A Ilha Nevada
Capítulo 1
Bernardo Oliveira
A aula estava um porre. Metade da sala estava dormindo, e eu estava quase me juntando a esse grupo. De todos os alunos, apenas a Cristiana olhava atentamente pro professor, com aqueles olhinhos azuis totalmente concentrados. Em todos os anos em que estudamos juntos, desde a quinta série, ela sempre foi a nerd da sala. Parece que as coisas nunca mudam na escola, é sempre a mesma coisa. Desde a quinta série, temos o mesmo grupinho: eu, que era o líder (é claro), a Cris, que reclamava toda vez que eu dizia isso, o Beto, a Maria Cláudia, a Rita, e a Valentina e o Victor. Ah, mas o Victor não estudou com a gente na quinta série, ele só foi entrar pro grupo nesse ano.
O barulho do sinal batendo era o melhor som que eu poderia escutar depois de horas e mais horas sentado olhando pra um monte de palavras e números sendo escritas em um quadro. Não dava pra acreditar que dentro de três dias eu estaria de férias!
E é claro que eu não ia passar 31 dias em casa, assistindo televisão. Eu e a galera tínhamos combinado uma viagem muito louca, e ainda tínhamos a desculpa de que seria uma viagem “educativa”. Quais são as chances de um grupo de adolescentes viajarem sozinhos para outro país e em um jatinho particular? Praticamente nenhuma.
Tivemos uma sorte daquelas ao conseguir essa viagem e por um preço que não seria tão absurdo, em vista do país que queríamos conhecer: o Canadá. O mais difícil foi convencer nossos pais a nos deixarem ir. Mas foi só usar uma palavra mágica: intercâmbio. Com essa palavra, conseguimos os passaportes e as autorizações dos nossos pais, que é claro que não poderiam impedir um grupo de jovens ávidos por conhecimento de conhecer melhor a cultura e a língua de outro país. Ou pelo menos, era isso que eles pensavam.
Na verdade, só queríamos sair daquela rotina chata da escola, nos divertir, zoar muito e fazer um monte de coisas diferentes, como por exemplo, esquiar no gelo, praticar snowboard, fazer bonecos de neve, guerra de neve... E é por isso que nós iríamos para o norte do Canadá em pleno inverno.
A Maria Cláudia quase desistiu de ir quando ficou sabendo que não iríamos ficar num hotel, e sim, em um camping.
- Como é? Está querendo dizer que vamos acampar no meio do gelo? Pirou?
Tivemos que passar séculos explicando que o camping que íamos ficar era seguro, que muitas outras pessoas faziam isso também, que iríamos ter um equipamento de camping especial para baixas temperaturas, etc. Mesmo assim, ela não gostou:
- Isso está me cheirando a um programa de índio daqueles.
- Índio não. – corrigiu Cris, sorrindo – Tá mais pra esquimó.
- Nossa. Mega engraçado, vou rir por séculos. – a Maria Cláudia fingiu odiar a ideia de acampar no gelo, mas no fundo, ela devia estar gostando da aventura.
Pensamos, inicialmente, que acampando iríamos gastar menos, mas não foi isso o que aconteceu. Semanas antes da viagem, tivemos que comprar todo o tipo de roupas de frio, e tanto as barracas como os colchões e sacos de dormir tinham que ser especialmente adaptados como isolantes térmicos, caso contrário, iríamos congelar. Isso sem falar na quantidade absurda de comida e água que compramos para levar. Onde iria caber aquilo tudo?
Faltavam exatamente três dias para a viagem, e tudo já parecia estar pronto. Só faltava mesmo arrumar as malas.
Capítulo 2
Cristiana Araújo
- Amiga, amanhã é o grande dia! Animada? – me perguntou Maria Cláudia pelo telefone, super empolgada.
- E como é que eu não poderia ia estar? Estou contando os segundos para entrar naquele avião.
– E eu estou com a impressão de que estou me esquecendo de colocar alguma coisa muito importante na mala. Ah, hoje temos uma noite do pijama aqui em casa. Minha mãe foi pro motel com o meu pai, e você sabe, eu odeio ficar sozinha em casa. A Rita e a Valentina já me disseram que vêm. Ah, Cris, vem dormir aqui hoje, por favorzinho????? Você aproveita e me ajuda a ver o que eu estou esquecendo de levar.
- Claro que eu vou, Maria Cláudia! Dou um jeito de convencer meu pai.
- Ótimo! Vai ser hiper divertida a nossa noite de garotas.
- Com certeza. Apareço aí na sua casa às oito.
- Sete.
- Sete e meia?
- Feito. Estou te esperando.
Meu pai reclamou um pouco, mas deixou-me ir sem muita dificuldade. Afinal, pra quem já tinha deixado a filha viajar sozinha para outro país, o que seria deixá-la dormir na casa de uma amiga, que era praticamente minha vizinha?
Deixei minhas malas arrumadas, para o caso de eu não ter tempo de arrumar de manhã. O vôo estava programado para 1 hora da tarde, então era bom deixar tudo pronto. Me certifiquei de que eu estava levando tudo o que precisava, e a minhas duas malas estavam quase explodindo.
Quando cheguei na casa a Maria Cláudia, Rita e Valentina já estavam lá. Então, a Maria Cláudia pediu que nós a ajudássemos a ver o que estava faltando. Entramos no enorme quarto cor-de-rosa dela, e ela falou:
- Bem, meninas, essas são as malas que eu vou levar com as minhas coisinhas.
- Coisinhas??????????????? – Rita, Valentina e eu exclamamos ao mesmo tempo, ao olhar seis malas de rodinhas empilhadas.
- Maria Cláudia, está levando sua casa inteira ou só metade dela? – perguntei.
- E eu que achava que estava levando coisas demais. – Valentina comentou, rindo.
- O que tanto você está levando assim? – Rita perguntou.
- Bem... Nada demais, gente. O necessário. Essa mala aqui tem as minhas roupas, casacos de frio, essas coisas. Vocês não têm ideia de como casacos ocupam espaço. Na outra mala, dei um jeito de enfiar a nossa barraca isolante térmica de cinco pessoas... Espero que o Bernardo esteja lembrando de levar a barraca dos meninos. Bem, o resto vocês já sabem, né? Colchões, muita comida, garrafas de água, e essa mala aqui é de utilidades diversas.
- Utilidades diversas? – Valentina perguntou, e, curiosa, abriu a mala.
- Secador de cabelo. – Ela começou a listar. – Chapinha, ferro de passar roupa, maquiagem, pantufas de coelhinho, bichinho de pelúcia, uns duzentos esmaltes, bronzeador...
A essa altura da situação, já estávamos todos morrendo de rir, exceto a Maria Cláudia.
- Não sei qual a graça, estou levando coisas muito úteis... Não tenho culpa de querer estar linda para os garotos canadenses.
- É, com certeza, está levando coisas extremamente úteis. – ironizei, ainda rindo. – Se achar uma tomada no meio da neve, você pode até montar um salão de beleza para as garotas do acampamento.
- Ah, Maria Cláudia, você esqueceu de um coisa muito importante também. – disse Rita.
- O quê?? – ela perguntou, preocupada.
- Seu biquíni e seus óculos de sol, pra você se bronzear na neve com o seu bronzeador.
- Há. Há. Muito engraçado. Nossa, é mesmo! Quase esqueci meus óculos de sol! Ela foi correndo pegá-los e os colocou dentro de uma mala que estava explodindo.
- Que foi? – ela perguntou. – Vocês não sabem que o sol, quando reflete na neve, pode queimar as retinas de vocês? Pelo menos eu vou estar protegida dos raios ultravioleta. Isso sem falar que os óculos de sol podem disfarçar minha cara de sono quando eu estiver sem maquiagem.
- Você não tem jeito mesmo, amiga.- falei.
- Nossa, eu ia deixar de levar outra coisa que também é super importante!
- Lá vem. – disse Valentina.
- Ah, gente, relaxa que essa coisa é realmente indispensável. – Maria Cláudia trouxe uma frasqueira branca de um material resistente. Ela uma maleta de primeiros socorros.
- Ah, finalmente uma coisa realmente útil. – comentei, e aqui a frasqueira, curiosa para saber das coisas que poderiam ter lá dentro. E me interessava bastante pela área de medicina. Tinha praticamente um hospital lá dentro. Todo o tipo de remédios, anestésicos, curativos, tesouras, bisturis, agulha de costurar...
- Agulha de costurar?
- Caso alguém tenha alguma fratura exposta, eu quero ser a primeira a costurar a pele. – disse Maria Cláudia. – deve ser uma sensação bem legal.
- Que medo. Gostar de costurar a pele das pessoas é um dos primeiros sinais da psicopatia, viu, Maria Cláudia? – brinquei.
Ela riu, e completou:
- É brincadeirinha, Cris.
Continuei mexendo na frasqueira e encontrei uma coisa que eu realmente não esperava.
- Camisinha, Maria Cláudia?!
- Para não corrermos o risco de 6 pessoas irem viajar e 7 voltarem da viagem. – explicou ela, rindo.
- Hum, quer dizer que a senhorita tem planos perversos com algum dos nossos amigos? – perguntei, curiosa.
- É claro que não. – disse ela, num tom convincente – Isso é para o caso de você e o Bernardo perceberem que foram feitos um pro outro.
- Uuuuh! –gritaram Rita e Valentina, ao mesmo tempo, ao ver a minha cara furiosa.
- Andou fumando, Maria Cláudia?! Cheirando alguma coisa ilícita?! Tem dó, né? Eu e o Bernardo não temos absolutamente nada a ver.
- Ah, e você acha que me engana, né, Cris? Rola o maior clima entre vocês!
- Isso é verdade, Cristiana. – concordou Valentina.
- Nossa, mas vocês realmente viajaram agora. Eu e o Bernardo, até parece... Nós vivemos brigando e discutindo.
- É assim que começam as melhores histórias de amor. – brincou Rita. Todas pareciam se divertir com o meu constrangimento. Belas amigas eu tenho.
- P-podemos mudar de assunto agora? Que saco!
- Tá bom, Cris, tá bom. – concordou Maria Cláudia, pegando a frasqueira e empilhando em cima das outras malas.
- Agora sim, acho que não está faltando nada.
Capítulo 3
Bernardo Oliveira
Eu mal podia acreditar que o GRANDE dia havia chegado. Estávamos todos muito animados, e mais animados ficamos quando finalmente entramos naquele avião. Na verdade, era um jatinho particular. Fala sério, Bernardo Oliveira viajando sem os pais, para outro país e em um jatinho particular? Parece mais um episódio de “Além da imaginação.”
- Bernardinhooooooooo! – a Maria Cláudia me chamou naquele tom estridente que só ela tem, e eu já sabia muito bem o que ela ia pedir. – Me ajuda com as minhas malinhas, please???
- E eu tenho escolha?
- Não. – quem respondeu foi o Victor, que já estava carregando duas malas cor-de-rosa, que pareciam ter chumbo dentro.
- Não mesmo. – completou o Beto, que estava carregando mais duas malas idênticas.
- Aqui, Bernardinho. Você é um perfeito cavalheiro, viu? – A Cris e a Rita riram estrondosamente.
- Nossa, Maria Cláudia, você realmente está podendo, hein amiga? Três meninos só para carregar suas coisas... – Rita comentou.
Maria Cláudia sorriu para mim, enquanto a única coisa que carregava era uma frasqueirinha de primeiros socorros. Folgada.
- Ah, ouvi rumores sobre essa mala de primeiro socorros, Maria Cláudia. – comentei, rindo.
- Pois é, eu também. Ficando safadinha, Maria Cláudia? – perguntou o Beto.
- Calem a boca e coloquem as malas aí dentro. – Ela disse. Eu, Beto e Victor colocamos aquele monte de malas dentro do jatinho, e depois voltamos para pegar as nossas malas. Enfim, o jatinho ficou abarrotado de coisas, mas por sorte, ainda havia lugar para nós. E ainda sobrou uma poltrona.
- Nossa, vocês estão realmente levando muita coisa, hein? – comentou o piloto, Serjão, sorrindo simpático para nós. – Sentem-se aí e coloquem os cintos, por que vamos decolar agora!
- Nossa, há quanto tempo eu não viajo de avião. Adoro! – disse Cristiana, enquanto afivelava o cinto. Todos nos sentamos e colocamos o cinto, e nenhum de nós calava a boca um segundo. Conversávamos todos ao mesmo tempo, fazendo um zoeira daquelas. Estávamos conversando numa boa, até que o Victor disse para mim e para o Beto, em um tom baixo para que as meninas, que conversavam animadamente entre si, não escutassem:
- Aí galera, eu estou com sérios planos de usar “aquilo” que a MC colocou na mala.
- E com qual das nossas amiguinhas? – o Beto perguntou.
- Com a Cristiana. Aquilo é que é uma gata.
- PODE TIRAR O SEU CAVALINHO DA CHUVA. – rosnei, quase automaticamente.
- Que isso, Bernardo, relaxa. – Victor falou, e o Beto riu.
- Eu devia ter te avisado, cara. O Bernardo é amarradão na Cristiana. – Beto explicou.
- Eu... Eu não sou amarradão na Cris, não viaja, Beto. É só que... Eu acho que o Victor não tem muita chance com ela.
- Mais chance que você, eu com certeza tenho. – Victor provocou, e tive que usar todo o meu autocontrole. Coisa que já me era rara.
- Observe e aprenda. – ele disse, enquanto tirava o cinto, para obviamente, ir sentar na poltrona vazia ao lado dela. Deixar aquela criatura passar o vôo inteirinho arroizando a Cris? Não mesmo. Eu tirei o cinto e sentei na poltrona ao lado da Cris em meio segundo, e ele ficou olhando pra mim com aquela cara de lesado.
- Acho que é você quem precisa aprender, Victor. – falei vitorioso.
- Pô, Bernardo! Sacanagem, hein?
Eu ri, enquanto ele voltava para a poltrona dele indignado.
Mas comecei a achar que talvez ele tivesse razão. Eu devia ter menos chances com a Cris do que ele. Não que eu me importasse com isso... É que... Bem, eu e a Cris éramos realmente muito diferentes. Ela era meio careta, chatinha... Então porque é que eu tinha impedido o Victor de ficar com ela? Eu ainda não sabia direito. Mas uma coisa era certa: tudo o que Cris e eu fazíamos quando estávamos juntos era brigar. Aliás, aí está o meu hobby. Encher o saco da Cris. Coisa que eu ainda não havia feito, então era bom aproveitar a oportunidade.
Ela estava lendo um livro, em vez de conversar ou ficar olhando pela janela, como uma pessoa normal faria. Era realmente estranha aquela garota.
- Tá lendo o quê? – perguntei, e ela tirou os olhos do livro durante cinco segundos para me responder.
- “A menina que roubava livros”. Um best-seller australiano.
- Cris, você já leu a outra versão, “O menino que roubava livros”?
- Não. – ela abaixou o livro e olhou para mim. – E existe essa versão?
- Existe. É mais ou menos assim. – roubei o livro dela e o deixei suspenso no ar, me certificando de que havia erguido o livro alto o suficiente para que ela não pudesse alcançar.
- Muito engraçado, HÁ HÁ. Se você fosse comediante, iria morrer de fome. – ela me disse, ironicamente. – Agora devolve o meu livro.
Eu fiquei rindo com todas as tentativas frustradas dela de pegar o livro de volta, e ela ficava cada vez mais irritada.
- Cris, você devia largar esses livros pelo menos uma vez na vida. Isso é uma viagem de férias, você devia se divertir um pouco, também. Eu sei que é uma coisa bem difícil para alguém como você, mas você podia tentar, sabia? E isso aqui tem o quê? Umas quinhentas páginas?
- Não te interessa, não é da sua conta nada do que eu faço ou deixo de fazer! Devolve meu livro agora, seu estúpido!
Achei melhor devolver o livro, antes que ela ficasse realmente com raiva de mim. A Cris era o tipo de pessoa que, cinco minutos depois de te chamar de estúpido, já te tratava numa boa, como se nunca tivesse brigado com você. Tomara que ela continue a ser assim. E depois, já havia perdido a graça da brincadeira, mesmo.
- Nossa, não sei como alguém consegue ser tão insuportável. – ela reclamou, guardando o livro na mala.
- Sabe como é... anos e anos de prática.
- Eu que o diga. Sabe, sua mãe deve estar dando pulos de alegria por ficar um mês longe de você, nem ela te suporta.
- Várias garotas já me disseram isso, antes de ficarem perdidamente apaixonadas por mim.
Ela riu.
- O dia em que eu me apaixonar por você, pode me mandar direto pro hospício.
- Vou providenciar sua camisa de força. – Eu a puxei o rosto dela pra perto do meu e a beijei. Putz, o que é que foi aquilo? Foi uma sensação tão incrível que eu nem poderia descrever. E ela também adorou, é claro que adorou.
- Ficou maluco, garoto? – ela me deu um sonoro tapa na cara que foi ouvido e visto por toda a galera. O Victor riu, o Beto me olhou com uma cara de “se lascou, brother.”, e a Rita, Valentina e a MC olharam para a Cristiana como quem diria “Bom trabalho, Cris.”
- Pô, Cris, qual é? Eu sei que você gostou.
- Ah, te enxerga, menino. Rita? Troca de lugar comigo, por favor?
- Tá bom. – elas trocaram de lugar e a Cris se sentou no extremo oposto do avião. Não estava mais perto de mim, mas pelo menos não estava perto do Victor. Pelo menos.
Capítulo 4
Cristiana Araújo
- Então, quer conversar sobre isso? - a Valentina me perguntou baixinho, ao ver o quanto eu estava apreensiva com aquela situação.
- Não. Sim. Ah, sei lá....
- Cris. - ela falou, em um tom doce - Somos melhores amigas desde crianças. Conheço você quase como a mim mesma. Vamos lá, me conte o que está se passando na sua cabecinha.
Olhei para os lados e ninguém parecia estar interessado em ouvir nossa conversa. Maria Cláudia e Rita conversavam animadamente, e os meninos também conversavam entre si, estrondosamente, enquanto comiam batata frita de saquinho.
A Valentina olhou para mim e me encorajou a falar:
- Pode falar, amiga, vai ficar só entre nós. Vamos, admita que adorou beijar o Bernardo.
- Tá, tudo bem. Aquele beijo foi... incrível. Nunca senti nada igual em toda a minha vida.
- Ah, eu sabia! - ela comemorou. - Então, Cris... Se você gostou, porque deu aquele tremendo tapa na cara do coitado do Bernardo?
- É que... acho que eu tenho medo.
- Medo de quê, Cristiana?!
- Medo de me apaixonar por ele de verdade. - falei, preocupada.
- Mas, Cris... Isso não é nenhum motivo para ter medo.
- É claro que é, Valentina! Não percebeu que se eu me apaixonar pelo Bernardo eu vou sofrer absurdamente?
- Besteira, amiga. Por que você acha isso?
- Porque ele não gosta de mim, Valentina. - expliquei, com o tom de quem fala uma coisa óbvia.
- É claro que gosta, Cristiana! Acha mesmo que, se ele não gostasse, teria te beijado daquele jeito?
- Acho. Acho sim. Ele só me beijou para se aparecer pros amiguinhos dele. É óbvio que ele não sente absolutamente nada por mim.
- Cris, heloooo, terra chamando Cristiana! Acorda pra vida, querida! Qualquer pessoa em sã consciência percebe que o Bernardo é louco por você.
Eu ia responder alguma coisa discordando do que ela havia dito, afinal, se o Bernardo gostasse mesmo de mim, teria tentado demonstrar isso de alguma forma. E digamos que me provocar e me chamar de “Cristiane” não era, exatamente, uma declaração de amor. Mas um pensamento totalmente diferente me veio à cabeça, me dispersando desse assunto sentimental de novela das seis. Eu olhei para o meu relógio de pulso e me assustei. Ficamos tão entretidos com nossas conversas e brincadeiras que nem percebemos que as horas estavam se passando dentro daquele avião. Pelo horário, já era para termos chegado ao Canadá há bastante tempo. Comentei isso com a Valentina, e ela também achou muito estranho, em vista do horário, que ainda não tivéssemos chegado.
- Cris, será que o seu relógio não está maluco? – ela perguntou.
- É, só pode ser isso. – perguntei para o Victor quantas horas o relógio dele marcava e ele respondeu o mesmo horário que marcava no meu relógio.
- Não, meu relógio está certo.
- Qual o problema, meninas? – perguntou o Bernardo.
- Vocês ainda não notaram que já era para termos chegado há um tempão?
- É mesmo. – Maria Cláudia concordou. – Queremos chegar ao Canadá, não à China. Esse vôo está demorando demais.
- Será que tem alguma coisa de errado acontecendo? Alguém vai lá perguntar pro piloto por que estamos demorando tanto. – disse Rita.
- Eu vou. – me soltei do cinto de segurança e fui até a cabine do piloto. Hesitei um pouco antes de abrir a porta, e achei melhor bater antes.
- Pode entrar, jovem. – O piloto Serjão disse, em um tom de velho. E ele nem era velho.
Entrei na cabine apertada e o avistei, sentado na frente daquele volante estranho de avião, e pela primeira vez me toquei do quanto era estranho que ele não tivesse um co-piloto. Não tinha absolutamente ninguém para ajudá-lo a pilotar o jatinho.
- Qual o problema, jovem? – não entendi o porquê dessa mania de me chamar de jovem.
- Desculpe interromper. Eu só queria saber se está tudo bem, porque já devíamos ter chegado ao Canadá há bastante tempo...
- Na verdade, já era para termos pousado há umas três horas atrás.
- E por que não pousamos?
- Bem... é que... eu me perdi um pouquinho da rota, mas está tudo sob controle, eu já estou fazendo contato com o rádio transmissor. – ele fez uma pausa, e depois sussurrou, mais para si mesmo do que para mim. – Se ele funcionasse, ajudaria bastante.
- Como assim não funciona?!
- Ora, jovem, sem desespero. Não se preocupe, está tudo sob controle. Vá brincar com os seus coleguinhas, daqui a pouco tempo chegamos.
- Tá. Qualquer coisa me chame.
Eu saí da cabine e sentei na poltrona ao lado da Valentina.
- E aí, Cris, o que ele disse? – o Beto me perguntou.
Contei em detalhes a conversa bem estranha que eu tive com o piloto, e tudo o que Bernardo disse foi:
- Bem, a única coisa que podemos fazer é esperar e torcer para que dê tudo certo. E para que esse rádio transmissor volte a funcionar.
Todos concordaram, afinal, agora que já estávamos dentro daquela lata de metal voadora que pesa toneladas, não podíamos fazer nada, a não ser esperar.
Tentamos voltar a nos divertir e conversar como já vínhamos fazendo desde o início da viagem, e parece que todos conseguiram, menos eu. Não estava com um bom pressentimento acerca daquela viagem. Naquele momento, eu não fazia ideia do que ainda teríamos de enfrentar dali para frente, mas alguma coisa dentro de mim me dizia que alguma coisa muito ruim estava para acontecer. E eu estava certa.
Olhei atentamente para cada um dos meus amigos. Todos pareciam tão felizes, tão animados. Eu não queria que aquela felicidade acabasse. Mas acabou, e mais rapidamente do que eu esperava.
Uma voz estridente saiu da caixinha de som pendurada no teto do avião, interrompendo a piada que o Beto estava contando. Todos ficaram em absoluto silêncio para ouvir aquela voz, que era, obviamente, do piloto.
- Olá, crianças. Tenho uma péssima notícia para dar. Este avião vai cair em aproximadamente, cinco minutos. Eu tentei de tudo, crianças, mas estamos em pane geral. Que Deus nos ajude.
Eu, Maria Cláudia, Valentina, Rita, Victor, Bernardo e Beto ficamos totalmente paralisados com aquela notícia, que, com toda a certeza, havia sido a notícia mais avassaladora que eu já havia recebido em toda a minha vida.
- Isso é uma pegadinha, não é? – a Maria Cláudia sussurrou, apavorada.
Bernardo destravou o cinto e foi até a cabine do piloto, e eu fui atrás dele.
- Como assim o avião vai cair?! – ele gritou para o piloto.
- Caindo, ora. Não se preocupem, crianças, vocês vão sobreviver. Temos cinco pára-quedas, além do meu, é claro, guardados no compartimento superior esquerdo do avião. – o piloto respondeu, estranhamente calmo.
- Mas nós somos sete! – gritei.
Pela primeira vez, Serjão olhou para nós com uma expressão preocupada.
- Então... Se vocês são sete e só temos cinco pára-quedas... Dois de vocês vão morrer. Sinto muito.
- SENTE MUITO? É SÓ ISSO O QUE VAI FAZER, SENTIR MUITO? – Bernardo gritou, irritado.
- Desculpe. Eu já fiz tudo o que podia. – o piloto correu até o tal compartimento onde estavam os pára-quedas, e pegou um para ele, deixando os outros cinco caírem no chão. Ele colocou o equipamento, e diante dos nossos olhos perplexos, abriu uma porta do avião, e gritou, antes de pular:
- Fechem a porta quando eu sair, ou vão ser sugados pelo vento para fora do avião!
O Bernardo conseguiu fechar a porta, o que não foi muito fácil, pois o vento entrava com uma força impressionante para dentro do avião, e realmente tinha a tendência de nos sugar para fora. Ficamos durante cinco segundos olhando uns para os outros, apavorados. Então o Bernardo falou:
- Não temos tempo para ficar aqui parados. Cinco de nós podem sobreviver. Meninas, coloquem o equipamento. Agora.
- Acho que é a hora de você e o Beto provarem que são tão bons quanto dizem ser. Vocês dois ficam. – disse Victor, pegando um pára-quedas para ele. – Desculpem, mas eu preciso mesmo fazer isso. – Ele colocou o pára-quedas, abriu a porta e pulou para fora do avião. O Bernardo fechou novamente a porta do avião, e a essa altura, eu estava tão chocada com o que estava acontecendo que mal conseguia falar.
- Agora temos só quatro pára-quedas. – disse Valentina, tremendo.
- Cris, Valentina, Rita e Maria Cláudia, coloquem o equipamento. Vocês vão pular. – disse Bernardo, em um tom decidido.
- Mas... E você e o Beto? – perguntei.
- Nós vamos ficar. É o único jeito.
- Essa é a parte que eu não gosto. – Beto sussurrou, assustado.
- Não vamos dar o fora daqui e deixar vocês morrerem! – gritei.
- É isso aí. – concordou Valentina. A Rita estava chorando, e a MC parecia mais uma estátua.
Bernardo respirou fundo e olhou para cada uma de nós, sério:
- Eu até pensei em pularmos em duplas, mas não há a menor possibilidade de fazer isso com esses equipamentos. Simplesmente impossível. É melhor quatro de nós sobreviverem do que nenhum. E se vocês não forem logo, todos nós vamos morrer. – uma forte turbulência sacudiu o avião, e ele gritou:
- Coloquem esses equipamentos agora! - Rita, Valentina e MC obedeceram, apavoradas. Eu fiquei congelada como uma estátua.
- Cris, coloca o pára-quedas! – gritou Bernardo.
- Eu nem sei como se usa essa coisa! – disse Maria Cláudia.
- A abertura é automática. – Bernardo explicou, rapidamente, e abriu a porta para elas pularem. – Vão logo! Cris, coloca a droga desse pára-quedas agora, ou eu mesmo vou colocar em você!
Valentina, Rita, e Maria Cláudia pularam, e eu nunca as havia visto com aquela expressão, como se fossem elas que morreriam.
Bernardo teve de fechar a porta novamente, e as turbulências estavam aumentando.
- Ficou louca, Cris? Deveria ter pulado junto com elas! – Ele pegou o último pára-quedas e começou a colocar em mim.
- Eu não vou. – falei, decidida. Não podia dar o fora e deixar o Bernardo e o Beto, e saber pro resto da minha vida que eu podia ter evitado a morte de um deles, mas estava muito ocupada salvando a própria pele.
- Você vai nem que seja à força.
- Bernardo, usa o meu pára-quedas. Por favor.
- Sem chance. – o tom que ele usou deixava claro que nada o faria mudar de ideia. E já que ele não iria, o mínimo que eu podia fazer era ficar com ele.
- Está me emocionando o momento Romeu e Julieta de vocês. – disse o Beto – Eu sei que a Cris só está aqui ainda por causa de você, Bernardo. Mas eu quero viver.
- Pode usar o meu, Beto. – dei meu pára-quedas para ele, e ele agradeceu com um sorriso triste.
- Não! - Bernardo gritou. – Devolve pra ela agora, Beto!
- Desculpa, Bernardo. – disse Beto, tristemente, enquanto outra turbulência sacudiu o avião.
- Desculpa merda nenhuma! Dá esse pára-quedas pra Cris! AGORA! – Bernardo rosnou, com um ódio que eu nunca havia visto igual.
Mas Beto estava determinado a pular. Rapidamente, ele colocou o último pára-quedas, abriu a porta do avião, olhou para mim e pro Bernardo e mais uma vez disse:
- Me desculpem.
Então ele pulou, deixando eu e o Bernardo sozinhos dentro do pequeno avião, que muito provavelmente, dentro de alguns segundos teria um fim tão trágico quanto o nosso.
- Então, quer conversar sobre isso? - a Valentina me perguntou baixinho, ao ver o quanto eu estava apreensiva com aquela situação.
- Não. Sim. Ah, sei lá....
- Cris. - ela falou, em um tom doce - Somos melhores amigas desde crianças. Conheço você quase como a mim mesma. Vamos lá, me conte o que está se passando na sua cabecinha.
Olhei para os lados e ninguém parecia estar interessado em ouvir nossa conversa. Maria Cláudia e Rita conversavam animadamente, e os meninos também conversavam entre si, estrondosamente, enquanto comiam batata frita de saquinho.
A Valentina olhou para mim e me encorajou a falar:
- Pode falar, amiga, vai ficar só entre nós. Vamos, admita que adorou beijar o Bernardo.
- Tá, tudo bem. Aquele beijo foi... incrível. Nunca senti nada igual em toda a minha vida.
- Ah, eu sabia! - ela comemorou. - Então, Cris... Se você gostou, porque deu aquele tremendo tapa na cara do coitado do Bernardo?
- É que... acho que eu tenho medo.
- Medo de quê, Cristiana?!
- Medo de me apaixonar por ele de verdade. - falei, preocupada.
- Mas, Cris... Isso não é nenhum motivo para ter medo.
- É claro que é, Valentina! Não percebeu que se eu me apaixonar pelo Bernardo eu vou sofrer absurdamente?
- Besteira, amiga. Por que você acha isso?
- Porque ele não gosta de mim, Valentina. - expliquei, com o tom de quem fala uma coisa óbvia.
- É claro que gosta, Cristiana! Acha mesmo que, se ele não gostasse, teria te beijado daquele jeito?
- Acho. Acho sim. Ele só me beijou para se aparecer pros amiguinhos dele. É óbvio que ele não sente absolutamente nada por mim.
- Cris, heloooo, terra chamando Cristiana! Acorda pra vida, querida! Qualquer pessoa em sã consciência percebe que o Bernardo é louco por você.
Eu ia responder alguma coisa discordando do que ela havia dito, afinal, se o Bernardo gostasse mesmo de mim, teria tentado demonstrar isso de alguma forma. E digamos que me provocar e me chamar de “Cristiane” não era, exatamente, uma declaração de amor. Mas um pensamento totalmente diferente me veio à cabeça, me dispersando desse assunto sentimental de novela das seis. Eu olhei para o meu relógio de pulso e me assustei. Ficamos tão entretidos com nossas conversas e brincadeiras que nem percebemos que as horas estavam se passando dentro daquele avião. Pelo horário, já era para termos chegado ao Canadá há bastante tempo. Comentei isso com a Valentina, e ela também achou muito estranho, em vista do horário, que ainda não tivéssemos chegado.
- Cris, será que o seu relógio não está maluco? – ela perguntou.
- É, só pode ser isso. – perguntei para o Victor quantas horas o relógio dele marcava e ele respondeu o mesmo horário que marcava no meu relógio.
- Não, meu relógio está certo.
- Qual o problema, meninas? – perguntou o Bernardo.
- Vocês ainda não notaram que já era para termos chegado há um tempão?
- É mesmo. – Maria Cláudia concordou. – Queremos chegar ao Canadá, não à China. Esse vôo está demorando demais.
- Será que tem alguma coisa de errado acontecendo? Alguém vai lá perguntar pro piloto por que estamos demorando tanto. – disse Rita.
- Eu vou. – me soltei do cinto de segurança e fui até a cabine do piloto. Hesitei um pouco antes de abrir a porta, e achei melhor bater antes.
- Pode entrar, jovem. – O piloto Serjão disse, em um tom de velho. E ele nem era velho.
Entrei na cabine apertada e o avistei, sentado na frente daquele volante estranho de avião, e pela primeira vez me toquei do quanto era estranho que ele não tivesse um co-piloto. Não tinha absolutamente ninguém para ajudá-lo a pilotar o jatinho.
- Qual o problema, jovem? – não entendi o porquê dessa mania de me chamar de jovem.
- Desculpe interromper. Eu só queria saber se está tudo bem, porque já devíamos ter chegado ao Canadá há bastante tempo...
- Na verdade, já era para termos pousado há umas três horas atrás.
- E por que não pousamos?
- Bem... é que... eu me perdi um pouquinho da rota, mas está tudo sob controle, eu já estou fazendo contato com o rádio transmissor. – ele fez uma pausa, e depois sussurrou, mais para si mesmo do que para mim. – Se ele funcionasse, ajudaria bastante.
- Como assim não funciona?!
- Ora, jovem, sem desespero. Não se preocupe, está tudo sob controle. Vá brincar com os seus coleguinhas, daqui a pouco tempo chegamos.
- Tá. Qualquer coisa me chame.
Eu saí da cabine e sentei na poltrona ao lado da Valentina.
- E aí, Cris, o que ele disse? – o Beto me perguntou.
Contei em detalhes a conversa bem estranha que eu tive com o piloto, e tudo o que Bernardo disse foi:
- Bem, a única coisa que podemos fazer é esperar e torcer para que dê tudo certo. E para que esse rádio transmissor volte a funcionar.
Todos concordaram, afinal, agora que já estávamos dentro daquela lata de metal voadora que pesa toneladas, não podíamos fazer nada, a não ser esperar.
Tentamos voltar a nos divertir e conversar como já vínhamos fazendo desde o início da viagem, e parece que todos conseguiram, menos eu. Não estava com um bom pressentimento acerca daquela viagem. Naquele momento, eu não fazia ideia do que ainda teríamos de enfrentar dali para frente, mas alguma coisa dentro de mim me dizia que alguma coisa muito ruim estava para acontecer. E eu estava certa.
Olhei atentamente para cada um dos meus amigos. Todos pareciam tão felizes, tão animados. Eu não queria que aquela felicidade acabasse. Mas acabou, e mais rapidamente do que eu esperava.
Uma voz estridente saiu da caixinha de som pendurada no teto do avião, interrompendo a piada que o Beto estava contando. Todos ficaram em absoluto silêncio para ouvir aquela voz, que era, obviamente, do piloto.
- Olá, crianças. Tenho uma péssima notícia para dar. Este avião vai cair em aproximadamente, cinco minutos. Eu tentei de tudo, crianças, mas estamos em pane geral. Que Deus nos ajude.
Eu, Maria Cláudia, Valentina, Rita, Victor, Bernardo e Beto ficamos totalmente paralisados com aquela notícia, que, com toda a certeza, havia sido a notícia mais avassaladora que eu já havia recebido em toda a minha vida.
- Isso é uma pegadinha, não é? – a Maria Cláudia sussurrou, apavorada.
Bernardo destravou o cinto e foi até a cabine do piloto, e eu fui atrás dele.
- Como assim o avião vai cair?! – ele gritou para o piloto.
- Caindo, ora. Não se preocupem, crianças, vocês vão sobreviver. Temos cinco pára-quedas, além do meu, é claro, guardados no compartimento superior esquerdo do avião. – o piloto respondeu, estranhamente calmo.
- Mas nós somos sete! – gritei.
Pela primeira vez, Serjão olhou para nós com uma expressão preocupada.
- Então... Se vocês são sete e só temos cinco pára-quedas... Dois de vocês vão morrer. Sinto muito.
- SENTE MUITO? É SÓ ISSO O QUE VAI FAZER, SENTIR MUITO? – Bernardo gritou, irritado.
- Desculpe. Eu já fiz tudo o que podia. – o piloto correu até o tal compartimento onde estavam os pára-quedas, e pegou um para ele, deixando os outros cinco caírem no chão. Ele colocou o equipamento, e diante dos nossos olhos perplexos, abriu uma porta do avião, e gritou, antes de pular:
- Fechem a porta quando eu sair, ou vão ser sugados pelo vento para fora do avião!
O Bernardo conseguiu fechar a porta, o que não foi muito fácil, pois o vento entrava com uma força impressionante para dentro do avião, e realmente tinha a tendência de nos sugar para fora. Ficamos durante cinco segundos olhando uns para os outros, apavorados. Então o Bernardo falou:
- Não temos tempo para ficar aqui parados. Cinco de nós podem sobreviver. Meninas, coloquem o equipamento. Agora.
- Acho que é a hora de você e o Beto provarem que são tão bons quanto dizem ser. Vocês dois ficam. – disse Victor, pegando um pára-quedas para ele. – Desculpem, mas eu preciso mesmo fazer isso. – Ele colocou o pára-quedas, abriu a porta e pulou para fora do avião. O Bernardo fechou novamente a porta do avião, e a essa altura, eu estava tão chocada com o que estava acontecendo que mal conseguia falar.
- Agora temos só quatro pára-quedas. – disse Valentina, tremendo.
- Cris, Valentina, Rita e Maria Cláudia, coloquem o equipamento. Vocês vão pular. – disse Bernardo, em um tom decidido.
- Mas... E você e o Beto? – perguntei.
- Nós vamos ficar. É o único jeito.
- Essa é a parte que eu não gosto. – Beto sussurrou, assustado.
- Não vamos dar o fora daqui e deixar vocês morrerem! – gritei.
- É isso aí. – concordou Valentina. A Rita estava chorando, e a MC parecia mais uma estátua.
Bernardo respirou fundo e olhou para cada uma de nós, sério:
- Eu até pensei em pularmos em duplas, mas não há a menor possibilidade de fazer isso com esses equipamentos. Simplesmente impossível. É melhor quatro de nós sobreviverem do que nenhum. E se vocês não forem logo, todos nós vamos morrer. – uma forte turbulência sacudiu o avião, e ele gritou:
- Coloquem esses equipamentos agora! - Rita, Valentina e MC obedeceram, apavoradas. Eu fiquei congelada como uma estátua.
- Cris, coloca o pára-quedas! – gritou Bernardo.
- Eu nem sei como se usa essa coisa! – disse Maria Cláudia.
- A abertura é automática. – Bernardo explicou, rapidamente, e abriu a porta para elas pularem. – Vão logo! Cris, coloca a droga desse pára-quedas agora, ou eu mesmo vou colocar em você!
Valentina, Rita, e Maria Cláudia pularam, e eu nunca as havia visto com aquela expressão, como se fossem elas que morreriam.
Bernardo teve de fechar a porta novamente, e as turbulências estavam aumentando.
- Ficou louca, Cris? Deveria ter pulado junto com elas! – Ele pegou o último pára-quedas e começou a colocar em mim.
- Eu não vou. – falei, decidida. Não podia dar o fora e deixar o Bernardo e o Beto, e saber pro resto da minha vida que eu podia ter evitado a morte de um deles, mas estava muito ocupada salvando a própria pele.
- Você vai nem que seja à força.
- Bernardo, usa o meu pára-quedas. Por favor.
- Sem chance. – o tom que ele usou deixava claro que nada o faria mudar de ideia. E já que ele não iria, o mínimo que eu podia fazer era ficar com ele.
- Está me emocionando o momento Romeu e Julieta de vocês. – disse o Beto – Eu sei que a Cris só está aqui ainda por causa de você, Bernardo. Mas eu quero viver.
- Pode usar o meu, Beto. – dei meu pára-quedas para ele, e ele agradeceu com um sorriso triste.
- Não! - Bernardo gritou. – Devolve pra ela agora, Beto!
- Desculpa, Bernardo. – disse Beto, tristemente, enquanto outra turbulência sacudiu o avião.
- Desculpa merda nenhuma! Dá esse pára-quedas pra Cris! AGORA! – Bernardo rosnou, com um ódio que eu nunca havia visto igual.
Mas Beto estava determinado a pular. Rapidamente, ele colocou o último pára-quedas, abriu a porta do avião, olhou para mim e pro Bernardo e mais uma vez disse:
- Me desculpem.
Então ele pulou, deixando eu e o Bernardo sozinhos dentro do pequeno avião, que muito provavelmente, dentro de alguns segundos teria um fim tão trágico quanto o nosso.
Capítulo 5
Bernardo Oliveira
Segundo os meus cálculos, tínhamos por volta de 70 segundos antes que o avião se espatifasse no chão. Eu olhei para a Cris, e durante um segundo, fiquei totalmente sem saber o que fazer. Óbvio que eu não queria morrer, e principalmente, não podia deixar que a Cris morresse também. E eu não iria deixar.
- Bernardo, caso a gente morra nos próximos 60 segundos... – ela começou a dizer, e eu a interrompi.
- Isso não vai acontecer, tudo bem? Prometo.
- Tá. E como, exatamente? – ela falou como se fosse impossível escapar viva daquela situação. Tudo bem, era quase impossível, mas não era impossível.
Respirei fundo antes de dizer para ela a única alternativa que tínhamos, por mais desagradável que fosse.
- Quando o avião estiver a alguns metros do chão, vamos pular dele. Eu sei todos os riscos que estaremos correndo ao nos jogarmos de um avião em queda livre, mas só assim vamos ter alguma chance de sobreviver.
- Está brincando, né?
- Nunca falei tão sério em toda a minha vida.
- Não vou me jogar de um avião, ficou louco?
- Se ficarmos aqui dentro, vamos morrer embaixo de um monte de ferro e destroços de avião. Isso se o avião não explodir, como nos filmes.
- Se quer tanto se jogar do avião, vai fundo. Eu vou ficar aqui.
Eu peguei o rosto dela, fazendo-a olhar diretamente nos meus olhos.
- Cris, nós precisamos fazer isso. E não temos tempo pra discutir. Eu amo você e não quero que nada de mal te aconteça. Precisamos pular desse avião, e tem que ser agora. É a nossa única chance.
Certifiquei-me de que o avião estava relativamente perto do solo, e me assustei com a altura que cairíamos. Provavelmente, iríamos nos machucar bastante, mas o que importava é que estivéssemos vivos. Sem mais palavras, e em meio á turbulências fortíssimas, abri a porta do avião. Não houve tempo para avaliar onde iríamos cair. Eu e Cristiana abandonamos o avião, embora no fundo, eu não estivesse nada seguro de que aquilo daria certo.
Abri os olhos e a primeira coisa que eu vi foram árvores secas, sem uma folha sequer, e por trás delas, um céu acinzentado. Minha cabeça estava doendo horrores, ou melhor, meu corpo todo estava doendo horrores. Fechei os olhos novamente, na esperança de que aquela dor insuportável diminuiria, mas isso não aconteceu. Percebi que estava deitado sobre alguma coisa branca, macia e fria, e me espantei ao chegar á conclusão de que aquilo era neve. Senti meu braço arder, e logo descobri o motivo: ele estava sangrando.
Me perguntei por que raios eu estava deitado na neve, com meu corpo inteiro doendo e meu braço sangrando. Em um milésimo de segundo, as imagens mais recentes da minha vida passaram pela minha cabeça de forma assustadora, fazendo com que eu me esquecesse de qualquer dor que estivesse sentindo. Naquele momento, só uma coisa importava.
- Cris! – gritei, enquanto eu me levantava subitamente, e eu estremeci só de pensar que ela não me responderia. E realmente, ela não me respondeu.
Cristiana estava deitada sobre a neve uns dois metros de mim, com os olhos fechados, o rosto sem cor, e coberta de sangue. Meu coração pareceu congelar quando eu vi aquela cena, e o pior pensamento que eu poderia ter veio diretamente á minha mente: Ela está morta.
Corri e me ajoelhei ao lado dela, desesperado demais até para pensar racionalmente.
- Cris! – gritei de novo, embora soubesse que ela não iria me ouvir.
Ela estava respirando, embora sua respiração fosse lenta e entrecortada, e uma lágrima idiota rolou no meu rosto quando eu senti as batidas lentas do coração dela. E foi a única lágrima, porque chorar não adiantaria nada naquele momento. A minha Cris ia viver, e eu faria o que fosse preciso para isso. Tentei controlar meu desespero, para que eu pudesse pensar racionalmente. Eu precisava agir rápido.
Olhei á minha volta, e tudo parecia estar branco em volta de mim, havia neve por onde quer que eu olhasse. Mas a alguns metros à nossa frente, estava o avião, completamente destruído. Se estivéssemos lá dentro quando ele caísse, com certeza, a situação estaria ainda pior. Um pouco mais além, estava algo que parecia ser uma caverna. O que era ótimo, porque eu não poderia cuidar da Cris no meio da neve. O que eu precisava fazer primeiro era ir até o avião e pegar a maleta de primeiro socorros da Maria Cláudia, se é que havia sobrado alguma coisa daquela maleta.
- Agüente firme, Cris. – sussurrei para ela – Eu já volto. Vai dar tudo certo, eu prometo. – beijei a mão da Cris, uma das poucas partes no corpo dela que não estava ensangüentada.
Corri até o avião, me sentido péssimo por deixá-la sozinha e sangrando no meio da neve. Mas eu precisava pegar aquela maleta e dar uma de médico, o mais rápido possível. O metal do avião estava todo amassado, e aquilo mais parecia uma obra de arte abstrata do que um avião. Entrei no que havia sobrado dele, com alguma dificuldade. Não havia uma só poltrona do lugar, cacos de vidro e pedaços de metal se espalhavam pelo chão e eu tive que me curvar totalmente para conseguir chegar até o lugar em que guardamos as malas. Agradeci a Deus quando vi a maleta de primeiros socorros intacta. Além da maleta, peguei também a minha mochila, que continha coisas bem úteis que iríamos precisar e coloquei-a nas costas. Parecia que a única mala inutilizável era a da Rita, que estava destruída. Aquela foi a primeira vez em que pensei, ligeiramente, se nossos amigos estariam bem e se estariam em algum lugar por perto. Mas aquilo era um assunto para depois. Enquanto eu tentava, apressadamente, sair daquele monte de metal amassado, um pequeno caco de vidro se enfiou na minha pele, e eu o arranquei, xingando, o que me atrasou em vinte segundos. Se existe um cara mais azarado que eu, façam o favor de me apresentar.
Corri até a Cris e me ajoelhei ao lado dela novamente. A pulsação continuava fraca, e eu a peguei no colo com todo o cuidado que pude, torcendo para que ela não estivesse com nenhuma fratura. Fui andando em direção á caverna, enquanto um longo rastro de sangue, o sangue da garota que eu amava, se formava na neve branca.
Dentro da caverna era menos frio, e aquele lugar era bem maior do que eu tinha imaginado. Assim que entramos, eu comecei a agir rapidamente. Peguei o colchonete que havia dentro da minha mala e a deitei a Cris nele. A maleta de primeiros socorros foi muito útil. Verifiquei cuidadosamente os lugares em que ela tinha se machucado. Não parecia haver nenhuma fratura, mas ela tinha um corte imenso na testa, que não parava de sangrar.
Além do corte na testa, ela também tinha machucado o tornozelo, o braço direito e tinha um corte na barriga, um pouco acima do umbigo, que também estava sangrando muito. Tive que tirar a blusa de frio e a camiseta dela para fazer o curativo. Me senti um idiota quando eu me distraí por alguns segundos, olhando para o sutiã rosa claro super sexy que ela estava usando.
Eu havia terminado o curativo, e assim que coloquei a blusa de frio dela de volta, fiz rapidamente outros dois curativos, um no tornozelo e o outro no braço. Então parei alguns segundos para pensar em como eu faria para que aquele corte na testa parasse de sangrar, sendo que fazer um curativo definitivamente não estancaria o sangue. Eu não podia perder tempo, porque a Cris estava perdendo muito sangue.
Fiquei olhando para ela, para aquele rosto tão perfeito, que mesmo banhado de sangue não perdia sua beleza. Senti naquele momento, que se ela morresse, eu também morreria. O medo de perdê-la somou-se a um sentimento inexplicavelmente forte por ela, tão forte que eu seria capaz de fazer qualquer coisa para que ela vivesse. E era horrível o fato de que eu só havia me dado conta do quanto a Cris era importante para mim quando eu estava correndo um grande risco de perdê-la. O rosto dela parecia muito calmo, mas eu sentia que uma guerra estava acontecendo dentro de seu corpo, uma luta contra a morte. E eu iria ajudá-la a vencer essa luta, de qualquer jeito.
Revirei apressadamente a maleta de primeiro socorros, e encontrei uma coisa que seria única solução para aquele corte enorme. Havia uma linha preta e uma agulha de costura, dentro de uma embalagem plástica, que definitivamente, não eram para fazer tricô. Na embalagem, lia-se: “Fios absorvíveis sintéticos para sutura.” O que significava, pensei estremecendo por dentro, que eu mesmo iria costurar e fechar aquele corte, mesmo sem nunca ter feito nada parecido antes. Não vou dizer que eu estava extremamente confiante e feliz em costurar a pele da Cris, porque eu não estava. Mas precisava fazer aquilo, era o único jeito. Primeiro, limpei o corte e o rosto dela, e depois, coloquei a linha na agulha, e hesitei, quando só faltava a parte mias difícil, que era dar os pontos. Parecia loucura fazer aquilo, mas era necessário. Eu precisava mesmo fazer aquilo.
Respirei fundo e comecei a costurar, com medo de que alguma coisa saísse errado. Não era nada fácil, e levou muitos minutos. Decidi não deixar a costura muito apertada e nem muito frouxa, e acho que eu não preciso nem dizer o quanto eu fiquei aliviado quando acabou. Analisei com cuidado a fileira de pontos improvisados que eu acabara de fazer, e parecia que eu havia me saído bem. Finalmente, me sentei ao lado dela e meus batimentos cardíacos voltaram ao normal. Tudo iria ficar bem, estava pensando comigo mesmo quando uma ardência no meu braço direito me incomodou. Olhei para o corte no meu braço, que estava sangrando bem pouco. Fiz um curativo no meu braço, enquanto eu pensava em como aquela situação era estranha. Eu e a Cris pulamos praticamente ao mesmo tempo, eu só tive um corte sem a menor importância no braço, enquanto a Cris quase morreu. Ao mesmo tempo que eu me sentia muito mal por não ter feito nada para impedir que aquilo tivesse acontecido, também achei que tivemos muita sorte. Era praticamente um milagre que nós estivéssemos vivos.
Foi a primeira vez em que pude pensar calmamente desde que aquele maldito piloto vazou do avião dizendo com a maior naturalidade: “Dois de vocês vão morrer.” E eu tinha muito em que pensar.
Observei cada centímetro daquela grande caverna, e achei que ela parecia uma toca gigante. Tinha uma única entrada, o chão era totalmente plano, e devia ter uns vinte metros de comprimento, por dentro. O “teto” erguia-se a uns 5 metros acima de mim. Lembrei-me de que uma vez, na aula de biologia, a professora comentou que a moradia favorita dos morcegos não era nas árvores, e sim nas cavernas. Peguei minha lanterna e iluminei o teto, achando que eu iria encontrar centenas de criaturinhas vampirescas acima de nós, mas não havia nada, além da rocha cinza. Estranhei o fato de eu nunca ter encontrado um ser vivo sequer naquele fim de mundo onde estávamos, além de mim e da Cris. Não havia folhas nas árvores, nem plantas, nem animais, nem mesmo insetos naquele lugar. Provavelmente, porque ser vivo nenhum conseguiria viver no meio de tanta neve. Neve, rochas, e troncos de árvores eram as únicas coisas que existiam ali. Olhei para fora da caverna e vi que estava anoitecendo, então decidi ir até o avião, e pegar todas as malas e coisas que eu e a Cris iríamos precisar dali em diante. Sabe-se lá quanto tempo teríamos de ficar ali. Tentei fazer isso o mais rápido possível, porque eu não queria deixar a Cris sozinha naquela caverna. Fui até o avião, e se dentro da caverna já era frio, imagine fora dela. Estava um gelo, literalmente. Peguei todas as malas, exceto a da Rita, que estava destruída. Enquanto eu saía do avião, achei no chão um mapa, que estava dobrado em forma de rolo, e o coloquei dentro na mala do Beto.
Voltei para a caverna desajeitadamente, parecendo um cabide cheio de malas. Joguei as malas no chão da caverna e me sentei ao lado da Cris, enquanto a paisagem escurecia completamente fora da caverna.
Segundo os meus cálculos, tínhamos por volta de 70 segundos antes que o avião se espatifasse no chão. Eu olhei para a Cris, e durante um segundo, fiquei totalmente sem saber o que fazer. Óbvio que eu não queria morrer, e principalmente, não podia deixar que a Cris morresse também. E eu não iria deixar.
- Bernardo, caso a gente morra nos próximos 60 segundos... – ela começou a dizer, e eu a interrompi.
- Isso não vai acontecer, tudo bem? Prometo.
- Tá. E como, exatamente? – ela falou como se fosse impossível escapar viva daquela situação. Tudo bem, era quase impossível, mas não era impossível.
Respirei fundo antes de dizer para ela a única alternativa que tínhamos, por mais desagradável que fosse.
- Quando o avião estiver a alguns metros do chão, vamos pular dele. Eu sei todos os riscos que estaremos correndo ao nos jogarmos de um avião em queda livre, mas só assim vamos ter alguma chance de sobreviver.
- Está brincando, né?
- Nunca falei tão sério em toda a minha vida.
- Não vou me jogar de um avião, ficou louco?
- Se ficarmos aqui dentro, vamos morrer embaixo de um monte de ferro e destroços de avião. Isso se o avião não explodir, como nos filmes.
- Se quer tanto se jogar do avião, vai fundo. Eu vou ficar aqui.
Eu peguei o rosto dela, fazendo-a olhar diretamente nos meus olhos.
- Cris, nós precisamos fazer isso. E não temos tempo pra discutir. Eu amo você e não quero que nada de mal te aconteça. Precisamos pular desse avião, e tem que ser agora. É a nossa única chance.
Certifiquei-me de que o avião estava relativamente perto do solo, e me assustei com a altura que cairíamos. Provavelmente, iríamos nos machucar bastante, mas o que importava é que estivéssemos vivos. Sem mais palavras, e em meio á turbulências fortíssimas, abri a porta do avião. Não houve tempo para avaliar onde iríamos cair. Eu e Cristiana abandonamos o avião, embora no fundo, eu não estivesse nada seguro de que aquilo daria certo.
Abri os olhos e a primeira coisa que eu vi foram árvores secas, sem uma folha sequer, e por trás delas, um céu acinzentado. Minha cabeça estava doendo horrores, ou melhor, meu corpo todo estava doendo horrores. Fechei os olhos novamente, na esperança de que aquela dor insuportável diminuiria, mas isso não aconteceu. Percebi que estava deitado sobre alguma coisa branca, macia e fria, e me espantei ao chegar á conclusão de que aquilo era neve. Senti meu braço arder, e logo descobri o motivo: ele estava sangrando.
Me perguntei por que raios eu estava deitado na neve, com meu corpo inteiro doendo e meu braço sangrando. Em um milésimo de segundo, as imagens mais recentes da minha vida passaram pela minha cabeça de forma assustadora, fazendo com que eu me esquecesse de qualquer dor que estivesse sentindo. Naquele momento, só uma coisa importava.
- Cris! – gritei, enquanto eu me levantava subitamente, e eu estremeci só de pensar que ela não me responderia. E realmente, ela não me respondeu.
Cristiana estava deitada sobre a neve uns dois metros de mim, com os olhos fechados, o rosto sem cor, e coberta de sangue. Meu coração pareceu congelar quando eu vi aquela cena, e o pior pensamento que eu poderia ter veio diretamente á minha mente: Ela está morta.
Corri e me ajoelhei ao lado dela, desesperado demais até para pensar racionalmente.
- Cris! – gritei de novo, embora soubesse que ela não iria me ouvir.
Ela estava respirando, embora sua respiração fosse lenta e entrecortada, e uma lágrima idiota rolou no meu rosto quando eu senti as batidas lentas do coração dela. E foi a única lágrima, porque chorar não adiantaria nada naquele momento. A minha Cris ia viver, e eu faria o que fosse preciso para isso. Tentei controlar meu desespero, para que eu pudesse pensar racionalmente. Eu precisava agir rápido.
Olhei á minha volta, e tudo parecia estar branco em volta de mim, havia neve por onde quer que eu olhasse. Mas a alguns metros à nossa frente, estava o avião, completamente destruído. Se estivéssemos lá dentro quando ele caísse, com certeza, a situação estaria ainda pior. Um pouco mais além, estava algo que parecia ser uma caverna. O que era ótimo, porque eu não poderia cuidar da Cris no meio da neve. O que eu precisava fazer primeiro era ir até o avião e pegar a maleta de primeiro socorros da Maria Cláudia, se é que havia sobrado alguma coisa daquela maleta.
- Agüente firme, Cris. – sussurrei para ela – Eu já volto. Vai dar tudo certo, eu prometo. – beijei a mão da Cris, uma das poucas partes no corpo dela que não estava ensangüentada.
Corri até o avião, me sentido péssimo por deixá-la sozinha e sangrando no meio da neve. Mas eu precisava pegar aquela maleta e dar uma de médico, o mais rápido possível. O metal do avião estava todo amassado, e aquilo mais parecia uma obra de arte abstrata do que um avião. Entrei no que havia sobrado dele, com alguma dificuldade. Não havia uma só poltrona do lugar, cacos de vidro e pedaços de metal se espalhavam pelo chão e eu tive que me curvar totalmente para conseguir chegar até o lugar em que guardamos as malas. Agradeci a Deus quando vi a maleta de primeiros socorros intacta. Além da maleta, peguei também a minha mochila, que continha coisas bem úteis que iríamos precisar e coloquei-a nas costas. Parecia que a única mala inutilizável era a da Rita, que estava destruída. Aquela foi a primeira vez em que pensei, ligeiramente, se nossos amigos estariam bem e se estariam em algum lugar por perto. Mas aquilo era um assunto para depois. Enquanto eu tentava, apressadamente, sair daquele monte de metal amassado, um pequeno caco de vidro se enfiou na minha pele, e eu o arranquei, xingando, o que me atrasou em vinte segundos. Se existe um cara mais azarado que eu, façam o favor de me apresentar.
Corri até a Cris e me ajoelhei ao lado dela novamente. A pulsação continuava fraca, e eu a peguei no colo com todo o cuidado que pude, torcendo para que ela não estivesse com nenhuma fratura. Fui andando em direção á caverna, enquanto um longo rastro de sangue, o sangue da garota que eu amava, se formava na neve branca.
Dentro da caverna era menos frio, e aquele lugar era bem maior do que eu tinha imaginado. Assim que entramos, eu comecei a agir rapidamente. Peguei o colchonete que havia dentro da minha mala e a deitei a Cris nele. A maleta de primeiros socorros foi muito útil. Verifiquei cuidadosamente os lugares em que ela tinha se machucado. Não parecia haver nenhuma fratura, mas ela tinha um corte imenso na testa, que não parava de sangrar.
Além do corte na testa, ela também tinha machucado o tornozelo, o braço direito e tinha um corte na barriga, um pouco acima do umbigo, que também estava sangrando muito. Tive que tirar a blusa de frio e a camiseta dela para fazer o curativo. Me senti um idiota quando eu me distraí por alguns segundos, olhando para o sutiã rosa claro super sexy que ela estava usando.
Eu havia terminado o curativo, e assim que coloquei a blusa de frio dela de volta, fiz rapidamente outros dois curativos, um no tornozelo e o outro no braço. Então parei alguns segundos para pensar em como eu faria para que aquele corte na testa parasse de sangrar, sendo que fazer um curativo definitivamente não estancaria o sangue. Eu não podia perder tempo, porque a Cris estava perdendo muito sangue.
Fiquei olhando para ela, para aquele rosto tão perfeito, que mesmo banhado de sangue não perdia sua beleza. Senti naquele momento, que se ela morresse, eu também morreria. O medo de perdê-la somou-se a um sentimento inexplicavelmente forte por ela, tão forte que eu seria capaz de fazer qualquer coisa para que ela vivesse. E era horrível o fato de que eu só havia me dado conta do quanto a Cris era importante para mim quando eu estava correndo um grande risco de perdê-la. O rosto dela parecia muito calmo, mas eu sentia que uma guerra estava acontecendo dentro de seu corpo, uma luta contra a morte. E eu iria ajudá-la a vencer essa luta, de qualquer jeito.
Revirei apressadamente a maleta de primeiro socorros, e encontrei uma coisa que seria única solução para aquele corte enorme. Havia uma linha preta e uma agulha de costura, dentro de uma embalagem plástica, que definitivamente, não eram para fazer tricô. Na embalagem, lia-se: “Fios absorvíveis sintéticos para sutura.” O que significava, pensei estremecendo por dentro, que eu mesmo iria costurar e fechar aquele corte, mesmo sem nunca ter feito nada parecido antes. Não vou dizer que eu estava extremamente confiante e feliz em costurar a pele da Cris, porque eu não estava. Mas precisava fazer aquilo, era o único jeito. Primeiro, limpei o corte e o rosto dela, e depois, coloquei a linha na agulha, e hesitei, quando só faltava a parte mias difícil, que era dar os pontos. Parecia loucura fazer aquilo, mas era necessário. Eu precisava mesmo fazer aquilo.
Respirei fundo e comecei a costurar, com medo de que alguma coisa saísse errado. Não era nada fácil, e levou muitos minutos. Decidi não deixar a costura muito apertada e nem muito frouxa, e acho que eu não preciso nem dizer o quanto eu fiquei aliviado quando acabou. Analisei com cuidado a fileira de pontos improvisados que eu acabara de fazer, e parecia que eu havia me saído bem. Finalmente, me sentei ao lado dela e meus batimentos cardíacos voltaram ao normal. Tudo iria ficar bem, estava pensando comigo mesmo quando uma ardência no meu braço direito me incomodou. Olhei para o corte no meu braço, que estava sangrando bem pouco. Fiz um curativo no meu braço, enquanto eu pensava em como aquela situação era estranha. Eu e a Cris pulamos praticamente ao mesmo tempo, eu só tive um corte sem a menor importância no braço, enquanto a Cris quase morreu. Ao mesmo tempo que eu me sentia muito mal por não ter feito nada para impedir que aquilo tivesse acontecido, também achei que tivemos muita sorte. Era praticamente um milagre que nós estivéssemos vivos.
Foi a primeira vez em que pude pensar calmamente desde que aquele maldito piloto vazou do avião dizendo com a maior naturalidade: “Dois de vocês vão morrer.” E eu tinha muito em que pensar.
Observei cada centímetro daquela grande caverna, e achei que ela parecia uma toca gigante. Tinha uma única entrada, o chão era totalmente plano, e devia ter uns vinte metros de comprimento, por dentro. O “teto” erguia-se a uns 5 metros acima de mim. Lembrei-me de que uma vez, na aula de biologia, a professora comentou que a moradia favorita dos morcegos não era nas árvores, e sim nas cavernas. Peguei minha lanterna e iluminei o teto, achando que eu iria encontrar centenas de criaturinhas vampirescas acima de nós, mas não havia nada, além da rocha cinza. Estranhei o fato de eu nunca ter encontrado um ser vivo sequer naquele fim de mundo onde estávamos, além de mim e da Cris. Não havia folhas nas árvores, nem plantas, nem animais, nem mesmo insetos naquele lugar. Provavelmente, porque ser vivo nenhum conseguiria viver no meio de tanta neve. Neve, rochas, e troncos de árvores eram as únicas coisas que existiam ali. Olhei para fora da caverna e vi que estava anoitecendo, então decidi ir até o avião, e pegar todas as malas e coisas que eu e a Cris iríamos precisar dali em diante. Sabe-se lá quanto tempo teríamos de ficar ali. Tentei fazer isso o mais rápido possível, porque eu não queria deixar a Cris sozinha naquela caverna. Fui até o avião, e se dentro da caverna já era frio, imagine fora dela. Estava um gelo, literalmente. Peguei todas as malas, exceto a da Rita, que estava destruída. Enquanto eu saía do avião, achei no chão um mapa, que estava dobrado em forma de rolo, e o coloquei dentro na mala do Beto.
Voltei para a caverna desajeitadamente, parecendo um cabide cheio de malas. Joguei as malas no chão da caverna e me sentei ao lado da Cris, enquanto a paisagem escurecia completamente fora da caverna.