meu namoro com o Bernardo estava naquele exato momento na biblioteca, bem na hora em que você me beijou.
- Exatamente! - disse ele, sorrindo - Até que você é esperta.
- Você me impressiona, sabia? Como é que alguém pode ser tão cara-de-pau e nem ter vergonha disso?
Ele ia responder alguma coisa, mas eu o interrompi.
- Não vou acreditar nessa sua história, pelo menos não enquanto você não me provar o contrário. Só vou dar um aviso pra você, preste bastante atenção: Se foi realmente você que está tentando me separar do Bernardo, fique sabendo que o melhor a fazer é sair do meu caminho. Como eu já te disse, eu AMO o meu namorado, e não importa o que fizer ou a coisa desprezível que armar, você nunca vai conseguir mudar isso. Entendeu? Você já me deu muitos motivos pra não confiar em você.
Ele olhava para mim, sério. Finalmente ele havia levado a sério algo que eu falava.
- Você não vai deixar de falar comigo, ou de treinar patinação comigo porque acha que eu sou o culpado dessa história, vai?
- Claro que não, Fellipe. - falei, calmamente. - Sei separar as coisas. Vamos continuar treinando, o campeonato é daqui a poucos dias.
- Menos pior. Depois do campeonato, vou ter que voltar pra Itália. - Não sei o porquê, tinha um brilho estranho nos olhos dele. Como se estivesse pensando em algo que com certeza não era coisa boa. - E então essa situação horrível vai acabar. - completou, por fim.
- Situação horrível? -perguntei, tentando entender melhor ao que ele se referia.
- Você só pensa em si mesma, Cristiana. Não tem a mínima noção de como é horrível o que você está fazendo comigo. Primeiro, você me fez gostar de você de um jeito que eu nunca imaginei ser possível. Eu não faço a mínima ideia de como conseguiria passar um único dia sem te ver, sem ouvir a sua voz. Você me tortura a cada vez que diz que a ama o Bernardo, e eu tenho que suportar ver você beijando aquele menino todos os dias. E agora, você está com raiva de mim por algo que eu não fiz... Não vejo a hora de ir pra Itália. Quero me livrar disso.
Impressionante como ele conseguia mudar tudo em alguns segundos. Agora, eu era a errada. Eu era a torturadora. Eu era a mau-caráter. Ele tinha uma grande facilidade em virar o jogo pro lado dele. Talvez ele tivesse mesmo razão. Talvez eu o tivesse acusado falsamente.
- Não estou com raiva de você, Fellipe. E talvez você não tenha nada a ver com esse lance da foto, e se isso for verdade, desconsidere tudo o que eu falei. Tá bom?
- Tá. Vou nessa. - ele foi embora, e eu não estava me sentindo nada bem. E, além disso, estava torcendo muito para que o meu namoro com o Bernardo não fosse pro brejo.
Capítulo 23
Bernardo Oliveira
Meu pai costumava dizer que as coisas mais feias que alguém pode fazer é ouvir por trás de portas, bisbilhotar a vida alheia e ficar escutando as conversas dos outros. Fala sério, isso é o maior papo furado. É claro que ouvir escondido as conversas dos outros não era uma coisa muito bonita, mas realmente, facilitou a minha vida.
Sim, acredite ou não, quando eu supostamente "saí" da casa da Cristiana, fiquei do lado de fora escutando ela ligar pro Fellipe e marcar um encontro com ele, no Rocket. Aí era demais. Eu precisava saber o que a Cristiana tinha a falar com aquele moleque.
Escutar escondido a conversa deles teve lá suas utilidades. Eu vi que a Cris realmente não tinha culpa nisso. Pelo menos não totalmente.
Por outro lado, tive vontade de trucidar aquele Fellipe. Eu já sabia que ele era perturbado, mas isso é demais.
Saí do Rocket sem ninguém me notar e entrei no meu carro, aliviado e feliz por ter descoberto que a Cris não tinha nada com o Fellipe. E também irritado e com mais raiva que antes daquele menino demente.
O pior é ver o jeito ridículo com ele se faz de vítima, tipo: "Ai, Cristiana, você me tortura a cada vez que diz que ama o Bernardo". Ah, fala sério... O pior é que a Cris cai nesse papinho furado e fica com pena dele. Haja paciência.
Mas eu estava curioso para saber quem tinha tirado aquela foto. É claro que a pessoa que tirou tinha combinado com o Fellipe, disso não há dúvida. Mas eu queria saber QUEM se uniu à anta do Fellipe pra tentar me separar da Cris. Era um mistério, que eu estava ansioso para descobrir.
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Eu estava sentado e tocando violão, perto da piscina. Foi bem estranho, por que eu estava tocando violão sem prestar a mínima atenção no que estava fazendo, e muito menos na música que eu estava tocando. Estava pensando em outras coisas, ou melhor, em outra coisa. Na mesma garota em que eu pensava sempre. Cristiana.
Eu tinha acabado de chegar em casa, e estava esperando que ela voltasse do Rocket.
- Bernardo. - Ouvi a voz que eu mais desejava ouvir. Cristiana se aproximava, e eu me contive para parecer indiferente. Sei que pode parecer maldade, mas eu queria ouvir o que ela tinha a dizer antes de pedir desculpas por não ter acreditado nela.
- Precisamos conversar. - ela se sentou ao meu lado, e aqueles olhos lindos estava cheios de preocupação.
- Pode falar. - eu coloquei meu violão de lado.
- Bernardo, eu sei que você está chateado comigo, e sei que você tem razão por estar assim. Mas você precisa acreditar no que eu disse. Eu te amo, Bernardo, nunca faria uma coisa dessas com você.
- Ah, tá. E a culpa é do Fellipe. Você já perguntou pra ele se foi ele que mandou alguém tirar a foto? - eu falei friamente, surpreso com minhas capacidades de ator. Estava tirando a maior onda, era tão lindo ver ela falando daquele jeito!
- Falei. Acabei de falar com ele. Ele jurou que não fez isso, que não faz a menor ideia de quem tirou a foto. Mas não importa, Bernardo, o que importa é que você tem que acreditar em mim. - ela olhava pra mim de um jeito tão meigo, tão sincero, quase suplicante.
- Não acredito. - Eu disse, sério. Eu só estava brincando, tirando onda, mas ela não sabia disso.
Cristiana olhou pro chão, com lágrimas nos olhos. Ela estava triste como eu nunca havia visto antes. Me arrependi imediatamente em ter dito aquilo. Ver a garota que eu mais amava em todo o mundo sofrendo daquele jeito, e por minha causa, foi demais pra mim.
Carinhosamente, puxei o rosto dela para perto do meu, e de novo estava perdido naquele olhar. Terminei a frase que não havia completado, com um sorriso:
- Não acredito em como eu sou um cara de sorte por ter você. - eu a beijei, com uma paixão simplesmente indescritível. Cristiana era minha maior preciosidade.
Ela olhava para mim, com a respiração ofegante, e sem entender nada. Ela provavelmente iria falar alguma coisa, mas eu a interrompi com outro beijo.
- Peraí, Bernardo. Eu não estou entendendo nada... - ela disse, sorrindo.
- Não era pra você estar com raiva de mim? - perguntou.
- Não, Cris. Na verdade, você deveria estar com raiva de mim. Por não ter acreditado no que você disse.
Ela franziu a testa.
- E por que você resolveu acreditar de uma hora pra outra?
Hesitei um pouco a responder.
- Bem... Digamos que... Eu segui você até o Rocket e ouvi a sua conversa com o mala do Fellipe.
Ela riu, achando graça da minha atitude desesperada de segui-la.
- Ah, quer dizer, mocinho, que você estava me espionando? Hum-hum. Que coisa feia.
- Pois é, você está falando com o próprio Bernardo Bond, espião profissional.
- Você é um espiãozinho de meia tigela, isso sim. - disse ela, entre risos.
- Não reclama, Cris, porque foi minha espionagem que salvou nosso namoro.
- Tá bom, tá bom. Sem reclamações. - ponderou ela, e me beijou em seguida.
A cada dia, eu estava mais convencido de que absolutamente nada poderia acabar com um amor tão verdadeiro como o nosso.
Capítulo 24
Cristiana Araújo
- Então, meninos, as obras literárias de Gregório de Matos geraram um grande impacto na sociedade da época... - Lise explicava a matéria parecendo bastante disposta, e eu também estava de ótimo humor. Poderia atribuir esse bom humor ao fato de estar tudo ocorrendo bem na minha vida, o que é um jeito simplificado de dizer que tudo estava ótimo entre mim e o Bernardo.
E o Fellipe havia faltado, o que era um descanso para a minha cabeça. E também despertava em mim um pouquinho de curiosidade. Faltava um dia, um único dia para o Campeonato de Patinação, a data mais esperada do ano. (Pelo menos pra mim). Deus que me livre se o Fellipe inventasse de desaparecer ás vésperas do campeonato.
O meu celular tocou durante o intervalo, enquanto eu conversava com a Valentina e a Maria Cláudia.
- Alô?
- Estou falando com Cristiana? - perguntou uma voz feminina.
- Sim, sou eu.
- Bem, aqui quem fala é a dona Rosa, mãe do Fellipe. - não preciso nem dizer no quanto eu fiquei surpresa ao ouvir aquela frase. Que raios a mãe do Fellipe queria comigo?
- Cristiana, será que você não poderia dar uma passadinha aqui em casa?
- Por quê?
- Preciso falar com você, pessoalmente. - ela deu o endereço da casa e citou um ponto de referência que eu conhecia, e terminou com a simples frase: - Vou estar te esperando. Tchau.
Parece que a mãe do Fellipe é tão maluca quanto o filho, mas não vou mentir. Estava morrendo de curiosidade em saber o que ela queria falar comigo.
E foi essa mesma curiosidade que me levou á casa do Fellipe.
Parei em frente á um portão gigantesco. Eu já havia passado algumas vezes em frente àquela casa, e todas as vezes havia me perguntado quem era o milionário que morava lá. Parece que agora, eu tinha resposta.
Hesitei um pouco antes de tocar o interfone. Não era uma coisa muito certa de se fazer ir á casa de uma mulher estranha, só porque ela havia pedido, por telefone, que eu fosse. Só que essa mulher estranha era a mãe do meu parceiro de patinação, que havia faltado aula, e portanto, eu havia ficado mais curiosa ainda para ver o que ela tinha a falar comigo.
For fim, resolvi tocar o interfone.
- Quem é? - perguntou a voz.
- Cristiana. - foi só o que eu disse, e o portão instantaneamente se abriu. Passei pelo jardim imenso que se estendia em frente á uma bonita mansão de três andares. Parei em frente á porta, e antes que eu batesse, ela se abriu.
Uma senhora muito bem vestida, que devia ter por volta de uns cinquenta anos, me olhou dos pés á cabeça, e ela tinha exatamente os mesmos olhos verdes do Fellipe. Obviamente, era a mãe dele.
- Cristiana? - disse ela, surpresa.
- Eu mesma.
- Entre aí, fique á vontade.
Entrei na casa, mas era impossível ficar á vontade.
- O Fellipe não está aqui, você chegou na hora certa.
Olhei para ela, quase com um ponto de interrogação estampado na testa.
- Querida, relaxe. Senta aí. - disse ela, sorrindo. Estávamos em uma sala de estar com várias poltronas, um piano e um lustre gigante pendurado no teto.
- A Marina acabou de fazer bolo, e chá..
- Senhora Rosa... - eu comecei a falar, enquanto me sentava em uma das poltronas.
- Diga, querida.
- Não vim para lanchar. Vim apenas para saber o que você precisa falar comigo.
A empregada entrou e colocou o lanche na mesa de centro, assim que eu disse isso.
- Mas já que você está aqui, não custa nada lanchar, não é mesmo? - retrucou ela, sorrindo.
- Ela se sentou na poltrona ao meu lado, e finalmente começou a abrir o jogo:
- Cristiana, obrigada por ter vindo. Já estava na hora de nos conhecermos, não é mesmo? Eu já havia dito pro Fellipe, " filho, já passou da hora de você trazer essa garota para eu conhecer, ela vai pensar que você não tem família! Ou no mínimo, que tem uma mãe desnaturada! - ela riu, simpática. Mas eu não estava entendendo nada. Ela continuou falando:
- Não sei o que deu no meu filho, ultimamente. Disse que não te traria aqui em casa de jeito nenhum, então eu tive que te chamar para vir aqui sem ele saber, vê se pode. Mas eu não poderia deixar de conhecer a namorada do meu filho, você precisa ver o quanto ele gosta de você. Quem sabe dê até casamento, hein? - ela piscou um olho, sorrindo. Enquanto isso, eu estava em pleno estado de choque.
- C-como é que é? - foi a única coisa que eu consegui dizer.
- Ah, querida, desculpe, já estou te assustando com essa história de casamento, você é tão jovem e bonita, não deve estar pensando nisso agora. Mas o namoro de vocês, pelo visto, está indo super bem! E eu vou ser uma ótima futura sogra, pode apostar. - ela falava toda empolgada. E eu estava perplexa.
- Senhora, o Fellipe não é meu namorado!
Dona Rosa quase caiu da cadeira.
- Vocês terminaram? - sussurrou ela, com olhos arregalados.
- Dona Rosa, eu nunca nem namorei o seu filho! De onde tirou essa ideia?
Ela ficou ainda mais assustada.
- Meu Deus! Vocês nunca namoraram?
- Não, claro que não.
- Meu São Crispim, isso sim é preocupante.
- Senhora, você poderia me explicar o que está acontecendo? Eu não estou entendendo nada.
- Acabei de descobrir porque ele não queria que você viesse até aqui. Cristiana, durante praticamente um mês, o Fellipe me fala todo dia que você é a namorada dele.
- Meu Deus! De onde ele tirou isso? Somos só colegas de sala e parceiros de patinação. Nunca namoramos, e nem vamos namorar um dia. Eu tenho namorado.
- Oh-oh. Isso não é bom. Isso não é nada bom. Ai, mas que coisa desagradável. Logo agora, que o Fellipe parecia tão confiante, tão feliz. Não acredito que ele possa estar ficando doente de novo... - disse ela, frustrada.
- Doente?
- Bem, o Fellipe já apresentou alguns problemas psiquiátricos alguns anos atrás. Isso pode ser um sinal de que esses problemas podem estar voltando... Quer dizer, não é normal um garoto dizer á mãe que namora uma menina que ele não namora, pelo menos acho que não. Ai, mais essa agora. Minha vida estava tão feliz, meu filho parecia tão bem...
- Sinto muito, dona Rosa, mas...
- Não precisa dizer nada, Cristiana. Eu é que tenho que me preocupar. Venha comigo, vou te mostrar uma coisa.
Eu segui a senhora por alguns corredores, e subimos uma escada. ela se deteve em frente á uma porta.
- Esse é o quarto do meu filho. Ele proibiu todos da casa de entrarem aí. - Corajosamente, a mulher abriu a porta do quarto, revelando um lugar espaçoso, e que tinha tudo para ser bonito, se não fosse tão mal-cuidado. Estava todo bagunçado, não havia uma sequer coisa em ordem. Mas não foi nada disso que chamou a minha atenção. O mais surpreendente foram as fotos que ele colara na parede do quarto.
Observei uma a uma, sentindo meu estômago palpitar. A parede do quarto estava coberto de fotos minhas. Dezenas delas, coladas desarrumadamente, em várias posições. Fotos que eu não tinha ideia em como ele conseguira, até me tocar que ele estava tirando fotos minhas escondido, e eu não conseguia pensar em um bom motivo para que ele fizesse isso. Ele havia até tirado algumas fotos minhas com o Bernardo. Nessas fotos, ele havia rasgado, feito um buraco aonde deveria estar a cabeça do Bernardo. Me arrepiei todinha em ver aquelas fotos assustadoras, e havia uma foto que se sobressaía entre as outras. Ela era maior e estava colada bem no centro da parede. Era a foto do Fellipe me beijando, a mesma foto que havia sido mandada para o Bernardo. Depois de ver aquela cena, finalmente a ficha caiu por completo.
- Entendeu minha preocupação agora? - perguntou dona Rosa.
- Com certeza.
- Ainda bem que esse tal campeonato é amanhã, então tudo isso acaba e meu filho volta para a Itália. Só queria te pedir uma coisa, pelo amor de Deus. Não fique brincando com os sentimentos do meu filho.
- Claro, fique tranquila...
- É bom que seja assim.
- Bem, eu tenho mesmo que ir. Obrigada por tudo, e desculpe se...
- Ah, se tem alguém aqui que deveria pedir desculpas sou eu. Sinto incomodá-la, Cristiana. Obrigada por ter vindo!
- Imagina, foi um prazer... eu acho. - ri, e saí da casa mais confusa do que havia entrado.
Capítulo 25
Bernardo Oliveira
Finalmente havia chegado o tão esperado dia do Campeonato Brasileiro de Patinação, que, conforme a tradição, iria ocorrer no Rocket Stone. Melhor para a Cris que fosse lá, porque ela já estava acostumada com o ambiente, conhecia cada centímetro daquela pista de patinação. Do jeito que é a Cris, deve estar morrendo de ansiedade. Como era pleno sábado de manhã, fui até a casa dela.
- Oi, amor da minha vida, preparada para o grande dia? - falei, e ela me beijou antes de responder.
- Ai, acho que sim.
- Que é isso, Cristiana, onde foi parar sua autoconfiança? - falei, rindo do quanto ela parecia nervosa.
- E você ri, né, Bernardo? Nossa, você não tem noção do quanto eu esperei por esse dia. Treinei durante meses só para fazer uma apresentação de quinze minutos hoje, isso sem falar que se eu errar uma coisinha de nada, lá se vai o trabalho de tanto tempo, e... - eu não a interrompi, encostando minha testa na dela.
- Cris. Relaxa. Você é a patinadora mais linda, mais talentosa, mais esforçada de todo o mundo. É impossível você não se sair bem nesse campeonato. - sussurrei.
Ela sorriu. O sorriso mais lindo que eu já vira.
- Só você mesmo pra me tranquilizar numa hora como essas. Eu te amo mais que tudo, sabia?
- É, acho que eu sei, sim. - ela riu e retrucou:
- Metiiiiiido...
- Eu sei, mas é que tendo uma namorada como você, minha autoestima fica meio alta.
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Sete horas da noite. O Rocket estava lotado como nunca estivera antes. Gente pra todos os lados, fotógrafos, quase toda a galera da escola. Pra ser sincero eu estava um pouco nervoso pela Cristiana, afinal, era um momento muito importante pra ela. Mas ao mesmo tempo tinha certeza de que iria dar tudo certo.
Na hora de começar o campeonato, Cristiana já tinha uma mega torcida do Primeira Opção, na qual eu com toda a certeza era o mais animado.
A Cristiana e o Fellipe foram a terceira dupla a se apresentar. Fiquei impressionado, os dois patinam pra caramba! Nossa, e isso sem falar no quanto a Cris estava linda. E devo admitir que apesar de chato, mala e insuportável, o Fellipe patina muito. Ele e a Cris fizeram os saltos com uma precisão absurda, sincronia ótima e um monte de piruetas que eu não faço a mínima ideia de como alguém conseguiria fazer.
As próximas duplas a se apresentarem eram boas, mas fala sério, nada iria ser melhor que a apresentação perfeita dos dois. Eu estava perto da pista de patinação, e na hora da decisão, pude ver perfeitamente o quanto a Cris estava nervosa. Finalmente,a o fim da aflição de todos, foi anunciada a dupla vencedora:
- Fellipe Rodrigues e Cristiana Peres! - O Rocket inteiro gritou e comemorou, mas juro que ninguém estava mais feliz que eu. Tirando a Cristiana, claro. Já estávamos prestes a invadir a pista de patinação, e eu estava ansioso para beijar a mais nova campeã brasileira de patinação artística, mas um fato estragou minha alegria em segundos.
Juntamente a centenas de pessoas eufóricas, eu vi o Fellipe agarrar a minha namorada e beijá-la durante vários segundos. Cristiana estava completamente sem reação, não sabia o que fazer. Mas eu sabia. Ah, se sabia.
- Aonde você vai, Bernardo? - perguntou o Beto, puxando meu braço.
- Vou quebrar a cara desse desgraçado! - invadi a pista de patinação, que a esta altura já estava cheia de gente e fotógrafos.
Estava sentindo o ódio necessário para fazer aquele idiota em pedacinhos, e quando eu estava prestes a acertar a cara dele, Cristiana entrou na minha frente.
- Bernardo, calma!
- Calma uma ova. Esse moleque vai aprender uma lição agora!
Ouvir a voz irritante daquele cretino me deixou com mais raiva ainda:
- Relaxa, cara. Abaixo a violência. - disse ele, com um sorrisinho.
- Vai embora, Fellipe! - gritou Cristiana. - Vaza daqui agora, antes que as coisas piorem.
- Ok. Vou nessa. Tenha uma boa noite, Cris, e depois vê se dá um suquinho de maracujá pro seu namorado estressadinho. - Provocou ele, e depois foi embora. Assim, sem mais nem menos. Sem nenhum arranhão sequer.
Cristiana viu o quanto eu estava com raiva, e me abraçou, tentando me tranquilizar:
- Bernardo. Olha pra mim. Sei que você tem todo o direito de estar com raiva, na verdade, eu também estou. Mas brigar com o Fellipe, na frente de todos esses fotógrafos, só iria piorar as coisas. Hoje é um dia muito importante pra mim, amor.
- Mas, Cristiana, esse moleque... - ela me interrompeu.
- Prometo que as coisas vão ficar melhores. Ele disse que assim que ganhasse o Campeonato, iria voltar pra Itália. Ele vai embora, e tudo voltará a ser como antes.
- Espero que sim. E o mais rápido possível.
Ela sorriu, e me beijou. Não há raiva que resista ao beijo da Cristiana.
Capítulo 26
Cristiana Araújo
Eu estava no meu quarto, com a Nanda. Era um raro dia em que todos estavam reunidos em casa, inclusive o meu pai. E então alguém bateu na porta. Será que era o Bernardo? Corri para abrir a porta antes do meu pai, mas para a minha surpresa, não era o Bernardo, e sim um homem de bigode que eu nunca havia visto antes.
- Cristiana Araújo?
- Eu mesma.
- Posso falar com o senhor Antônio Araújo?
- Claro. - quem respondeu foi meu pai, convidando o homem a entrar.
O senhor se sentou, antes de começar a falar.
- Bem, meu nome é Arnaldo Tavares, eu represento a Scuola Giussepe Agostini, a mais renomada escola de patinação artística da Itália, que fica em Roma. Provavelmente, você já deve ter ouvido falar desta escola, não é? - ele perguntou para mim.
- Sim, já ouvi falar. É escola de patinação em que o Fellipe estuda...
- Isso mesmo. Vim ao Brasil ver a apresentação do Fellipe, mas acabei achando um outro talento que gostaríamos muito de ter em nossa escola. Você me impressionou bastante na apresentação de ontem, Cristiana. Comentei isso com o diretor da escola, e mandei um vídeo da apresentação de vocês para ele. O homem ficou encantado e me mandou aqui te fazer uma proposta.
Ai, meu Deus. Ansiosa, esperei o homem continuar.
- Queremos que você faça parte da equipe de patinação da nossa escola, e para isso, estamos te oferecendo uma bolsa de estudos integral, juntamente com uma boa ajuda de custo para você se manter na Itália. Caso você aceite, na semana que vem você já estará estudando na melhor escola de patinação artística da Itália. E então, o que vocês me dizem?
Troquei olhares com meu pai, chocada. Ele estava exultante, sorrindo. Afinal, não é todo dia que se tem uma oportunidade como essa.
- Filha, isso é maravilhoso! Essa é a oportunidade que você sempre desejou em toda a sua vida! - e ele tinha razão. Era mesmo meu sonho. Mas uma coisa estava me incomodando.
- Desculpe a pergunta, senhor, mas o Fellipe tem alguma coisa a ver com isso? - perguntei, intrigada.
O homem sorriu, satisfeito.
- Claro, se não fosse o Fellipe ter me convidado a assistir o Campeonato Brasileiro de Patinação, e nem sugerido que eu enviasse o vídeo da apresentação de vocês para o diretor, eu nunca teria encontrado uma atleta tão talentosa! - Ótimo. Era bom demais para ser verdade. Era só mais uma armação do Fellipe para que eu me aproximasse dele, e automaticamente, me separasse do Bernardo.
- Seu Tavares, é uma oportunidade excelente, mas não sei se poderia me separar da minha família, dos meus amigos... - comecei a achar um jeito de recusar sutilmente, mas meu pai dificultou:
- Acho que a Cristiana precisa pensar um pouco nisso. Tem algum problema?
- Não, claro que não. Mas preciso da resposta em breve, o diretor está ansioso pela sua decisão. Posso retornar aqui amanhã?
- Claro, claro. - disse meu pai.
- Bem, então vou indo, obrigada pela atenção.
- Imagina, nós é que temos de agradecer. Estaremos te aguardando amanhã.
Meu pai fechou a porta e começou a falar, numa empolgação bem maior que a minha.
- NÃO ACREDITO NISSO! Minha filha, estudando patinação na Itália? Eu não te disse que você ia conseguir tudo o que desejasse?
- Parabéns, maninha. - disse Nanda. - Vou começar a arrumar suas malas. - Tradução: VAZA LOGO DA MINHA VIDA! Tentei ignorá-la.
- Sei que é uma proposta maravilhosa, pai, mas... não vou conseguir ficar longe do Bernardo.
- Ai, lá vem a Cristiana com esse papinho insuportável. Até o Bernardo está louco pra se livrar de você! - disse Nanda, e agora estava ficando cada vez mais difícil ficar na minha. Por sorte meu pai interviu.
- Nanda. Pro seu quarto. A vida é da Cristiana, ela faz o que bem entender. - e depois se virando para mim, completou:
- Só espero que você não jogue no lixo uma oportunidade única como essa...
Eu sabia que era, de fato, uma oportunidade única. E a realização de um grande sonho meu. Apesar de tudo isso, eu já tinha minha decisão formada. Não. Eu nunca poderia deixar o Bernardo. Nunca poderia me distanciar de um amor tão intenso quanto o nosso.
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Eu estava na escola, mas naquele exato momento não estava estudando. Estava no Escondidinho, sozinha. Nem eu sabia o que eu tinha, mas eu queria ficar só. Ficar quieta no meu canto, pensando no meu próprio mundinho. Acontece que eu havia cometido um grande erro, que era o de entrar no Escondidinho e esquecer de trancar a porta. Ouvi o barulho de alguém abrindo a porta, e depois trancando. Isso não era nada bom. Mas o pior estava por vir.
- E aí, Cris, tudo bem? - perguntou Fellipe, com um sorriso tranquilo.
- Tirando o fato de que um certo menino chato estragou uma das noites mais importantes das minha vida, só para provocar o meu namorado na frente de todo mundo, estou bem.
- Nossa. Relaxa, Cris. Vamos falar de coisas mais interessantes, como por exemplo, do convite irrecusável que você recebeu de ir estudar patinação na Itália comigo. Não é maravilhoso? Graças a mim, você vai poder realizar seu sonho.
- Ir morar na Itália com você não é um sonho, Fellipe. É um pesadelo.
A expressão do rosto dele mudou imediatamente.
- Você vai aceitar, não vai? - disse ele, em uma voz quase ameaçadora. - Essa é a oportunidade que você sempre quis.
Respirei fundo antes de responder. Precisava ser sincera.
- Não, Fellipe. Eu não vou. Vou ficar aqui com o Bernardo. Não importa se essa é a oportunidade que eu sempre quis. Quero o Bernardo muito mais que qualquer outra coisa, inclusive isso.
Cada palavra que eu havia dito era verdade, mas aquela verdade mexeu com o Fellipe mais profundamente do que eu jamais havia visto. Havia loucura e principalmente ódio, naquele olhar aterrorizante. Ele me olhou como se estivesse prestes a me matar. Meu coração bateu forte, e eu comecei a tremer.
- Fellipe. Me dá a chave, eu vou embora. - falei, e aquele olhar enlouquecido de ódio continuava fixado em mim. Ele nada disse, apenas pegou a chave e guardou no bolso.
- Não. Você fica. - a voz assustadora dele me deu mais medo ainda, e eu me perguntei o que ele poderia fazer.
- Fellipe, eu estou falando sério, deixa eu ir embora daqui agora!
- Já falei que não! - ele me empurrou contra parede, e apertou meu pescoço com uma mão enorme.
- Escuta bem... - rosnou ele - Se você acha que me usou só para ganhar esse campeonato e agora vai se livrar de mim facilmente, está muito enganada. Você é minha, você pertence a mim e a mais ninguém. E você vai pra Itália comigo sim. Você vai!
- Me solta... Está me machucando, Fellipe!
- Cala a boca. Você vai aceitar essa bolsa de estudos e vai comigo pra Itália. Eu não vou viver longe de você, nem por um segundo.
- Eu não vou com você coisa nenhuma, seu perturbado! - consegui falar, arfando.
- Você não entendeu. Eu não estou te dando escolha. Na verdade, você tem duas opções: ou você vai pra Itália comigo ou eu juro, por tudo que há de mais sagrado, juro pelo meu próprio sangue, que eu mato o Bernardo! - Gritou ele, fora de si. Eu gelei completamente. O sangue parou de correr pelas minhas veias, e eu estava tão chocada, que falei sussurrando:
- Você não é um assassino, Fellipe. Você está completamente louco!
- Eu não sou um assassino, mas juro que vou me tornar um se você não for pra Itália comigo. É bom você me levar a sério. Eu não tenho nada a perder, exceto você.
Olhei no fundo daqueles olhos verdes, enquanto ele me prendia contra a parede. Eu sabia que ele era capaz de fazer qualquer coisa, sabia que ele realmente não estava de brincadeira. Eu estremecia só de pensar no que aquele maluco era capaz de fazer com o Bernardo caso eu me recusasse a ir com ele para a Itália.
- A decisão é sua, Cristiana. Vou refazer a pergunta: Você vai ou não aceitar a bolsa de estudos na Itália? - perguntou ele, ameaçadoramente.
- Sim. Vou pra onde você quiser, mas por favor, deixa o Bernardo em paz. Não quero que você chegue nem perto dele, entendeu?
Ele sorriu, vitorioso. Mas não me soltou.
- Ótima decisão. Vou cumprir minha parte se você cumprir a sua. Mas só quero te avisar uma coisa: se você contar isso pra alguém, seu namorado está morto. Ou melhor, ex-namorado. Acho que ele vai ficar meio chateado com você, já que preferiu aceitar uma bolsa de estudos em outro país a ficar com ele. - completou Fellipe, com um sorrisinho satisfeito.
- Aliás, melhor você ir falar essa notícia para ele e para a sua família, não é? - ele me soltou, e eu finalmente pude respirar. Ele destrancou a porta e eu saí correndo dali, enquanto as lágrimas molhavam meu rosto.
Capítulo 27
Bernardo Oliveira
Achei estranho a Cristiana ter marcado um encontro por telefone, e voz dela não estava muito animadora. Havia algo de ruim acontecendo com ela, e eu estava ansioso para descobrir o que era.
Cheguei ao Parque das Rochas, o lugar do encontro. O sol estava meio encoberto por nuvens acinzentadas, mas mesmo assim o dia estava muito bonito.
Cristiana esperava por mim, sentada em um banco, em um lugar meio isolado. Fui até lá e antes mesmo de qualquer coisa, eu a beijei. Nos beijamos intensamente e com paixão, mas eu percebi uma certa urgência naquele beijo. Como se fosse o último, e isso me assustou.
- Cris. Qual é o problema?- perguntei, ao ver que os olhos lindos e hipnotizantes dela estavam cheios de água.
Ela olhou para mim, mas não conseguiu falar nada. Ficou ali parada, e agora as lágrimas escorriam pelo seu rosto silenciosamente. Ela estava sofrendo muito, e eu nunca a havia visto tão triste. A tristeza que Cris sentia se projetou em mim com muito mais intensidade, e eu a abracei, sussurrando no ouvido dela.
- Cris, me escuta. Não importa o que aconteça, eu vou estar aqui com você. Eu vou te proteger e nunca deixarei nada de mal te acontecer. Eu prometo.
- Não. - ela se soltou e se afastou alguns centímetros de mim.
- Por favor, Cristiana. Me diz o motivo do seu choro. - eu queria secar cada uma daquelas lágrimas, e nunca mais deixar que nada a fizesse chorar novamente. Eu estva realmente preocupado, e enfim, ela resolveu falar:
- Recebi uma bolsa de estudos na Itália. - ela falou com a expressão vazia,
mas as lágrimas não paravam de correr pelo rosto dela. - Vou estudar patinação em Roma. Com o Fellipe.
Aquelas palavras me atingiram como um soco. Fiquei alguns segundos tentando processar direito o que ela havia me dito.
- Isso significa que... - tentei falar, mas ela completou a minha frase.
- Que acabou. Namoro á distância não dá certo.
- Você está terminando o namoro comigo? - perguntei, esperando que tudo aquilo fosse um horrível mal-entendido. Mas não era. Com uma voz especialmente amargurada, ela disse:
- Estou. Siga com a sua vida que eu sigo com a minha. - ela saiu correndo e me deixou sozinho ali, sentindo o peso daquelas palavras. Eu nunca havia sentido uma dor tão horrível em toda a minha vida.
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Eu não podia e não conseguia me conformar com aquilo. As palavras da Cristiana me diziam uma coisa, mas os olhos dela me diziam outra coisa completamente diferente! Eu estava confuso, e resolvi, por impulso, passar na casa dela. Eu queria saber o porquê de ela ter feito aquilo. Nada fazia sentido.
Bati na porta e quem abriu foi Antônio, simpático como sempre.
- Oi, Bernardo! - ele sorriu ao me ver. - Entra!
Eu entrei na casa dele, e Cristiana não estava. Só ele e Nanda.
- Oi Bê! - disse Nanda, sorrindo. A galera naquela casa parecia ter visto o passarinho verde.
- Oi.
- E então, Bernardo, como vai? - perguntou Antônio, se sentando ao meu lado na mesa.
- Sinceramente... Não estou nada bem.
- Ah. - compreendeu Antônio. - É por causa da Cristiana, não é?
- Exatamente por isso. Antônio, que história é essa da Cristiana ir pra Itália com o Fellipe?
- Pois é, Bernardo, isso foi uma coisa maravilhosa que aconteceu. Um representante da escola de patinação Giussepe Agustini ofereceu uma bolsa de estudos integral para a Cristiana ir estudar em Roma! Roma, Bernardo! O sonho da Cristiana se tornou realidade, finalmente. Depois de tanto empenho, tanta luta para conseguir isso ela finalmente vai ser uma competidora internacional, e... - Blá. Blá. Blá. O Antônio estava me irritando. E ele só foi perceber isso depois de minutos falando sobre o quanto a escola era boa, sobre o quanto eles esperaram essa chance, e sei lá mais o quê.
- Ai, Bernardo. Desculpa. Você deve estar arrasado, não é?
- É, eu estou.
- A Cristiana terminou mesmo o namoro com você?
- Aham.
- Vou te falar uma coisa como seu amigo. Não fique chateado por a Cris ter feito isso. É uma chance única na vida dela.
- Ainda não vejo o motivo em ter terminado o namoro.
- Bernardo, a Cris fez isso porque não quer prejudicar sua vida. Já que ela vai morar em outro país, não achou justo manter esse namoro e te impedir de conhecer outra garota que possa namorar com você de verdade... Entendeu? Namorar à distância não é bom nem pra você nem pra ela.
- Acha mesmo que a Cristiana vai ser feliz longe da família, dos amigos, morando em um país que ela nem conhece? - perguntei.
- Acho, Bernardo. É claro que eu vou morrer de saudades, mas ela vai estar vivendo a realização do sonho dela. Vai valer a pena.
- E você, Bernardo, tem que desencanar e conhecer outras garotas. - disse a Nanda, e entendi muito bem o interesse dela naquilo.
- Tudo bem. - eu me dei por vencido, ou pelo menos fingi. - Vou nessa. Obrigado, Antônio, tenham um bom dia. - saí da casa deles.
Mesmo depois de ouvir tudo aquilo, eu não estava conformado. E como se conformar com o fim de um amor que parecia infinito? Tudo o que havia acontecido entre mim e a Cris não poderia acabar assim, de um dia pro outro. Não mesmo.
Capítulo 28
Cristiana Araújo
Em toda a minha vida, nunca tinha sentido uma dor como aquela. Não era uma dor física, mas acho que era bem pior. Além da dor, estava sentindo raiva de mim mesma. Será que eu nem podia mentir decentemente? Ficar chorando daquele jeito na frente do Bernardo só servira para deixá-lo pior ainda. Se eu tivesse conseguido mentir bem, convencê-lo de que estava feliz com a minha suposta decisão de ir morar na Itália, quem sabe ele ficasse mais conformado. Ele poderia continuar vivendo a vida dele, certo de que eu estava bem. Mas graças à minha maravilhosa habilidade de mentir isso com certeza não seria possível.
Eu estava fazendo a coisa certa, tinha certeza disso. É claro que me assustava a ideia de morar com um garoto com sérios problemas psicológicos em outro país. Mas era necessário, e se fazer isso fosse necessário para que o Bernardo ficasse em segurança, era isso o que eu faria. Daria minha própria vida por ele.
Eu arrumava minhas malas, com lágrimas nos olhos. Sabia que eu nunca seria feliz novamente, simplesmente por que era impossível ser feliz longe daquele amor tão intenso e verdadeiro. Bernardo. Por mais que estivéssemos longe, aquele nome nunca deixaria meu coração.
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Bernardo Oliveira
- Chega. - sussurrei para mim mesmo. Depois de passar uma noite inteira em claro, me lembrando de cada palavra que ela havia me dito, e de cada lágrima que eu havia visto nos olhos dela há alguns dias atrás, tomei a decisão de que simplesmente não poderia aceitar aquelas palavras que não correspondiam nem um pouco com o olhar dela. Eu não iria deixar ela ir enquanto não tivesse certeza de que ela não me amava mais. Nosso amor era tão forte que nem a morte poderia nos separar. Por que uma maldita bolsa de estudos nos separaria?
Desci as escadas de casa, ignorando a velha frase da minha mãe "Onde você pensa que vai, menino?". Fui direto até a casa da Cristiana, e bati na porta. Fiz tudo isso sem pensar direito no que eu estava fazendo. Tudo que eu queria era olhar no fundo daqueles olhos lindos, e beijá-la novamente, e era isso que eu iria fazer.
O Antônio abriu a porta, e eu não me preocupei em ser educado cumprimentando-o. Apenas disse:
- Quero falar com a Cristiana.
Antônio me olhou um pouco constrangido
- Ela não passou na sua casa? .
- Não.
- Nossa, pensei que ela se despediria de você antes de ir...
- O QUÊ?
- Isso mesmo, Bernardo. Faz pouco tempo que ela foi embora para o aeroporto. O avião da Cristiana e do Fellipe vai sair daqui a pouco.
- Merda. - saí correndo até o meu carro.
Eu dirigia como um louco pelo trânsito congestionado, apertando o acelerador o máximo que eu podia. As pessoas buzinavam e faziam gestos indignados para mim, mas eu não estava me preocupando nem um pouco com isso. Havia uma coisa muito mais importante em jogo.
Cheguei ao aeroporto, e corri desesperadamente pelo saguão. Fiz uma pergunta para a funcionária do aeroporto, e ela disse a frase que eu mais temia ouvir:
- Lamento, mas o voo para Roma acabou de sair. - Ela apontou para as vidraças do aeroporto e eu vi o avião decolar e se perder no céu. Uma dor horrível me atingiu e eu tive certeza de que não suportaria a ausência da pessoa que eu amava mais que minha própria vida.
Capítulo 29
Cristiana Araújo
- Ah, pelo amor de Deus, Cristiana! Chega dessa cara de enterro! - reclamou Fellipe, que estava sentado ao meu lado na poltrona do avião. Eu estava em silêncio, olhando as nuvens pela janela, e pensando em como seria minha vida em outro país, com outro idioma que eu não conhecia, e principalmente, no quanto eu seria infeliz morando com aquele maluco e longe do Bernardo. Fiquei em silêncio e ignorei o Fellipe como se não tivesse dito nada.
- Ficar de cara feia não vai adiantar nada, Cristiana.
- Cala a boca, menino. Me deixa em paz.
Ele sorriu.
- Ah, maravilha. Essa é a Cristiana que eu conheço.
Revirei os olhos e continuei olhando pra janela.
- Ah, Cris, vamos lá. Não vai ser tão ruim assim.
- É, não vai ser ruim. Vai ser péssimo.
- Credo, Cris. Seja otimista.
- Tudo bem, vou ser otimista, já que você quer. A única coisa boa em tudo isso é que o Bernardo está bem e perfeitamente seguro na casa dele.
- Provavelmente, dando uns amassos na Bia.
Fiquei visivelmente irritada com esse último comentário, e ele aproveitou a situação:
- Ou você acha que ele vai ficar lamentando a sua partida? - ele riu. - É claro que agora que vocês terminaram o namoro, ele vai sair pegando qualquer piriguete que aparecer na frente.
- Você não conhece o Bernardo.
- Conheço muito bem. É como todos os outros. Menos eu. Eu sim, te amo. Muito mais do que ele jamais amou.
- É, percebi. - falei ironicamente - Só se pra você o amor consiste em ameaçar uma pessoa apertando o pescoço dela.
- Um dia você vai me agradecer por isso.
Desta vez, fui eu que ri. É claro, me imagino falando pra ele futuramente
" Puxa, Fellipe, nem sei como te agradecer por ter me enforcado e ameaçado matar meu namorado! Valeu! "
- Você não faz a mínima ideia do que é amar alguém, Fellipe. Quando você ama alguém, você abre mão de tudo só para ver essa pessoa feliz. - Eu que o diga. Sabia que a única razão para eu estar viajando para outro país com aquele moleque desprezível era que eu amava o Bernardo.
- E eu vou te fazer feliz. - disse Fellipe. - Eu prometo, Cris, você será feliz como nunca foi antes. Vai ser tratada como uma princesa, juro.
- Faço ideia. - disse, com sarcasmo.
Depois de horas, finalmente o avião pousou no aeroporto de Roma.
Fiquei mais apreensiva ainda enquanto andava por aquele país estranho, com aquelas pessoas que falavam uma língua diferente da minha.
Pegamos um táxi, e eu observava cada detalhe daquela cidade italiana. Era uma cidade linda, mas é óbvio que eu não estava aproveitando aquele passeio que em outras circunstâncias poderia ser bem agradável.
- Cris, foi ótimo o senhor Ludovico ter aceitado minha sugestão de nós dividirmos o apartamento, não foi?
- Como é? Que história é essa e quem é esse Ludovico?
- Ludovico é o diretor da escola de patinação. Ele gostou da ideia de nós dividirmos o mesmo apartamento, até porque o apartamento tem três quartos, sempre ficavam cômodos sobrando...
- Nossa, se eu não te suportava nem durante algumas horas imagina te suportar 24 horas no meu dia... Ai meu Deus, o que eu fiz para merecer isso?
- Nada. Eu sei que você não merecia que um cara tão legal como eu aparecesse na sua vida, mas você teve uma baita sorte, hein? - ele riu e depois completou:
- Bem, quando eu morava sozinho, meu apartamento era no centro da cidade, mas agora que vamos morar juntos, escolhi um lugarzinho mais... reservado.
Gelei. O que será que ele queria dizer com isso?
Minhas dúvidas foram sendo esclarecidas enquanto entrávamos em uma periferia assustadora. Finalmente o carro parou em frente a um prédio cinza e pichado. Algumas roupas ficavam estendidas nas janelas desorganizadamente, e algumas janelas estavam quebradas ou perfuradas. Na frente do prédio, um homem enorme olhava para nós mal-humorado, enquanto fumava seu cigarro. E do lado oposto ao prédio, uma mulher com uma saia curtíssima e batom vermelho nos olhava curiosamente.
É claro que não me senti bem naquele ambiente, mas um nunca pensei que em plena capital da Itália pudesse haver um local como aquele. Acabei observando que desigualdade social existe em qualquer lugar, não apenas no Brasil. Lamentável.
Eu não estava entendendo nada. Fellipe era um cara que tinha muito dinheiro. Logo percebi que ele estava morando ali propositalmente. Acho que ele tinha medo de que eu pudesse pedir ajuda a alguém ou contar que eu não estava ali por vontade própria. Minha impressão era que naquele lugar, ninguém iria se importar comigo, ou ao menos o Fellipe poderia subornar quem ele quisesse.
Ele falou alguma coisa em italiano para o taxista e depois pegou minhas malas e as dele. O táxi foi embora e nós ficamos de frente para aquele cenário bem desagradável.
- Sei que este não é o prédio mais bonito da cidade - disse Fellipe, com um sorrisinho - Mas vai ser um ótimo lugar para nós dois morarmos. Ninguém vai se intrometer na nossa vida, aqui.
- Fellipe, abre logo o jogo. Porque estamos nesse fim de mundo?
- Eu vou te falar porque, já que você quer saber. - Ele procurou uma chave, destrancou a porta de entrada do prédio, e começamos a subir pela escadaria escura e suja. - Se morássemos no centro da cidade, você poderia procurar a polícia ou falar besteiras para algum vizinho, eu não sou tão idiota. É obvio que você iria me denunciar, assim que aprendesse italiano. Mas como eu sou um cara esperto e com a mente altamente desenvolvida... Resolvi morar aqui. Agora, se você quiser me denunciar, fique á vontade para falar com o vendedor de maconha do apartamento 113. - Fellipe soltou uma risada irritante que ecoou pela escadaria escura.
- Eu te odeio com todas as minhas forças.
- Em uma semana isso se transforma em declaração de amor.
Respirei fundo. Passamos por um corredor mal iluminado, e um morador abriu a porta do seu apartamento.
O homem enorme falou alguma coisa com uma voz assustadora para o Fellipe. Depois tomou a mala do Fellipe e se trancou novamente em seu apartamento.
- Droga, em cinco minutos que eu estou nessa merda de prédio já roubaram minha mala! - reclamou ele, indignado. Pela primeira vez desde muito tempo, eu ri.
- É, você realmente é um cara esperto e com a mente altamente desenvolvida - falei, entre risos. - Otário!
- Você só está rindo porque não foi com você... Que meleca, eu perdi meu celular com câmera de 6 megapixels e meus óculos escuros caríssimos! Minha vida estava naquela mala! - ele ficou dando um chilique parecendo uma menininha mimada.
- Coitadinha, a patricinha perdeu o celular dela! Tô morrendo de pena.
- Tem dó, né, Cris. Vamos chegar achar logo esse apartamento antes que aconteça coisa pior.
O apartamento era até arrumadinho. Tinha vários móveis bonitos que não combinavam com aquelas paredes sem pintura. Mas a última coisa que me importava era a decoração daquele apartamento.
- Seu quarto, Cris. Bonitinho, né?
- É. - Entrei no quarto e fechei a porta na cara dele.
- Cris, que foi, fiz alguma coisa de errado? - ele tentou abrir, mas era tarde demais, eu já tinha trancado.
- Não enche, Fellipe, só vou organizar minhas coisas e colocar minhas roupas no armário.
- Ah, tá. - a voz dele soou muito mais aliviada, e eu revirei os olhos. Meu Deus, o que seria de mim? "Pense no Bernardo, Cris. Pense no Bernardo." sussurrei para mim mesma. E então, eu tirei o meu colar do pescoço, e olhei para ele longamente. Me lembrava tantos momentos bons que eu adoraria que nunca tivessem acabado, como no dia em que ele me presenteou com o colar e "pediu minha mão em namoro" ao meu pai. Decidi que aquele colar iria, de alguma forma, me fazer ficar mais perto do Bernardo.
E assim os dias passavam, um após o outro, e, sinceramente, nada me fazia feliz naquele lugar horrível, nem os presentes do Fellipe, nem os treinos de patinação na escola Giussepe Agostini, nem os passeios á lugares turísticos aos quais Fellipe insistia que eu fosse. A única coisa que me deixava um pouquinho mais feliz, além de, é claro, pensar no Bernardo, era quando eu podia falar com meu pai e com a Nanda por telefone. Infelizmente, o Fellipe sempre ficava ao meu lado, controlando tudo que eu pudesse falar ou fazer. Minha vida na Itália era um tédio, e eu nunca havia me sentido tão sozinha em toda a vida.
- Ah, pelo amor de Deus, Cristiana! Chega dessa cara de enterro! - reclamou Fellipe, que estava sentado ao meu lado na poltrona do avião. Eu estava em silêncio, olhando as nuvens pela janela, e pensando em como seria minha vida em outro país, com outro idioma que eu não conhecia, e principalmente, no quanto eu seria infeliz morando com aquele maluco e longe do Bernardo. Fiquei em silêncio e ignorei o Fellipe como se não tivesse dito nada.
- Ficar de cara feia não vai adiantar nada, Cristiana.
- Cala a boca, menino. Me deixa em paz.
Ele sorriu.
- Ah, maravilha. Essa é a Cristiana que eu conheço.
Revirei os olhos e continuei olhando pra janela.
- Ah, Cris, vamos lá. Não vai ser tão ruim assim.
- É, não vai ser ruim. Vai ser péssimo.
- Credo, Cris. Seja otimista.
- Tudo bem, vou ser otimista, já que você quer. A única coisa boa em tudo isso é que o Bernardo está bem e perfeitamente seguro na casa dele.
- Provavelmente, dando uns amassos na Bia.
Fiquei visivelmente irritada com esse último comentário, e ele aproveitou a situação:
- Ou você acha que ele vai ficar lamentando a sua partida? - ele riu. - É claro que agora que vocês terminaram o namoro, ele vai sair pegando qualquer piriguete que aparecer na frente.
- Você não conhece o Bernardo.
- Conheço muito bem. É como todos os outros. Menos eu. Eu sim, te amo. Muito mais do que ele jamais amou.
- É, percebi. - falei ironicamente - Só se pra você o amor consiste em ameaçar uma pessoa apertando o pescoço dela.
- Um dia você vai me agradecer por isso.
Desta vez, fui eu que ri. É claro, me imagino falando pra ele futuramente
" Puxa, Fellipe, nem sei como te agradecer por ter me enforcado e ameaçado matar meu namorado! Valeu! "
- Você não faz a mínima ideia do que é amar alguém, Fellipe. Quando você ama alguém, você abre mão de tudo só para ver essa pessoa feliz. - Eu que o diga. Sabia que a única razão para eu estar viajando para outro país com aquele moleque desprezível era que eu amava o Bernardo.
- E eu vou te fazer feliz. - disse Fellipe. - Eu prometo, Cris, você será feliz como nunca foi antes. Vai ser tratada como uma princesa, juro.
- Faço ideia. - disse, com sarcasmo.
Depois de horas, finalmente o avião pousou no aeroporto de Roma.
Fiquei mais apreensiva ainda enquanto andava por aquele país estranho, com aquelas pessoas que falavam uma língua diferente da minha.
Pegamos um táxi, e eu observava cada detalhe daquela cidade italiana. Era uma cidade linda, mas é óbvio que eu não estava aproveitando aquele passeio que em outras circunstâncias poderia ser bem agradável.
- Cris, foi ótimo o senhor Ludovico ter aceitado minha sugestão de nós dividirmos o apartamento, não foi?
- Como é? Que história é essa e quem é esse Ludovico?
- Ludovico é o diretor da escola de patinação. Ele gostou da ideia de nós dividirmos o mesmo apartamento, até porque o apartamento tem três quartos, sempre ficavam cômodos sobrando...
- Nossa, se eu não te suportava nem durante algumas horas imagina te suportar 24 horas no meu dia... Ai meu Deus, o que eu fiz para merecer isso?
- Nada. Eu sei que você não merecia que um cara tão legal como eu aparecesse na sua vida, mas você teve uma baita sorte, hein? - ele riu e depois completou:
- Bem, quando eu morava sozinho, meu apartamento era no centro da cidade, mas agora que vamos morar juntos, escolhi um lugarzinho mais... reservado.
Gelei. O que será que ele queria dizer com isso?
Minhas dúvidas foram sendo esclarecidas enquanto entrávamos em uma periferia assustadora. Finalmente o carro parou em frente a um prédio cinza e pichado. Algumas roupas ficavam estendidas nas janelas desorganizadamente, e algumas janelas estavam quebradas ou perfuradas. Na frente do prédio, um homem enorme olhava para nós mal-humorado, enquanto fumava seu cigarro. E do lado oposto ao prédio, uma mulher com uma saia curtíssima e batom vermelho nos olhava curiosamente.
É claro que não me senti bem naquele ambiente, mas um nunca pensei que em plena capital da Itália pudesse haver um local como aquele. Acabei observando que desigualdade social existe em qualquer lugar, não apenas no Brasil. Lamentável.
Eu não estava entendendo nada. Fellipe era um cara que tinha muito dinheiro. Logo percebi que ele estava morando ali propositalmente. Acho que ele tinha medo de que eu pudesse pedir ajuda a alguém ou contar que eu não estava ali por vontade própria. Minha impressão era que naquele lugar, ninguém iria se importar comigo, ou ao menos o Fellipe poderia subornar quem ele quisesse.
Ele falou alguma coisa em italiano para o taxista e depois pegou minhas malas e as dele. O táxi foi embora e nós ficamos de frente para aquele cenário bem desagradável.
- Sei que este não é o prédio mais bonito da cidade - disse Fellipe, com um sorrisinho - Mas vai ser um ótimo lugar para nós dois morarmos. Ninguém vai se intrometer na nossa vida, aqui.
- Fellipe, abre logo o jogo. Porque estamos nesse fim de mundo?
- Eu vou te falar porque, já que você quer saber. - Ele procurou uma chave, destrancou a porta de entrada do prédio, e começamos a subir pela escadaria escura e suja. - Se morássemos no centro da cidade, você poderia procurar a polícia ou falar besteiras para algum vizinho, eu não sou tão idiota. É obvio que você iria me denunciar, assim que aprendesse italiano. Mas como eu sou um cara esperto e com a mente altamente desenvolvida... Resolvi morar aqui. Agora, se você quiser me denunciar, fique á vontade para falar com o vendedor de maconha do apartamento 113. - Fellipe soltou uma risada irritante que ecoou pela escadaria escura.
- Eu te odeio com todas as minhas forças.
- Em uma semana isso se transforma em declaração de amor.
Respirei fundo. Passamos por um corredor mal iluminado, e um morador abriu a porta do seu apartamento.
O homem enorme falou alguma coisa com uma voz assustadora para o Fellipe. Depois tomou a mala do Fellipe e se trancou novamente em seu apartamento.
- Droga, em cinco minutos que eu estou nessa merda de prédio já roubaram minha mala! - reclamou ele, indignado. Pela primeira vez desde muito tempo, eu ri.
- É, você realmente é um cara esperto e com a mente altamente desenvolvida - falei, entre risos. - Otário!
- Você só está rindo porque não foi com você... Que meleca, eu perdi meu celular com câmera de 6 megapixels e meus óculos escuros caríssimos! Minha vida estava naquela mala! - ele ficou dando um chilique parecendo uma menininha mimada.
- Coitadinha, a patricinha perdeu o celular dela! Tô morrendo de pena.
- Tem dó, né, Cris. Vamos chegar achar logo esse apartamento antes que aconteça coisa pior.
O apartamento era até arrumadinho. Tinha vários móveis bonitos que não combinavam com aquelas paredes sem pintura. Mas a última coisa que me importava era a decoração daquele apartamento.
- Seu quarto, Cris. Bonitinho, né?
- É. - Entrei no quarto e fechei a porta na cara dele.
- Cris, que foi, fiz alguma coisa de errado? - ele tentou abrir, mas era tarde demais, eu já tinha trancado.
- Não enche, Fellipe, só vou organizar minhas coisas e colocar minhas roupas no armário.
- Ah, tá. - a voz dele soou muito mais aliviada, e eu revirei os olhos. Meu Deus, o que seria de mim? "Pense no Bernardo, Cris. Pense no Bernardo." sussurrei para mim mesma. E então, eu tirei o meu colar do pescoço, e olhei para ele longamente. Me lembrava tantos momentos bons que eu adoraria que nunca tivessem acabado, como no dia em que ele me presenteou com o colar e "pediu minha mão em namoro" ao meu pai. Decidi que aquele colar iria, de alguma forma, me fazer ficar mais perto do Bernardo.
E assim os dias passavam, um após o outro, e, sinceramente, nada me fazia feliz naquele lugar horrível, nem os presentes do Fellipe, nem os treinos de patinação na escola Giussepe Agostini, nem os passeios á lugares turísticos aos quais Fellipe insistia que eu fosse. A única coisa que me deixava um pouquinho mais feliz, além de, é claro, pensar no Bernardo, era quando eu podia falar com meu pai e com a Nanda por telefone. Infelizmente, o Fellipe sempre ficava ao meu lado, controlando tudo que eu pudesse falar ou fazer. Minha vida na Itália era um tédio, e eu nunca havia me sentido tão sozinha em toda a vida.
Capítulo 30
Bernardo Oliveira
- Ficou maluco, Bernardo? Como assim, ir pra Itália? - disse minha mãe.
- Simplesmente impossível. - meu pai, é claro, não autorizou.
- Eu já decidi.
- Você pensa que eu nasci ontem? Você só quer ir pra Itália por causa da Cristiana! Meu filho, essa menina nem lembra mais que você existe! Ela foi embora porque quis, se ela te amasse mesmo ela teria ficado, será que não percebe? - era justamente essa a pergunta que me perseguia todos os dias. Se ela amasse mesmo, não teria ficado? Um dia antes de me dizer que iria morar na Itália, Cristiana disse que me amava, e quando eu olhei nos olhos dela, tive certeza de que isso era verdade. Por que, de um dia para o outro, isso acabaria?
- E além disso... - continuou meu pai - Até parece que vou deixar você perder aula só pra ficar correndo atrás de uma menina em outro país!
- Que perder aula o quê! Esqueceu que eu entro de férias daqui a dois dias?
- Mesmo assim, não autorizamos você a ir pra lugar nenhum.
- Não importa. Eu vou de qualquer jeito.
- Vai pra outro país só para ver uma menina, era só o que me faltava. - reclamou meu pai.
- Você sabe que eu sempre quis conhecer o Coliseu de Roma... - menti, era óbvio que eu não queria ir por causa de coliseu nenhum. Na verdade, eu não queria, eu PRECISAVA ver a Cristiana. Era simplesmente uma necessidade, um impulso totalmente incontrolável que poderia me fazer ir até á Patagônia, se a Cristiana estivesse lá. Além dessa necessidade, somava-se o fato de eu achar que a Cris não estava bem, com aquele menino perturbado.
- Você nem sabe o que é um coliseu, arranja uma mentira melhor...
- Quer saber? - resolvi abrir o jogo. - Estou mesmo querendo ir para a Itália só para ver a Cristiana, e é isso o que eu vou fazer.
- E você acha que para viajar para outro país é fácil assim, Bernardo? Precisa de passaporte, visto, um monte de coisas que você não vai conseguir.
- Isso é o que nós vamos ver. - subi para o meu quarto e liguei para o Renato. Ele disse que poderia me ajudar a arrumar um visto para a Itália, se eu fingisse ir fazer um show lá.
- Dentro de uma semana, arrumo pra você o visto e o passaporte. - disse Renato, e eu agradeci, satisfeito. É claro que eu ficaria ansioso por uma semana, mas o que importa é que eu iria para a Itália.
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Imaginei que aquela seria a semana mais longa da minha vida, mas a minha vontade de ver Cristiana era tão grande, que a semana passou muito rápido.
- Ai, filho, vê se não vai fazer besteira, pelo amor de Deus! - disse minha mãe, me abraçando. Depois de uma semana, ela teve que se adaptar á ideia de que eu iria para a Itália.
- Você é maluco. Quando volta?- perguntou Clarinha.
- Maninha, eu não vou demorar. Credo gente, vocês agem como se eu fosse morar na Itália. Tchau, minha pirralha favorita. - ela me abraçou e meu pai também.
- Tem certeza que vai fazer essa maluquice?
Eu ri.
- Tchau, família, assim que puder eu ligo.
Enquanto dirigia o carro rumo ao aeroporto, fiquei pensando nos motivos que estavam me levando a Itália. Quer dizer, o motivo eu já sabia bem qual era, mas a grande possibilidade era de eu chegar a Roma, conseguir encontrar Cristiana e ela estiver perfeitamente feliz e realizada por estar fazendo o que sempre sonhou. E aí, o que eu faria? Diria: "Cristiana, largue tudo e vem pro Brasil comigo"? Era uma coisa bem sem sentido ir pra Itália, mas eu precisava fazer isso. Enquanto eu estava parado no semáforo, pensei em uma coisa de arrepiar, uma coisa que eu deveria ter considerado há muito tempo.
Talvez a Cristiana tenha ido para a Itália não apenas por causa da patinação. Imaginei o quanto seria horrível chegar em Roma e encontrar Cristiana namorando com o Fellipe. Sim, por mais que eu me recusasse a pensar nessa possibilidade, ela existia. E depois de pensar nisso, fiquei ainda mais ansioso para chegar á Itália. Finalmente, depois de esperar duas horas e vinte minutos no aeroporto, entrei no avião. Em algumas horas, eu estaria na mesma cidade que a Cristiana.
Capítulo 31
Cristiana Araújo
Eu estava em uma lanchonete, com o Fellipe. Ele tagarelava sem parar, falando de alguma coisa que eu não estava nem um pouco interessada em escutar. Eu estava distraída olhando para o meu colar.
- Nem dá pra acreditar no que ele disse, né? - quem disse e o quê disse, eu não fazia ideia.
- Ahã. É.
- Cristiana, eu comprei outra coisa muito linda pra você. Desta vez, você vai adorar. - ele me deu uma caixinha. Era uma joia, quer dizer, mais uma joia.
- Fellipe, já falei pra você gastar seu dinheiro com coisas mais úteis. Aposto que se eu entrar naquele prédio com isso, a primeira coisa que vão fazer é me assaltar. - falei, e eu me chateava toda vez que ele achava que podia me comprar com presentinhos caros.
- Você é uma mal-agradecida.
- Tá bom, Fellipe, desculpe. - falei, exaustivamente. - Bonito esse colar.
- Então, use. - Com toda a certeza, não! Eu nunca poderia tirar o colar que Bernardo me dera para usar aquela ela coisa. Não mesmo. Mas eu não disse isso para ele, é claro, porque se ele soubesse que o meu colar era tão importante para mim por causa do Bernardo, ele exigiria que eu nunca mais usasse. Resolvi desconversar.
- Ah, tá, vamos logo pra casa, já terminei de comer. A comida daqui é ótima, né?
- Ahã. - ele olhou para mim desconfiado. Me fiz de desentendida e fui logo entrando no carro.
No caminho para casa, ele voltou a conversar sobre o ano em que ganhou um campeonato há três anos atrás, e é óbvio que eu não estava prestando atenção. As conversas da minha avó eram muito mais interessantes que as dele.
- O que você teria feito no meu lugar, hein, Cris?o,
- Er... Bem, eu... não sei.
- Não ouviu uma palavra do que eu disse. Aliás, você nunca ouve. - disse ele, e desta vez Fellipe estava realmente chateado. Não falei nada, enquanto ele estacionava o carro. Começamos a subir as escadas escuras do apartamento, e eu estava ficando assustada com a expressão no rosto do Fellipe.
- Cansei disso. - disse ele, com uma voz amargurada. - Eu cumpri minha parte do nosso trato. Eu não matei o Bernardo. E é assim que você me agradece.
- Do que você está reclamando, garoto? O trato era que eu viesse pra Itália com você, e em troca, você deixaria o Bernardo em paz. Você cumpriu a sua parte e eu cumpri a minha.
- Não. Você não cumpriu. Você não veio pra Itália coisa nenhuma. Seu corpo está aqui, mas você e todos os seus pensamentos estão no Brasil, com aquele desgraçado! - gritou ele, e eu tremi. Fellipe estava surtando, era visível a loucura que havia nos olhos dele. - Eu queria você por inteiro, não só uma parte de você.
- Não sei do que você está falando. - foi a única coisa que consegui dizer naquele momento.
- Sabe sim. Sabe até demais. Você está aqui, mas só consegue pensar nele! Só sabe ficar aérea, nunca presta atenção em nada que eu digo, nunca retribui as gentilezas que eu te faço, parece que você morreu e esqueceram de te enterrar.
Pior que ele tinha razão.
- E daí, Fellipe? Você sabia disso quando me forçou a vir pra cá. Você pode até tentar me manipular conforme você quer, mas nunca vai poder mandar no meu coração. Meu coração é do Bernardo, e você nunca vai mudar isso.
Ele se deteve no meio do corredor.
- Então você não serve pra mim. - disse ele, com um olhar assustador. Depois seus olhos fitaram o colar em meu pescoço durante longos segundos, e quase automaticamente, levei minhas mãos ao pingente do colar, como se assim eu pudesse proteger a última coisa que me restava do Bernardo.
- Foi o seu namoradinho estúpido que te deu isso, não foi?
Eu não respondi. Estava assustada demais para isso.
Ele deu um sorriso malicioso e colocou a mão na corrente do meu colar.
- Vai doer um pouquinho. - Fechei os olhos e senti ele puxar a corrente do meu pescoço com toda a força. A corrente metálica foi pressionada violentamente contra minha pele, cortando minha nuca. Quando finalmente o colar se rompeu, Fillipe jogou o colar manchado de sangue no chão, com uma frieza impressionante.
Coloquei a mão na minha nuca, para analisar as proporções daquele corte. Não era grande coisa, mas foi o suficiente para sangrar consideravelmente.
- Você é a pessoa mais desprezível que eu já conheci. - falei, certa de que esta era uma verdade absoluta.
Ele me pegou com força no meu braço, me levando até o apartamento.
- Me solta, seu nojento, você está me machucando, me solta! - gritei, na esperança de algum vizinho aparecer para ajudar. Mas é lógico que não apareceu ninguém, eles apenas fingiram não escutar.
Ele entrou no apartamento e fechou a porta. Ele fechou uma das trancas e depois finalmente me soltou.
- Qual o seu problema, pirou de vez? - perguntei, mas aquela pergunta não era necessária. Lógico que ele estava completamente pirado.
- Cala a boca. - disse ele, com uma expressão de ódio intensa. - Este tempo todo que você esteve aqui, você nunca olhou pra mim, nunca prestou atenção em mim, nunca retribuiu tudo de bom que eu te fiz.
- Se eu tivesse que retribuir as coisas que você me fez, pode crer que você seria um cara muito infeliz. - ele ignorou o que eu disse e continuou:
- Eu queria que a Cristiana que eu conheci na pista de patinação do Rocket, aquela mesma Cristiana, estivesse aqui comigo na Itália. Mas você não é mais aquela garota que eu conhecia. Não mesmo. Você nunca me amou do modo que eu merecia ser amado - disse ele, com um olhar assustador - e eu cansei de ser rejeitado. Agora já chega. É melhor não ter você do que te ter desse jeito, fria e distante.
- Então me deixa voltar pro Brasil... Eu nunca vou ser feliz aqui. Por favor, prove que me ama de verdade, e me deixe voltar! - pedi, enquanto o sangue que escorria lentamente da minha nuca manchava minha blusa branca.
Ele riu.
- Você não volta pro seu namoradinho ridículo nem por cima do meu cadáver, entendeu? Eu quero que compreenda uma coisa. Se você não for minha, Cristiana, você não vai ser de mais ninguém.
- O... O que você quer dizer com isso? - perguntei, com meu coração batendo forte.
- Quero dizer, Cristiana... Que prefiro te ver morta do que te ver com aquele menino. E, pelo jeito, este tempo que você ficou longe dele não foi suficiente para tirá-lo da sua cabeça. Então, isso me faz pensar... Quem sabe se algo supostamente trágico acontecesse com o seu namorado e ele deixasse de existir, sabe? Quem sabe assim você conseguiria esquecê-lo? - disse ele, em tom de ameaça. Eu estremeci completamente, e agora sim, eu estava com muito, muito medo.
- Escuta, Fellipe... - falei, tremendo - Nós fizemos um acordo, e você prometeu que não faria nada contra o Bernardo, por tudo que é mais sagrado, Fellipe, cumpra o que prometeu. - eu implorei, com lágrimas nos olhos.
- E por quê eu faria isso? Você também não cumpriu a sua parte do acordo, e eu não preciso cumprir a minha.
- Absolutamente nada vai me fazer esquecer o Bernardo. Se você matá-lo... - pausei alguns segundos, sentindo uma dor enorme em pensar nessa possibilidade - Mesmo que você o mate, eu vou continuar amando o Bernardo. E se você fizer isso, eu vou te odiar mais do que é possível odiar alguém. Eu nunca vou te perdoar, eu vou te odiar enquanto eu viver, entendeu? - gritei essa última frase.
Pela primeira vez, vi uma certa expressão de derrota do rosto dele. Mas muito mais que o sentimento de derrota, uma fúria inexplicável tomava conta dele.
- Então se é assim... - rosnou ele - não existe nenhum motivo para você estar viva.
Eu estava em uma lanchonete, com o Fellipe. Ele tagarelava sem parar, falando de alguma coisa que eu não estava nem um pouco interessada em escutar. Eu estava distraída olhando para o meu colar.
- Nem dá pra acreditar no que ele disse, né? - quem disse e o quê disse, eu não fazia ideia.
- Ahã. É.
- Cristiana, eu comprei outra coisa muito linda pra você. Desta vez, você vai adorar. - ele me deu uma caixinha. Era uma joia, quer dizer, mais uma joia.
- Fellipe, já falei pra você gastar seu dinheiro com coisas mais úteis. Aposto que se eu entrar naquele prédio com isso, a primeira coisa que vão fazer é me assaltar. - falei, e eu me chateava toda vez que ele achava que podia me comprar com presentinhos caros.
- Você é uma mal-agradecida.
- Tá bom, Fellipe, desculpe. - falei, exaustivamente. - Bonito esse colar.
- Então, use. - Com toda a certeza, não! Eu nunca poderia tirar o colar que Bernardo me dera para usar aquela ela coisa. Não mesmo. Mas eu não disse isso para ele, é claro, porque se ele soubesse que o meu colar era tão importante para mim por causa do Bernardo, ele exigiria que eu nunca mais usasse. Resolvi desconversar.
- Ah, tá, vamos logo pra casa, já terminei de comer. A comida daqui é ótima, né?
- Ahã. - ele olhou para mim desconfiado. Me fiz de desentendida e fui logo entrando no carro.
No caminho para casa, ele voltou a conversar sobre o ano em que ganhou um campeonato há três anos atrás, e é óbvio que eu não estava prestando atenção. As conversas da minha avó eram muito mais interessantes que as dele.
- O que você teria feito no meu lugar, hein, Cris?o,
- Er... Bem, eu... não sei.
- Não ouviu uma palavra do que eu disse. Aliás, você nunca ouve. - disse ele, e desta vez Fellipe estava realmente chateado. Não falei nada, enquanto ele estacionava o carro. Começamos a subir as escadas escuras do apartamento, e eu estava ficando assustada com a expressão no rosto do Fellipe.
- Cansei disso. - disse ele, com uma voz amargurada. - Eu cumpri minha parte do nosso trato. Eu não matei o Bernardo. E é assim que você me agradece.
- Do que você está reclamando, garoto? O trato era que eu viesse pra Itália com você, e em troca, você deixaria o Bernardo em paz. Você cumpriu a sua parte e eu cumpri a minha.
- Não. Você não cumpriu. Você não veio pra Itália coisa nenhuma. Seu corpo está aqui, mas você e todos os seus pensamentos estão no Brasil, com aquele desgraçado! - gritou ele, e eu tremi. Fellipe estava surtando, era visível a loucura que havia nos olhos dele. - Eu queria você por inteiro, não só uma parte de você.
- Não sei do que você está falando. - foi a única coisa que consegui dizer naquele momento.
- Sabe sim. Sabe até demais. Você está aqui, mas só consegue pensar nele! Só sabe ficar aérea, nunca presta atenção em nada que eu digo, nunca retribui as gentilezas que eu te faço, parece que você morreu e esqueceram de te enterrar.
Pior que ele tinha razão.
- E daí, Fellipe? Você sabia disso quando me forçou a vir pra cá. Você pode até tentar me manipular conforme você quer, mas nunca vai poder mandar no meu coração. Meu coração é do Bernardo, e você nunca vai mudar isso.
Ele se deteve no meio do corredor.
- Então você não serve pra mim. - disse ele, com um olhar assustador. Depois seus olhos fitaram o colar em meu pescoço durante longos segundos, e quase automaticamente, levei minhas mãos ao pingente do colar, como se assim eu pudesse proteger a última coisa que me restava do Bernardo.
- Foi o seu namoradinho estúpido que te deu isso, não foi?
Eu não respondi. Estava assustada demais para isso.
Ele deu um sorriso malicioso e colocou a mão na corrente do meu colar.
- Vai doer um pouquinho. - Fechei os olhos e senti ele puxar a corrente do meu pescoço com toda a força. A corrente metálica foi pressionada violentamente contra minha pele, cortando minha nuca. Quando finalmente o colar se rompeu, Fillipe jogou o colar manchado de sangue no chão, com uma frieza impressionante.
Coloquei a mão na minha nuca, para analisar as proporções daquele corte. Não era grande coisa, mas foi o suficiente para sangrar consideravelmente.
- Você é a pessoa mais desprezível que eu já conheci. - falei, certa de que esta era uma verdade absoluta.
Ele me pegou com força no meu braço, me levando até o apartamento.
- Me solta, seu nojento, você está me machucando, me solta! - gritei, na esperança de algum vizinho aparecer para ajudar. Mas é lógico que não apareceu ninguém, eles apenas fingiram não escutar.
Ele entrou no apartamento e fechou a porta. Ele fechou uma das trancas e depois finalmente me soltou.
- Qual o seu problema, pirou de vez? - perguntei, mas aquela pergunta não era necessária. Lógico que ele estava completamente pirado.
- Cala a boca. - disse ele, com uma expressão de ódio intensa. - Este tempo todo que você esteve aqui, você nunca olhou pra mim, nunca prestou atenção em mim, nunca retribuiu tudo de bom que eu te fiz.
- Se eu tivesse que retribuir as coisas que você me fez, pode crer que você seria um cara muito infeliz. - ele ignorou o que eu disse e continuou:
- Eu queria que a Cristiana que eu conheci na pista de patinação do Rocket, aquela mesma Cristiana, estivesse aqui comigo na Itália. Mas você não é mais aquela garota que eu conhecia. Não mesmo. Você nunca me amou do modo que eu merecia ser amado - disse ele, com um olhar assustador - e eu cansei de ser rejeitado. Agora já chega. É melhor não ter você do que te ter desse jeito, fria e distante.
- Então me deixa voltar pro Brasil... Eu nunca vou ser feliz aqui. Por favor, prove que me ama de verdade, e me deixe voltar! - pedi, enquanto o sangue que escorria lentamente da minha nuca manchava minha blusa branca.
Ele riu.
- Você não volta pro seu namoradinho ridículo nem por cima do meu cadáver, entendeu? Eu quero que compreenda uma coisa. Se você não for minha, Cristiana, você não vai ser de mais ninguém.
- O... O que você quer dizer com isso? - perguntei, com meu coração batendo forte.
- Quero dizer, Cristiana... Que prefiro te ver morta do que te ver com aquele menino. E, pelo jeito, este tempo que você ficou longe dele não foi suficiente para tirá-lo da sua cabeça. Então, isso me faz pensar... Quem sabe se algo supostamente trágico acontecesse com o seu namorado e ele deixasse de existir, sabe? Quem sabe assim você conseguiria esquecê-lo? - disse ele, em tom de ameaça. Eu estremeci completamente, e agora sim, eu estava com muito, muito medo.
- Escuta, Fellipe... - falei, tremendo - Nós fizemos um acordo, e você prometeu que não faria nada contra o Bernardo, por tudo que é mais sagrado, Fellipe, cumpra o que prometeu. - eu implorei, com lágrimas nos olhos.
- E por quê eu faria isso? Você também não cumpriu a sua parte do acordo, e eu não preciso cumprir a minha.
- Absolutamente nada vai me fazer esquecer o Bernardo. Se você matá-lo... - pausei alguns segundos, sentindo uma dor enorme em pensar nessa possibilidade - Mesmo que você o mate, eu vou continuar amando o Bernardo. E se você fizer isso, eu vou te odiar mais do que é possível odiar alguém. Eu nunca vou te perdoar, eu vou te odiar enquanto eu viver, entendeu? - gritei essa última frase.
Pela primeira vez, vi uma certa expressão de derrota do rosto dele. Mas muito mais que o sentimento de derrota, uma fúria inexplicável tomava conta dele.
- Então se é assim... - rosnou ele - não existe nenhum motivo para você estar viva.
Capítulo 32
Bernardo Oliveira
O taxista entrou em um bairro horrível, e eu me perguntei se estávamos mesmo indo para o lugar certo. Sinceramente, havia sido uma grande dificuldade achar o endereço da Cris. Primeiro, fui até a tal escola Giussepe Agostini, e tive que usar o pouco que eu sabia de italiano, na verdade,o que eu havia aprendido em uma semana e algumas horas.
Com certa dificuldade, consegui inventar uma história para que a secretária da escola resolvesse me dar o endereço da patinadora Cristiana Peres. Foi difícil, mas finalmente consegui convencê-la, e agora que eu estava em frente ao prédio que indicava o endereço, só podia pensar que era um engano.
O bairro era sinistro, e o prédio parecia abandonado, não fosse o movimento de pessoas muito estranhas que me olhavam com desconfiança.
Desci do táxi e fiquei alguns segundos olhando a fachada do apartamento. Algo me dizia que Cristiana não estava bem. Um cara me parou na porta do apartamento. Maravilha, eu não tinha problemas suficientes mesmo. O carinha mal-encarado disse alguma coisa em o italiano muito rápido, e eu não consegui entender nada. E eu dei uma nota de cinquenta euros e ele saiu da minha frente e até abriu a porta pra mim.
Enquanto subia umas escadas muito escuras, me perguntei o que a Cristiana estava fazendo naquele lugar tenebroso. Meu coração batia num ritmo acelerado, por saber que eu iria encontrar a Cristiana, depois de tanto tempo. Minha preocupação era se eu iria mesmo encontrá-la. Eu sentia que ela estava ali, um sentimento muito, muito ruim me indicava que a Cris podia estar em perigo, com aquele louco do Fellipe.
Passei a pular de dois em dois degraus, e olhei o papel com o número do apartamento. Estava no corredor certo, mas enquanto eu procurava o apartamento, vi algo que confirmou meu pressentimento de que a Cris não estava bem. Jogado no chão do corredor, vi um colar que eu reconheceria onde quer que estivesse, com a corrente arrebentada e manchado de sangue.
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Cristiana Araújo
Talvez ele tivesse mesmo razão. Talvez não houvesse mesmo motivos para eu estar viva. Ele já havia tirado grande parte da minha vida quando me obrigou a deixar o Bernardo.
Mas mesmo assim, eu estava com medo daquele olhar tão assustador e tão louco ao mesmo tempo. Fiquei em silêncio, aguardando o que viria a seguir.
- Sabe, Cristiana... - disse Fellipe, se aproximando de mim. - Você continua se parecendo cada vez mais com a Lucy, sabia?
Lucy. Esse nome me levou imediatamente á uma tarde agradável de treinos de patinação no Rocket, quando eu e Fellipe conversávamos casualmente. Não havia sido há tanto tempo assim, mas pareciam ter se passado anos. Ainda assim, me lembrei claramente de cada uma das palavras que ele dissera sobre minha semelhança com Lucy.
Segundo Fellipe, eu tinha os olhos idênticos aos dela. E eu me lembro também o quanto ele ficou com um brilho estranho no olhar quando disse que ela havia morrido, e o quanto ele havia sofrido com isso : "Fiquei tão mal que minha mãe quase me colocou em uma clínica psiquiátrica. Ela achava que eu estava ficando louco, tendo comportamentos estranhos e anti-sociais, sei lá. Então chego aqui no Brasil, depois de anos, e encontro você, que tem os mesmos olhos, o mesmo sorriso dela. "
Esperei que Fellipe dissesse logo o que queria.
- Você nunca me perguntou como Lucy morreu. - disse ele, com a voz sombria. - Mas hoje, eu vou contar pra você. - ele fez uma pequena pausa, e continuou:
- Ela cortou os pulsos. No quarto. - ele deu uma risadinha. - E a mãe dela nunca entendeu o motivo para ela ter feito isso. Na atestado de óbito dela consta que ela se suicidou, Cristiana. Ou pelo menos, é isso que a polícia acha que aconteceu.
Eu estava tremendo, e depois que ele disso isso, comecei a tremer mais ainda.
- Quer dizer que... - consegui falar - você matou a sua própria namorada?
Ele sorriu, como se tivesse orgulho disso.
- Matei. E sabe porquê eu fiz isso, Cristiana? Por que ela amava outro cara. Essa é a outra semelhança entre vocês. Vocês duas são umas traidoras, e vocês duas merecem a morte.
Agora, olhando naqueles olhos verdes inundados de ódio, eu sabia que ia morrer. Não havia nada que eu pudesse fazer. Ele chegou mais perto de mim, e eu dei um passo pra trás, até ficar de costas para a parede, encurralada.
- Algo a dizer antes de morrer?
- Nem a morte vai me separar do Bernardo.
- Você deveria ter dito uma coisa menos estúpida.
Ele apertou o meu pescoço com toda a força que podia, para me asfixiar. Era um modo horrível e agonizante de morrer. Eu queria respirar, tentava respirar, mas era impossível. Minha visão começou a escurecer, mas antes que eu apagasse completamente, ouvi um barulho forte, da porta sendo arrombada. Alguém entrou no apartamento, e eu usei o último fôlego que tinha para pronunciar seu nome:
- Bernardo.
Capítulo 32
Bernardo Oliveira
A raiva é uma força poderosa. Principalmente quando se une ao desespero de saber que a pessoa que você mais ama pode estar correndo perigo.
E quando eu arrombei a porta daquele apartamento, vi o Fellipe matando a minha namorada. Ele estava apertando o pescoço da Cris, e a pele dela estava com um tom arroxeado.
Juro que nunca havia sentido um sentimento como aquele. Senti um ódio tão violento do Fellipe que é impossível dizer com palavras.
- TIRE SUAS MÃOS DELA AGORA!- Gritei, ao mesmo tempo que dava um soco na cara dele. Com o nariz sangrando, ele jogou Cristiana no chão.
- Que visita mais indesejável - disse ele.
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Cristiana Araújo
Finalmente, ele soltou o meu pescoço e me jogou no chão. Eu arfava desesperadamente, tentando recuperar o ar. Era extremamente difícil respirar, mas eu lutava com todas as minhas forças para isso. Precisava abrir os olhos, queria ver o que estava acontecendo. Com um esforço, olhei á minha volta. Continuava vendo as coisas embaçadas e confusas, mas ainda conseguia entender o que estava acontecendo.
O Bernardo e o Fellipe estavam lutando, e pela quantidade de sangue que escorria do nariz e da boca do Fellipe, o Bernardo estava ganhando. O Fellipe sabia que não conseguiria ganhar a luta, e por isso, eu vi, horrorizada, ele pegando uma cadeira e a jogando na direção do Bernardo, com violência. Bernardo se esquivou da cadeira, e ela se chocou contra a parede, fazendo um barulho enorme. Eles continuaram brigando violentamente, e parecia que aquela briga só iria acabar com a morte de alguém. Eu estremecia completamente ao pensar que essa pessoa poderia ser o Bernardo.
Notei que na mesa ao meu lado estava o celular do Fellipe. Me arrastei com dificuldade e não sei como consegui pegar aquele celular. Talvez fosse meu desespero em fazer algo para ajudar o Bernardo. Liguei para a polícia e consegui pedir ajuda, e não tinha certeza se tinham me ouvido, porque minha voz era um sussurro e eu respirava forçosamente. Tudo o que eu queria era que aquilo acabasse.
Só depois eu percebi que Fellipe viu o que eu havia feito. E então decidiu que era hora de dar no pé antes que a polícia chegasse.
- Você pode ter salvado sua namoradinha dessa vez, Bernardo. Mas eu vou seguir vocês onde quer que estejam, e só vou sossegar quando vocês estiverem mortos. Isso não é uma ameaça. É uma promessa. - disse ele, completamente fora de si, e foi embora, correndo.
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Bernardo Oliveira
- Cris! - eu me sentei ao lado dela e coloquei a cabeça dela no meu colo.
- Você... - disse ela, fazendo um esforço enorme para conseguir falar - se machucou?
Olhei para ela, quase não acreditando no que eu acabara de ouvir. A Cris estava roxa, e os lábios dela estavam com uma cor azul escura. Será que ela não podia se preocupar consigo mesma ao menos uma vez na vida?
- Cris, para com isso, pelo amor de Deus. Não faça eu me sentir pior.
- Mas... - ela ignorou o que eu disse. - seu braço... está... sangrando.
- Isso foi um arranhãozinho, Cris. Não vou nem perguntar se você está bem , porque muito provavelmente você mentiria e diria que sim.
Ela sorriu, ou pelo menos, tentou sorrir, enquanto respirava com dificuldade.
- Vou chamar um médico. - peguei meu celular.
- Não. - sussurrou ela. - Por favor.
- Cris. Você está roxa.
- Eu... estou... bem.
- É, percebi.
- Por favor... Odeio hospital. Só... preciso... de um tempinho... e vou estar... ótima. - Eu peguei a mão da Cris carinhosamente.
- Você sabe que eu te amo mais do que qualquer outra coisa em todo o mundo, não sabe?
Ela sorriu, e já aparentava estar um pouco melhor.
Capítulo 33
Cristiana Araújo
É impressionante em como tudo pode mudar em um segundo. Quando você pensa que é o fim, pode ser apenas o começo. E parecia ser um começo maravilhoso, ao lado do amor da minha vida.
Fellipe não conseguiu fugir da polícia a tempo, o que me deixou muito mais tranquila. Mas ele não foi para a cadeia. Foi para um excelente hospício em São Paulo. Bem mais adequado para um caso como o dele.
Há dois dias atrás, quando eu e o Bernardo estávamos no avião voltando para o Brasil, contei para ele o motivo pelo qual eu tinha ido pra Itália, e não preciso nem dizer o quanto ele ficou revoltado com o que eu havia feito. Mas foi por pouco tempo, afinal, estávamos juntos de novo, era isso que importava.
Em casa, meu pai e a Nanda ficaram super surpresos ao me verem. Meu pai quase deu um troço quando o Bernardo explicou pra ele o motivo pelo qual eu havia ido á Itália, e tudo o que tinha acontecido lá. E quase infartou quando notou as marcas avermelhadas no meu pescoço. Mas passado o susto inicial, ele agradeceu ao Bernardo por ter salvo a minha vida, sorrindo.
A Valentina ficou sabendo que eu havia voltado e saiu contando para todo mundo na escola. A galera organizou no Rocket uma festa surpresa de boas-vindas, e foi o máximo.
Mas eu queria comemorar sozinha com o Bernardo. Por isso, no dia seguinte marquei de fazer um passeio com ele.
- Ótima ideia, Cris. Mas pra onde?
- Surpresa. Você não adora surpresas?
- Ah, Cris, dá uma dica.
- Hum... tá bom. Vamos a um lugar que você adora, que não vai a muito tempo, e que nós nunca fomos juntos.
- Motel? - perguntou ele, todo animadinho.
- Safado! É claro que não! - eu ri e dei um tapa no ombro dele.
- Brincadeirinha Cris. Mas bem que você podia pensar em...
- Nem mais uma palavra, mocinho. - eu o interrompi, e ele me beijou. Como eu havia sobrevivido a passar tanto tempo na Itália sem beijá-lo?
Mais tarde, meu pai perguntou o que eu iria fazer com o dinheiro do prêmio do campeonato de patinação.
- Vou comprar um presentinho pra uma certa pessoa que salvou a minha vida.
- Ah, o amor... é uma coisa linda mesmo - disse meu pai, rindo.
- Vou nessa, pai. Preciso ir resolver uma coisa.
Capítulo 34
Bernardo Oliveira
No horário marcado, cheguei ao Parque das Rochas. A Cris estava no meio de um campo gramado enorme, mas ela não estava sozinha. Estava com o meu... instrutor de balonismo?!
Fiquei sem palavras ao ver, do lado dela, o meu balão. O mesmo balão que eu havia vendido pra pagar a fisioterapia da Cris, há alguns meses atrás, antes mesmo daquele acampamento que mudou nossas vidas para sempre. E agora, depois de tanto tempo, eu estava diante do meu balão de novo.
- Ah, meu Deus. Cris, eu não acredito que você...
- Sim, ela comprou o seu balão de volta. - se intrometeu o Paulo, meu antigo instrutor de balonismo.
Eu fiquei tão feliz em ver aquela cena, que ergui a Cris alguns centímetros do chão para beijá-la. Aquele beijo disse tudo por mim. Absolutamente tudo.
- E então, Bernardo? Preparado para voar comigo? - perguntou ela, com aquele sorriso inexplicavelmente lindo.
- Com toda a certeza!
- Só depois que eu checar todo o equipamento - falou Paulo.
- Prontinho, podem subir - disse ele, alguns minutos depois.
Eu e a Cris subimos no balão.
O balão foi subindo gradativamente. A cor azul do céu estava intensa como nunca, o sol brilhava imponente, e a paisagem era perfeita. Mas não era a paisagem que me admirava. Eu simplesmente não conseguia tirar os olhos da Cristiana. Nada ali poderia ser mais lindo, mais perfeito que ela. Nós nos beijamos com uma paixão impossível de descrever com palavras. Eu desejei que aquele momento durasse para sempre, mas talvez, não fosse necessário ter desejado isso. Onde quer que eu estivesse, ao lado da Cris eu estaria sempre no céu.
Fim